Com quase 1/4 das etapas do Mundial de Fórmula 1 já realizadas, é possível cravar, sem muito medo de erro, acerca das equipes que têm bons carros.
Após uma pré-temporada tão enxuta em termos de testes, algumas melhorias só aconteceram, de fato, com o passar das duas ou três primeiras corridas.
Há uma máxima na Fórmula 1, de que "carro mal nascido" não tem santo que o faça melhorar...
É uma meia-verdade.
É possível progredir aqui e ali, mas também há um limite que impede saltos grandiosos.
Com algumas mudanças significativas engendradas pela FIA no assoalho, da temporada passada para esta na área das rodas traseiras, houve uma perda calculada em 5% no arrasto aerodinâmico.
Pode parecer pouco, mas pelo nível de excelência que vigora na categoria mais tecnológica do planeta em termos de esporte a motor, é um bocado...
Quem tinha um carro com traseira mais alta pôde se adequar melhor à mudança, e nesse quesito a Red Bull foi aquela que se deu bem.
A Mercedes, por sua vez, com um carro praticamente "plano", sem significativa diferença de altura entre dianteira e traseira, o tal rake baixo, precisou correr atrás do prejuízo, tão claramente evidenciado na minúscula pré-temporada.
Mas o time alemão trabalhou rápido e devolveu a Hamilton, seu piloto principal, para não dizer único, as condições de brigar com Verstappen, o piloto principal da Red Bull, para não dizer único...
Em contrapartida, na Aston Martin, ex-Racing Point, que em 2020 foi uma cópia quase fiel do carro da Mercedes, sem contar com o orçamento da prima rica, embora com o mesmo motor, as coisas não se resolveram tão rapidamente, e talvez nem se resolvam.
É possível que seja o tal caso do tal "carro mal nascido", que nunca conseguirá brigar por pódios, ao contrário do que fez na temporada passada, em que pese o sorrisão estampado no rosto de Vettel em Mônaco, quando terminou em um reconfortante quinto lugar...
A Alpine (ex-Renault) tentou dar o chamado "pulo do gato", e tudo indica que não fez escolhas acertadas.
Toda vez que ouço essa expressão "carro mal nascido" na Fórmula 1, lembro de um exemplo familiar, o primeiro Corcel que meu pai tirou zero quilômetro na Lemar, concessionária paulistana no bairro do Jabaquara.
O modelo, mais completo para a época, o LDO, sigla para o pomposo nome "Luxuosa Decoração Opcional", na cor Vermelho Jambo, popularmente conhecida como "Cor de Vinho", tinha um calcanhar de Aquiles dos infernos, as tais "cruzetas", hastes que ligavam a transmissão (dianteira) às rodas.
Meu pai, por mais cuidadoso que fosse, invariavelmente ficava "na mão", quando esterçava demais o volante e acelerava ao mesmo tempo, mesmo em baixa velocidade, manobrando o Corcel.
As cruzetas ficavam moídas...
Daí, somente o "Jacaré" para resolver.
"Jacaré" era o apelido do mecânico que tinha sua oficina na rua Maria Cândida, em frente à minha primeira escola, o "Afrânio Peixoto", na Vila Guilherme.
Na mesma Maria Cândida, na esquina com a rua Marili, havia uma loja de acessórios para carros, o "Popó", e meu pai deixava por lá alguns cruzeiros, com o propósito de tornar o bom Corcel ainda mais completo.
Toca-fitas TKR, amplificador Tojo, calhas para chuva nos vidros e encostos removíveis para cabeças, pois os bancos eram baixos.
No fundo, no fundo mesmo, útil de verdade seriam cruzetas mais resistentes. Mas elas não existiam...
A Ford, que outro dia resolveu debandar do Brasil, a exemplo das outras fabricantes de carros da época, simplesmente não se responsabilizava pelo defeito crônico.
A palavra recall ainda não fazia parte do nosso vocabulário de consumidores...
Ser dono de um carro zero quilômetro, que apresentava defeito tão tacanho, é a mesma coisa que ter dentes artificialmente brancos graças à modinha falsiê das lentes de contato odontológicas mas sofrendo de cáries.
Ou botox nas maçãs de um rosto que já dobrou o Cabo da Boa Espeança...
Uma artificialidade que beira o ridículo.
O tal problema das cruzetas do Corcel só foi resolvido anos depois.
O Corcel seguinte que meu pai comprou, também zero, em 77, outro LDO, mas na cor Areia Casablanca (que nome lindo!), já era "bem nascido", sem o amaldiçoado problema...
Desconfio, apenas desconfio, que a Aston Martin anda "maquiando" seu carro.
Uma "harmonização facial" para minimizar seus defeitos de nascimento.
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