Gosto de carros desde a minha mais remota lembrança.
Tive muitos carrinhos pequenos de plástico com os quais passava horas brincando no sofá do sobradinho da Vila Guilherme, na Rua das Palmas.
Minha coleção tinha Fusca, Kombi, Opala, Corcel, Perua Rural (esta com o teto frisado), pelo menos um par de cada um deles.
Também carros maiores, de plástico, de metal, à corda, à pilha e até uma fábrica de automóveis, da Atma, que atendia pelo nome de "Automatma", onde os carrinhos, separados em três colunas, se formavam e desciam por uma rampa após deslizarem por uma esteira de borracha, esta impulsionada por um pequeno motor que funcionava com uma pilha média.
Quando meu irmão mais velho ganhou seu Autorama H-O da Estrela, que veio com dois Fuscas (um azul e um vermelho), passei a ter certeza que além de brincar de carrinho também gostava de corridas de carros...
Meu maravilhoso pai incrementou a brincadeira trazendo dois carrinhos importados da Aurora, bem mais velozes, um Mustang conversível bege e um Buick Riviera turquesa. O Buick ficou comigo, mas sua carroceria mais longa não era a mais adequada para as curvas no oval da pista estreita, e eu cortava um dobrado para vencer o Mustang mais curtinho do meu irmão...
Um dia o meu Buick voou sobre o guard-rail branco de plástico e caiu de cima da mesa para nunca mais correr...
Desparafusei a carroceria do chassi, fucei nas engrenagens do motor, muito mais complexo que os Oxford dos Fuscas da Estrela, mas ele nunca mais despertou. Hibernou eternamente, uma tristeza.
Fuscas foram os dois primeiros carros do meu pai, primeiro um verde escuro e depois um vermelho.
Do segundo deles tenho até um registro em película, um filme Super-8 no Saint Moritz, clube de campo de doces lembranças da minha infância e adolescência em Mairiporã. Meu pai me filmou após deixarmos a piscina, eu embrulhado numa toalha, batendo os dentes, tremendo de frio.
Depois dos Fuscas, quando as coisas melhoraram, o primeiro zero quilômetro que meu pai "tirou", via consórcio, foi um Corcel Vermelho Jambo (era vinho, mas com esse nome no documento), placas DT-8534, ano 1974, modelo LDO.
Em 1977 o segundo, outro Corcel, também LDO, de cor ainda mais pomposa no nome, "Areia Casablanca", placas JJ-6127, interior em duas cores, marrom e bege, uma lindeza. Ambos com o logo da concessionária Lemar na tampa do porta-malas.
Eu vivia atazanando o meu pai para que me deixasse dar partida nos seus carros, mas ele tinha medo, a marcha poderia estar engatada, eu mal alcançava na embreagem, então eu sempre fazia isso no colo dele, por segurança.
Nessa época meu pai fazia parte do Lions Clube da Vila Guilherme, chegou até a presidente, e tinha alguns amigos que eu associava pelos seus carros...
O Becker, que era industrial, tinha uma Mercedes esporte branca, duas portas. Lembro bem de uma noite em que ele nos visitou e estacionou aquela belezura em frente ao nosso sobrado. Eu fiquei quase todo o tempo junto à calçada, como um cachorro salivando diante do forno de frangos da padaria...
O Fernando Borges, que era professor, casado com a Dona Lydia, casal que depois batizou meu irmão mais novo, tinha um Galaxie preto, que era o carro dos sonhos do meu pai...
Mas a receita do pequeno escritório de publicidade forense do meu pai não permitia voos assim tão altos.
O Durval Pires, que trabalhava na "Toga", fábrica de embalagens que ficava no começo da Via Dutra, era dono de um Opala dourado quatro portas que eu adorava, simplesmente porque ele tinha um alarme que disparava quando a marcha ré era engatada, um apito para alertar incautos que perambulassem por sua traseira...
Mas a família que eu mais gostava, também do "Lions", era a dos Pousada.
O patriarca, Flavio Pousada, era dono de uma fábrica de vassouras de piaçava e outros objetos de limpeza chamada "Tamoio".
O filho dele, também Flavio, era conhecido como "Pousadinha", e trabalhava com o pai na "Tamoio".
O Seu Pousada e o Pousadinha...
Em comum, entre eles, os Dodges.
O pai tinha um quatro portas azul e o filho um duas portas verde, novinhos.
Isso deve ter sido lá por 1972, 73 no máximo.
Pesquisando na paleta de cores da Chrysler não tenho nenhuma dúvida de que o Dart do Seu Pousada era um Sedan Azul Abaeté Metálico e o do Pousadinha era um Dart Coupe Verde Fronteira.
Eu adorava ir com os meus pais na casa dos Pousada para ficar olhando aqueles Dodges, que era o meu carro favorito, talvez porque fosse o que mais me remetesse ao meu finado Buick Riviera de autorama, pelo tamanho e beleza.
Tentei, de todas as formas, em um sábado, convencer meu pai a me levar com ele e o Pousadinha a uma viagem até Porto Ferreira, bate e volta, que eles fizeram para buscar um monte de canecas em cerâmica para a festa do chope do Lions.
No final da tarde, eu ali na garagem do sobradinho, vi o Dart chegando, sem o para-brisa...
Uma pedra quebrou o vidro do carro e eles pararam no acostamento e retiraram os estilhaços para que pudessem enxergar...
Felizmente não se machucaram e conseguiram voltar para São Paulo, apesar da atribulação.
O Pousadinha entrou em casa para tomar uma água, um café, talvez comer um pedaço de bolo de chocolate com cobertura que minha mãe sempre deixava pronto no tabuleiro de aluminio para eventuais visitas.
Na hora de ir embora, o Pousadinha percebeu que eu não parava de olhar para o seu carro, absolutamente fora dos meus padrões, acostumado com o Fusca do meu pai, que ainda não tinha chegado ao primeiro Corcel...
Fez o convite...
"Quer entrar no carro, Marquinhos?", disse o Pousadinha.
Acho que só balancei a cabeça, minha resposta era um óbvio sim, e já fui abrindo a porta.
A alavanca de câmbio na coluna de direção, aquele banco inteiriço em que cabiam uns oito ou dez magrelos "Marquinhos" lado a lado...
Ele deu a volta e entrou pela outra porta para, digamos, "completar o serviço".
Colocou a chave no contato, certificou-se que a marcha não estava engatada e deu o sinal verde:
"Vira a chave, Marquinhos, liga o Dodge!"...
Talvez pouca gente acredite que tenho a memória sensorial até hoje na ponta dos dedos, do peso em virar a chave naquele miolo, e também no pé direito, ao me esticar todo para alcançar o acelerador e ampliar o prazer auditivo proporcionado por um V8 raiz...
Sem estar no colo do meu pai, foi o primeiro carro em que dei a partida sozinho, algo que nunca repeti, mas que jamais esquecerei.
Embevecido de emoção, talvez não tenha agradecido por um dos melhores presentes que ganhei...
Hoje, passados tantos anos, é mais do que chegada a hora de me redimir...
Obrigado, Pousadinha!
******************************
INSTAGRAM: @marcosjuniormicheletti
COLUNAS ANTERIORES (CLIQUE E ACESSE):
O 1º de abril, Lauda e o meu doce Colegial
Aston Marin, Somente Para Seus Olhos
Pré-temporada da Fórmula 1 será de verdades verdadeiras
Molho condimentado na F1 em 2021
Vettel e sua paixão bem resolvida
É possível dizer não à Ferrari?
Interlagos a pé, de carro e uma música do Gilberto Gil
Um piloto fictício, um autódromo e muitos carros eternizados na música brasileira
Calma Mick Schumacher, a viagem é longa e sua hora vai chegar
O capacete e a salvadora blusa lilás
Nosso campo de futebol no Saint Moritz, em Mairiporã. Ou uma pista de rali? E o Pequeninos do Jockey
No `vestibulinho´de fachada da Ferrari, Mick Schumacher tem o `gabarito´da prova...
Quando ganhar sempre não é bom
Ferrari deveria se espelhar na fábrica de Willy Wonka
Beleza da Fórmula 1 também está na desigualdade
Mercedes tem seu Calcanhar de Aquiles
Velozes, mas com ternura. Um contraponto à astronáutica
A grande chance para Verstappen ser campeão na F1
O cadeado de 1994 em Interlagos
Minuano, o carro de Porto Alegre
Fórmula 1/3 merece textos na minha Lettera 22
Ferrari reencontra cartilha do Comendador
Revista Recreio, meu Copersucar de papel e o Ricardo Divila
Jacarepaguá, calor infernal e uma camisa preta
Quase toda F1 `deu de ombros´ao apartheid em 1985
Verstappen, Red Bull e o `tudo ou nada´
Com qual heterônimo Max Verstappen será campeão de F1?
Ferrari, Hamilton e o beijo de Klimt
O Quixote Brambilla e seus carros Rocinantes
A música que Raikkonen sempre cantou para a F1
Bernie, pilotos e equipes. Os bastidores de Interlagos
Acampamento, sala de imprensa e viagem à Lua
Novo carro da F1 dará um `salto´de 22 anos. Para trás...
CLIQUE AQUI PARA ACESSAR A HOME DE AUTOMOBILISMO DO PORTAL TERCEIRO TEMPO
CLIQUE AQUI PARA ACESSAR O CANAL DO BELLA MACCCHINA NO YOUTUBE
Olhos no retrovisor: Rival de Senna na F3, veja Martin Brundle guiando a Brawn-GP campeã de 2009
20/11/2024Parabéns, Ronaldo Giovanelli! Um dos grandes ídolos do Corinthians, o ex-goleiro faz 57 anos!
20/11/2024Achados & Perdidos: Há 19 anos, o pênalti não marcado em Tinga que poderia mudar a história do Brasileirão de 2005
20/11/2024Líder do Brasileiro, Botafogo vai a Minas para encarar o Galo em baixa; os times
20/11/2024Embalado, após quatro vitórias, Corinthians recebe o Cruzeiro em Itaquera; as formações
20/11/2024