Da janela, melhor que a luz do Sol. Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal TT

Da janela, melhor que a luz do Sol. Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal TT

Eu já gostava mais de Fórmula 1 do que de qualquer outra coisa em 1975.

O padrinho do meu irmão mais novo também gostava.

Seu Fernando Borges era um sujeito divertido e boa praça. Amigão do meu pai.

Ambos corintianíssimos que hoje devem estar batendo bons papos lá no outro plano.

Morávamos próximos, na Vila Guilherme, e sempre nos visitávamos.

Certa vez ele viajou com sua mulher, Dona Lydia, aos Estados Unidos.

Viajar para os Estados Unidos nos anos 70 tinha um peso só um pouco menor do que pisar na Lua.

A Lua dos cancerianos e cancerianas.

Fomos à casa dele, casa bacana, grande, garagem enorme com um Landau azul novinho em folha, exatamente no dia em que eles voltaram da viagem.

Nas malas, lembranças para os amigos.

Eu ganhei um chocolate americano. Na embalagem, uns canudos de chocolate compridos, parecidos com canudinhos de plástico.

Valeu pela curiosidade. O pior chocolate que já comi até hoje...

Mas era tudo festa, e tudo ficou registrado em uma foto com sua Polaroid, um dos mimos que ele trouxe de lá.

A foto ficou estranha, como ficam todas as fotos de uma Polaroid depois de algum tempo.

Perdeu um pouco da cor e do brilho, mas eu estou lá, feliz da vida naquela noite saborosa.

Mas, mais marcante que aquela noite, teve outra, quando Seu Fernando e a Dona Lydia estiveram em nossa casa e ele contou que iria com toda a família assistir ao GP do Brasil de 1975.

No traçado antigo de Interlagos havia uma área bem grande disponível para barracas de camping no fim de semana da corrida.

E era lá que eles ficariam para a corrida. 

Eu fiquei morrendo de vontade de pedir para ir, mas não falei nada.

O GP foi vencido por José Carlos Pace, o Moco, sua única vitória na F1.

Pace morreu em 1977 em um acidente aéreo, quando seu monomotor caiu na Serra da Cantareira, em Mairiporã.

Alguns dias depois da corrida de 1975, Seu Fernando esteve em nossa casa contando como foi o GP que teve "dobradinha" brasileira, pois Emerson Fittipaldi foi o segundo colocado.

Falou do acampamento, dos churrascos que fizeram, do violão durante as madrugadas.

Falou da gritaria que todos fizeram quando a linda Shadow do francês Jean-Pierre Jarier pifou. Ele era o pole e liderava a prova até oito voltas para o final...

A Shadow era uma belezura mesmo, mas ficou pelo caminho...

A Shadow de Jean-Pierre Jarier. O lindo carro esteve perto de ser o vitorioso do GP Brasil de 1975, a corrida que eu perdi... Foto: Divulgação

Beleza não se põe à mesa, dizem...

E é verdade.

O Comendador Enzo Ferrari tinha uma boa definição para carros de competição:

"Carro bonito é carro que ganha corridas", considerava " il capo" de Maranello.

Numa "brecha" da conversa, no auge dos meus 9 anos, falei para o Seu Fernando:

"Eu queria ter ido..."

Ele se aproximou de mim e disse, com carinho, que se eu tivesse falado me levaria...

Ainda fiquei um pouco na sala e depois subi os degraus do nosso sobrado em direção ao meu quarto e, como todo bom canceriano, chorei à beça...

Estive muitas vezes em Interlagos assistindo F1 como espectador.

Uma vez, até, em uma "Meia Maratona", correndo pelo traçado antigo, duas voltas, quase 16 quilômetros.

Se eu fosse mais exagerado do que sou, diria que minhas panturrilhas doem até hoje... 

E isso foi em 1983...

E dezenas de outras como jornalista, em coberturas de Stock, Porsche, Mundial de Endurance, Moto e outras...

Agora estou em Interlagos na sala de imprensa, na cobertura do GP do Brasil de Fórmula 1.

Pela primeira vez.

É clichê, sim, mas não há outra frase que se encaixe melhor do que "cereja do bolo".

É quase como chegar à Lua.

Algo que fiz recentemente em uma madrugada de Lua cheia.

Retinas coladas nas oculares do meu telescópio.

Uma história linda.

Bela Lua.

Lembrança.

Sala de Imprensa de Interlagos em 14 de novembro de 2019

 

 

 

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