Vista aérea atual do Saint Moritz, clube na Serra da Cantareira. Foto: Reprodução

Vista aérea atual do Saint Moritz, clube na Serra da Cantareira. Foto: Reprodução

De antemão reconheço que o título possa causar estranheza, parecendo errado na concordância.

Sou atento à lingua portuguesa e procuro minimizar os descaminhos para os quais por vezes ela nos leva, com armadilhas perigosas.

Hífens, crases, e a forma correta de utilizar os porquês, por quês e suas outras variáveis.

Fato é que me refiro a uma equipe de futebol amador de São Paulo chamada Pequeninos do Jockey, daí usar seu nome no singular.

Dizemos "o" Corinthians, não "os" Corinthians. E "o" Palmeiras, não "os" Palmeiras, por exemplo.

Assim, de forma análoga, o Pequeninos do Jockey, e não "os" Pequeninos do Jockey.

Feito o esclarecimento, mergulhemos nos fatos...

É um relato pessoal, embora envolva outros 21 jogadores, adolescentes então, fora os treinadores, os reservas e todos aqueles que se acotovelavam em torno do campo do Saint Moritz Country Club, em Mairiporã, em uma manhã de domingo em 1980.

O Pequeninos do Jockey sempre foi uma referência em formação de jogadores, por onde passaram diversos garotos que deslancharam no futebol, como Zé Roberto, Júlio Baptista, André Luiz e Edu Manga, entre outros.

O então sócio do meu saudoso pai, em sua agência de publlicidade, tinha um filho que jogava no Pequeninos do Jockey, e como o meu pai era um dos diretores do Saint Moritz, promoveu a vinda do time para um amistoso que literalmente parou o clube que fica encravado na Serra da Cantareira naquela manhã ensolarada.

Até as piscinas, do enorme parque aquático, ficaram às moscas, tamanha era a expectativa para que enfrentássemos o time que era uma espécie de "bicho papão" entre dentes-de-leite e juvenis, com troféus conquistados em torneios na Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca.

Sim, eu era muito bom de bola, sempre o primeiro escolhido dos times, no clube, na escola ou na praia.

E, independente do meu pai ser diretor do clube, quem me convocou para a partida foi o Seu Mingo, o saudoso Domingos Fernandes, responsável pelo departamento de futebol do Saint Moritz. Ele sempre me chamava para os jogos e me entregava a braçadeira de capitão.

Dormi com minha família em um dos chalés do clube (o número 4) de sábado para domingo, dia do jogo. A lista dos convocados para a partida fora divulgada uma semana antes, depois do habitual "rachão".

Em uma época sem as facilidades de comunicação atuais, era preciso que a chamada fosse de forma "física" mesmo, com a lista pregada no quadro de avisos da parede do lado de fora do salão de jogos.

Muitos do nosso time não tinham ideia da encrenca em que estávamos nos metendo ao pegar aqueles garotos do Pequeninos do Jockey. Eu previa que seria uma luta de Davi versus Golias.

No sábado, batendo um futebol de salão com o Alexandre Marinheiro e mais alguns amigos, falei que a gente teria um osso duríssimo de roer. O loirinho Alexandre Marinheiro era bom pra caramba.

Tínhamos um único volante no time, o Paulo de Tarso. Eu na meia-direita e o Alexandre na esquerda. Eu costumava brincar com ele, dizendo que ele era o Zico e eu o Sócrates. Nos "rachas", o Seu Mingo às vezes deixava o Ale em um time e eu no outro para equilibrar as forças. Sério.

Nosso ataque compunha o típico esquema 4-3-3, com o Juca na ponta-direita e o Marcelo Gonçalves na esquerda. Não lembro quem foi nosso centroavante. Talvez o Carrascoza, mas não tenho certeza.

Era um bom time, sem dúvida, mas não tínhamos a tarimba e o entrosamento do nosso adversário.

A nosso favor, além das boas peças individuais, o campo de jogo, à época judiado demais, com grama só pelas beiradas...

Mal comparando com o mundo do automobilismo, era como se fosse uma pista de rali, mas conhecíamos cada buraco e cada "morrinho artilheiro" como as palmas das nossas mãos, assim como fazem os feras do off-road, pilotos e navegadores, estes com suas planilhas desbravadoras.

Imaginei que nossos adversários pudessem demorar um pouco para que entendessem os "atalhos" da nossa pista, digo, do nosso campo, por isso conversei com o Seu Mingo na véspera, falando da importância de imprimirmos o ritmo mais forte possível no começo do jogo, tentar fazer um, quem sabe dois gols, e depois "cozinhar o galo" para uma improvável vitória, que seria épica.

Conhecemos nossos adversários pessoalmente nos vestiários, eles "do lado de lá" e nós "do lado de cá". 

Eu só conhecia o Jefferson, filho do ex-sócio do meu pai, menino que morreu muito jovem, de leucemia, poucos anos depois.

Descemos até o campo, porque os vestiários ficavam em uma das partes mais altas da Vila Renascença, onde está o querido Saint Moritz, lugar delicioso em que passei memoráveis finais de semana e férias na minha infância e adolescência, fosse jogando futebol de campo, futebol de salão ou me divertindo nas piscinas.

E, claro, nas noites quentes em nossa discoteca, nos embalos de sábado à noite com as músicas dos Bee Gees e do John Travolta.

Aquele globo espelhado no meio do salão, as luzes brancas e coloridas tingindo as paredes, o teto e o chão...

Que profusão de testosterona, minha nossa...

O nome da nossa discoteca era sugestivo: "Periquit´s Disco Club", assim batizada em alusão à famosa "Papagaios Disco Club", do Rio de Janeiro, a mais famosa das discotecas do Brasil naqueles tempos efervescentes.

Fiquei espantado com  a quantidade de gente ao redor do campo para acompanhar a partida entre o nosso Saint Moritz e o poderoso Pequeninos do Jockey.

Ainda não haviam construído as arquibancadas  — e o campo ficava no sentido contrário do que é hoje  —, então todo mundo se acomodou ao longo das linhas laterais, acompanhando em pé ou em alguns poucos bancos de madeira. 

Eu e o capitão adversário trocamos flâmulas e ganhei na moedinha jogada para o alto pelo árbitro, neutro, é bom frisar, contratado com exclusividade para a peleja. Optei pelo campo, e atacamos no primeiro tempo em direção ao gol da portaria do clube. Não foi uma escolha ao acaso, pois havia uma declividade nesta direção. Para baixo, todo santo ajuda...

Em menos de cinco minutos meu objetivo inicial estava cumprido!

Lancei o  Juca, nosso camisa 7, que disparou pela ponta-direita e se livrou do lateral.

Ele cruzou para a grande área, em minha direção. Eu, da extremidade da pequena área, dei um toquinho sutil com o pé direito, de chapa, sem pulo, no cantinho direito do goleiro, para fazer 1 a 0 para nós.

Lembro, com carinho, do que meu irmão mais velho me disse depois da partida sobre o gol.

Ele havia chegado com o jogo em andamento, já estava 1 a 0, e perguntou para o Mire, filho do Seu Mingo, qual era o placar.

"Tá 1 a 0 pra gente, golaço do teu irmão!", disse o Mire, outro que também já se foi, prematuramente em um acidente automobilístico na Imigrantes.

Pena, pena mesmo, que meu pai, sempre com sua câmera Super 8 em punho, não a tenha levado naquele dia com um filme (película) Kodachrome ASA 160...

Mas, para quem quiser saber como foi, deixei um vídeo mais abaixo, do gol de Carlos Alberto Pintinho contra o Corinthians na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, na "Invasão Corintiana no Maracanã", após receber cruzamento de Gil pela direita.

Foi igualzinho a partir do momento em que o Gil se prepara para o cruzamento, inclusive nos números das camisas dos protagonistas do lance, o Gil que era o 7 do Flu como o Juca e o Carlos Alberto Pintinho, o 8 do Tricolor Carioca, como eu naquela manhã com nossa camisa verde e o distintivo do clube (um pinheirinho) no lado esquerdo do peito.

Coincidentemente, apesar de ter começado na frente, o Flu também perdeu aquele jogo, depois do Corinthians empatar com o Russo e ganhar nos pênaltis.

A diferença, grande, é que nós levamos cinco gols do Pequeninos do Jockey...

Pois é, 5 a 1 para eles...

Foi um massacre.

Naquele dia tive a exata noção do que era organização tática.

O que valeu?

Bom, para mim, o gol que fiz, do qual me lembrarei até o dia da minha morte, como fez Charles Foster Kane, personagem principal do obrigatório "Cidadão Kane", balbuciando a palavra Rosebud em seu leito derradeiro.

E, também, dos gritos da nossa torcida com o meu gol, e do convite que recebi do treinador do Pequeninos do Jockey para que eu fosse treinar com eles na semana seguinte.

Acabei não indo, era longe demais, do outro lado da cidade.

Fui para a Portuguesa de Desportos, pertinho de casa, no Canindé, onde joguei por um ano, treinado pelo saudoso Hermínio, ex-zagueiro da própria Lusa.

Não decolei como jogador, tudo aquilo que eu mais queria nessa vida, ser um profissional da bola, uma frustração que até hoje povoa os meus doces sonhos e amargos pesadelos, a exemplo do que imagino tenha acontecido com o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940 - 2015) até seu último suspiro.

O bom dessa história é que, se perdemos um jogador,  ganhamos um magnífico escritor.

Refiro-me a Eduardo Galeano, óbvio.

Para compensar, se é que é possível, desde o 2º ano do Primário desembestei a escrever, para contar histórias como esta, movido por algum talento e essa minha robusta memória canceriana, da qual muito me orgulho.

Por isso não me perdoo em não ter certeza se era ou não o Carrascoza o nosso centroavante naquele jogo...

ABAIXO, LOGO NO COMEÇO DO VÍDEO, O GOL DE CARLOS ALBERTO PINTINHO PARA O FLUMINENSE EM 5 DE DEZEMBRO DE 1976, CONTRA O CORINTHIANS, NO MARACANÃ, IGUALZINHO AO QUE EU FIZ PELO SAINT MORITZ...

ABAIXO, VÍDEO COM VISTA AÉREA DO SAINT MORITZ COUNTRY CLUB, EM MAIRIPORÃ, EM 2018

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