Fila para a arquibancada do Setor A de Interlagos. Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal Terceiro Tempo

Fila para a arquibancada do Setor A de Interlagos. Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal Terceiro Tempo

Eu estava em Interlagos no dia 25 de março de 1994.

Primeiro, tentando entrar no autódromo, no setor "A", local do meu ingresso para os três dias do GP Brasil de Fórmula 1, estreia de Senna na Williams. Era uma sexta-feira, dia dos dois primeiros treinos livres.

Estava lá como espectador, apaixonado por F1 desde a madrugada de 1976, quando assisti a corrida decisiva do campeonato, o GP do Japão em Monte Fuji, com James Hunt campeão.

Dois parágrafos acima eu disse que estava "tentado entrar no autódromo", e explico o porquê.

Cheguei cedo, como de praxe. Eu não era marinheiro de primeira viagem em GP do Brasil de F1, onde havia estreado nove anos antes, em Jacarepaguá/85, para a abertura daquele campeonato, a estreia do Senna pela Lotus.

Então, rumo a Interlagos, um lugar que eu dominava relativamente bem, deixei meu apartamento em direção ao autódromo na minha querida Marajó prata SL à álcool, placas BFC-9405, uma graça que atendia pelo nome de "Nina", batizada pela minha saudosa Márcia, carrinho valente que escolhemos juntos em uma loja pequena no final da avenida Nazaré, no Ipiranga.

Havíamos procurado antes em uma gigante concessionária na mesma rua, a "Itororó", só porque eu achava o jingle da propaganda desta loja absolutamente espetacular: "Eu vou na Itororó, vou comprar meu Chevrolet, a Itororó é na avenida Nazaré"...

Era uma adaptação de "Fui no Tororó", cuja primeira estrofe é:

"Eu fui no Tororó
Beber água, não achei
Achei bela morena
Que no Tororó deixei..." 

Em pouco mais de meia hora consegui uma vaga em uma rua perto do portão de acesso ao setor "A".

Tão cedo a ponto de fugir do assédio dos guardadores de carros. Uma economia de dinheiro considerável, diga-se.

E, tão cedo, que fui o primeiro na fila do setor "A", ansioso para que logo abrissem o cadeado e eu pudesse me acomodar com minha cadernetinha onde eu anotava os tempos dos pilotos pela narração oficial do autódromo.

Não havia internet. O rádio era um grande companheiro, assim como os jornais, revistas e televisão.

O tempo foi passando, a fila aumentando atrás de mim e, de onde eu estava, um portão com grades, trancado por um cadeado, era possível ver o outro lado do circuito, o setor "G", que já tinha muita gente devidamente acomodada.

Estranhei o nosso portão permanecer fechado, até que um funcionário apareceu por lá e tentou abri-lo, trazendo um molho pesado de chaves.

Tentou uma, duas, dez, vinte chaves... E nada de libertar o cadeado...

Para meu desespero, motores começaram a ser acionados nos boxes.

O som era forte, pois eram propulsores V12 (da Ferrari), muitos V10 e outros V8.

Uma deliciosa sinfonia para os ouvidos nada comparável ao zunido de abelhas dos carros de hoje.

Outro funcionário apareceu, tentou mais uma chave e também não conseguiu abrir o robusto cadeado.

Aí, eu percebi que a coisa estava sem rumo, semelhante a um governo que conheço.

Chamei um dos funcionários que estava na trupe atrapalhada e falei se não podia trazer um martelo.

O cadeado estava voltado para o lado de fora do portão.

Em alguns minutos, apareceu o martelo eu fui o incumbido de quebrar o cadeado sem nenhuma cerimônia.

A turma atrás de mim aplaudia e gritava palavras de incentivo

Depois de pouco mais de um minuto consegui quebrar o dito cujo que liberou nossa passagem para as catracas.

Acomodado no cimento gelado, com um pouco de dor na mão direita, vi justamente o carro da minha equipe favorita passar em minha frente a Ligier do Olivier Panis assobiando alto com seu motor Renault V10.

Lembrei dessa história pela circunstância do momento...

Hoje sou jornalista, e há alguns anos passo pelo setor "A" de carro por uma faixa exclusiva, destinada à imprensa, graças ao adesivo colado no para-brisa do meu carro e à credencial pendurada no meu pescoço.

Muitas vezes não acredito que consegui chegar até aqui, mas isso é outra história.

Neste sábado, dia 2 de novembro de 2024, Dia de Finados, aquele perrengue que passei no longínquo 1994 parece ter ressurgido, como um morto que ressuscitou neste dia fúnebre.

Milhares de pessoas, como o Marcos de 1994, ficaram horas em filas intermináveis para conseguir entrar no autódromo.

Perderam parte ou toda a Sprint, não conseguiram usar banheiros, e ainda por cima receberam "raios e trovões" do céu plúmbeo de Interlagos.

Um dilúvio.

A classificação foi adiada para o domingo porque a drenagem da pista, a exemplo do recapeamento asfáltico, ficou um lixo.

Passaram-se 30 anos e as coisas somente ficaram mais visíveis pelas redes sociais.

Hoje, sinceramente, eu só queria reencontrar minha Marajó perdida em alguma rua aqui de perto do autódromo, voltar para casa e pedir uma pizza para comer com a minha Márcia.

Meia quatro queijos e meia palmito com catupiry.

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