Diferente do novo coronavírus, regime sul-africano impactou pouco a categoria. Foto: Divulgação

Diferente do novo coronavírus, regime sul-africano impactou pouco a categoria. Foto: Divulgação

De cara, é bom esclarecer que 1985 acabou sendo o ano mais emblemático na questão do Apartheid da África do Sul em relação ao GP local de F1.

O regime de segregação racial, que durou de 1948 a 1994, teve um momento dramático exatamente entre 1985 e 1988, período em que o sanguinário presidente Williem Botta (espécie de Médici sul-africano), perseguiu opositores com suas tropas.

Negros foram abusados, torturados e mortos.

A imprensa levou uma "banana" do presidente Botta (prática comum dos ditadores), que censurou e baniu as publicações que colocavam o dedo na ferida.

Dando de ombros para um problema tão grave, a Fórmula 1 desembarcou em Kyalami como se nada estivesse acontecendo, mais ou menos como aconteceu nesta semana com o circo montado em Melbourne, no olho do furacão da pandemia do novo coronavírrus, para a abertura do Mundial. 

Sem alternativa, agora, o GP da Austrália foi cancelado.

Em 1985, entretanto, não foi isso que aconteceu em Kyalami.

Duas equipes francesas, a Ligier e a Renault, não disputaram o GP da África do Sul daquele ano, pressionadas que estavam pela opinião pública da França. Valeu, também, a influência do presidente François Mitterand, amigo pessoal de Guy Ligier e diretamente ligado à Renault, pois a empresa tinha capital estatal.

Ponto para o socialista François Mitterrand, estadista de primeira que carregava a rosa vermelha em sua lapela.

As demais equipes foram à pista, e dois pilotos franceses estavam no grid: Alain Prost (McLaren) e Phillippe Streiff (Tyrrell).

O Brasil, naquele momento, estava em seu processo de redemocratização após os sombrios anos da ditadura militar, e os dois pilotos brasileiros também disputaram a prova, no caso, Nelson Piquet e Ayrton Senna, o primeiro com patrocínio master da italiana Olivetti e o segundo estampando a cigarreira britânica John Player Special. Nenhum deles concluiu a corrida, ambos com problemas de motor. A vitória foi de Nigel Mansell, que comandou a dobradinha da Williams seguido por Keke Rosberg. Prost completou o pódio.

Em 1985 eu era estudante de pré-vestibular e as questões nacionais e internacionais estavam no meu cardápio, incluindo o Apartheid. Fã de F1 desde sempre, considerava inaceitável um GP de Fórmula 1 naquele país em que Nelson Mandela, mesmo preso, tentava fazer sua voz ecoar por justiça.

Como em 1985 eram "apenas" os negros que sofriam com o Apartheid, bandeira verde para a F1 manter seu cronograma como se nada estivesse acontecendo.

Agora, como a possibilidade da doença bate à porta de todos, a conversa é diferente...

ALGUMAS CURIOSIDADES...

Somente em 1976, por conta de um protesto de estudantes em Soweto (Joanesburgo), 600 manifestantes foram mortos e 13 mil foram presos. Steve Biko, líder do movimento, foi torturado e morto, o que levou o regime vigente a ser pressionado pela ONU.

Nelson Mandela, que foi libertado no início dos anos 1990, foi eleito presidente e promoveu a conciliação do país.

Alain Prost, que foi muito criticado por ter disputado o GP da África do Sul em 1985, ficou com o caneco daquela temporada. O terceiro lugar que conquistou em Kyalami, entretanto, não foi determinante para seu primeiro título mundial na categoria. Ele venceria mesmo sem os quatro pontos que conquistou no país que separava os brancos dos negros.

Resistência francesa: o então presidente François Mitterand e Guy Ligier, chefe da equipe que levava seu sobrenome. Foto: Divulgação

 


    

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