O ano, 1974.
Sempre, todas as noites, eu ficava em frente à janela ampla da sala do sobradinho na Rua das Palmas, esperando meu pai chegar.
Meu pai era a pessoa mais importante da minha vida.
Seria uma noite diferente aquela, meu pai viria guiando seu primeiro carro zero quilômetro após dois Fuscas de segunda mão: o lindo Corcel LDO cor de vinho, placas DT-8534.
Duas portas, pneus faixa branca.
No documento, a cor apontada era vermelho jambo, nome pomposo para o vinho.
Eu sempre abria o portão da garagem pra ele, após dois toques que ele dava na buzina, daquela vez com um timbre diferente.
Lembro, como se fosse hoje, do ronronar daquele motor, um 1.4 fremindo de novo e muito mais encorpado que o do Fusca...
Ele ficou apertadinho na garagem do sobrado, e depois de um beijão no meu pai, fiquei por um tempão dentro do Corcel, encantado por cada detalhe.
Luz de cortesia na porta, luz dentro do porta-luvas, bancos cheirando a novinho e, na posição de motorista, fingindo estar dirigindo, trocando as marchas.
Meu pai foi tomar um banho e depois jantamos.
Em seguida, claro, eu, ele, minha mãe e meus dois irmãos fomos dar uma volta pela Vila Guilherme.
Eu sempre sentava atrás do meu pai, e o Corcel tinha uma coisa que eu adorei: janela a manivela que abria até embaixo.
Essa foi a primeira noite do primeiro Corcel que meu pai teve em nossa garagem.
Depois dele, um outro, também zero quilômetro, 1977.
A Ford caprichava nos nomes das cores, e aquele, outro LDO, era "areia casablanca", placas JJ-6127.
Os bancos, diferentes do primeiro (integralmente pretos), eram em dois tons, lindos, marrom e bege.
E foi nele que vivi uma das aventuras mais legais, ainda como passageiro do meu pai, a caminho de nosso primeiro apartamento na Praia Grande, lá no Edifício Araújo, na Praça das Cabeças.
Fomos à noite, saido da zona norte, passando pelo Pari, pegando a Paes de Barros, entrando no Ipiranga pela Silva Bueno até chegarmos à Anchieta.
Na Serra do Mar, uma neblina dos diabos.
E fui eu, com minha janelinha aberta, atrás do meu pai, quem "cantava" o caminho a seguir, olhando a faixa branca pintada no asfalto, enquanto meu pai tentava enxergar alguma coisa à frente, bem devagar.
Quando aquela agonia toda acabou, tive a certeza que meu pai era o melhor motorista do mundo, nos livrando de um imbróglio dos grandes e não foi o único, outras vezes na mesma Serra do Mar e outras tantas a caminho do clube, em Mairiporã.
A primeira vez que eu peguei uma neblina feia, dirigindo meu carro, fiquei bem assustado, confesso.
Eu achava que guiava muito melhor que o meu pai...
Mas, naquela noite, também na Serra do Mar, sem meu pai por perto, tudo o que eu queria mesmo era estar no banco de trás do seu Corcel.
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