Muricy Ramalho

Ex-meia do São Paulo e hoje treinador

por Rogério Micheletti

Muricy, o Muricy Ramalho, meia-direita do São Paulo nos anos 70. Depois de três anos como comentarista de futebol do Grupo Globo, deixou a TV para assumir o cargo coordenador de futebol do São Paulo a partir de janeiro de 2020, clube onde foi jogador e treinador.

Muricy é casado e é pai de três filhos (uma mulher e dois homens). "Quis voltar para a cidade de São Paulo principalmente por causa da minha família. A família é a coisa mais importante que temos e eu fiquei nove anos vivendo em outras cidades", diz o treinador, que nasceu em São Paulo no dia 30 de novembro de 1955, em seu retorno a São Paulo após treinar o Inter e morar no Rio Grande do Sul.

Como jogador, Muricy deu os primeiros passos nas categorias de base do São Paulo Futebol Clube. Ele era um jogador habilidoso, com boa chegada na área (formou grande dupla com Serginho Chulapa) e que desempenhava o papel de autêntico meia-direita. Poderia ter ido para a Copa do Mundo de 1978, mas uma contusão no joelho, um ano antes, impossibilitou o meia de ser chamado para o Mundial da Argentina.

Muricy defendeu o São Paulo de 1973 a 1979. Nesse período, ele fez parte dos times tricolores campeões do Paulista de 1975 e do Brasileiro de 1977. "Aprendi muito com o Rubens Minelli (campeão de 77), um técnico inovador. Foi um dos grandes treinadores com quem trabalhei", revela Muricy, que fazia parte do elenco vencedor do campeonato nacional daquele ano. Aos 17 anos foi emprestado ao Pontagrossense, de Ponta Grossa-PR, onde permaneceu por poucos meses. Ele foi levado ao time paranaense pelas mãos do técnico Alfredo Gonzalez, que treinou o Palmeiras em 1968.

Depois de ter feito 177 partidas e marcado 26 gols com a camisa tricolor, Muricy foi jogar no México, no começo dos anos 80. O irreverente jogador, que gostava de rock e usava cabelos compridos, também brilhou no futebol da América do Norte. No México, ele iniciou a carreira de técnico. Dirigiu o Puebla.

Em 2006, ele foi vice-campeão da Libertadores da América e campeão brasileiro pelo São Paulo. "Foi um ano bom. Perdemos a Libertadores por detalhe e ganhamos o Campeonato Brasileiro", fala Muricy, que nos dois anos seguintes voltou a ser campeão brasileiro pelo São Paulo. Muricy deixou o comando do Tricolor em junho de 2009, depois do time ser eliminado da Libertadores pelo Cruzeiro.

Acertou com o Palmeiras no 21 de julho de 2009, após quase duas semanas de negociação com o presidente alviverde Belluzzo. Chegou ao Palmeiras com o apoio de grandes ídolos palmeirenses do passado: Carabina e Ademir da Guia, mas não conseguiu repetir no Verdão o mesmo sucesso que teve no São Paulo e foi demitido em 18 de fevereiro de 2010, um dia após a goleada sofrida pelo Palmeiras diante do São Caetano por 4 a 1, em pleno Palestra Itália.

Os números de Muricy no comando do Palmeiras não foram bons. Comandou a equipe em 34 oportunidades, sendo 13 vitórias, 11 empates e 10 derrotas.

Em 2010, Muricy assumiu o comando do Fluminense e ajudou o Tricolor a conquistar o título de Campeão Brasileirão.  No dia 13 de março de 2011, ele deixou o Tricolor das Laranjeiras alegando que já tinha contribuído  para seus objetivos com o clube.

A imprensa apurou  que o treinador se desgastou com a co-administrador e patrocinador do clube Unimed e por este motivo foi praticamente forçado a pedir demissão. Em uma das situações de maior ingratidão do futebol brasileiro, pois meses antes recusou a proposta para ser treinador da Seleção Brasileira para levar o Flu ao título nacional.

No dia 5 de abril de 2011, Muricy foi anunciado como novo treinador do Santos. O treinador assinou contrato de 1 ano, podendo ser renovado por mais uma temporada, caso o trabalho agrade a diretoria santista. E os resultados não demoraram para aparecer, o Peixe venceu o Paulistão pela décima nona vez.

Depois de ser duramente criticado por diretores do São Paulo por não ser um técnico  de "Mata-Mata", Muricy respondeu conquistando dois títulos importantes pelo Santos neste sistema de disputa.O campeonato paulista e a Taça Libertadores da América de 2011.

Em 2013, Muricy retornou ao São Paulo, onde ficou até 2015, quando deixou o clube por problemas de saúde.

No ano seguinte, o treinador voltou a trabalhar e assumiu o comando técnico do Flamengo, onde ficou até maio de 2016, quando também deixou o clube por problemas de saúde. Em novembro do mesmo ano, foi anunciado como comentarista dos canais SporTV.

Auxiliar de Telê

Muricy voltou ao Brasil para ser auxiliar de Telê Santana no São Paulo Futebol Clube. Participou da comissão técnica vencedora no começo dos anos 90. Dirigiu o time são-paulino conhecido como Expressinho, que era a equipe aspirantes. Teve sucesso com ele na Conmebol de 1994.

Com a saída de Telê, que apresentava problemas de saúde em 95, Muricy Ramalho assumiu o cargo de treinador no ano seguinte. "Fiquei chateado por ter saído na época. Não queria", lamenta Muricy, que em sua primeira passagem como treinador são-paulino dirigiu o time em 108 jogos (55 vitórias, 33 empates e 20 derrotas).

O cigarro

Um de seus grandes amigos nos tempos de jogador, o ex-lateral Gilberto Sorriso, conta que Muricy Ramalho era realmente um jogador diferenciado e revela um caso engraçado que aconteceu com meia-direita nos tempos em que Poy era o treinador. "Eu e o Muricy estávamos no saguão do hotel. O Muricy fumava e estava com o cigarro. O Poy, que não gostava disso, apareceu de surpresa. O Muricy fechou a mão com o cigarro, que estava aceso, dentro. O Poy falava com o Muricy alguma coisa. E eu notava que ele estava com os olhos cheios. O cigarro deveria estar queimando a sua mão", conta Gilberto, entre gargalhadas.

Vencedor como técnico

Muricy Ramalho não conquistou títulos só dirigindo o São Paulo. Também venceu comandando o Santa Cruz, o Náutico, o Figueirense, o Internacional e o São Caetano, campeão paulista de 2004.

México, China, Brasil...

Times comandados por Muricy Ramalho: Puebla do México, São Paulo (1996), Guarani (1997), Chuhua-China (1998), Ituano (1998), Botafogo de Ribeirão (1999), Santa Cruz (2000), Náutico(2001-2002), Figueirense (2002), Internacional (2003), São Caetano (2004), Internacional (2005) e São Paulo (2006).

Emoção

Costumeiramente durão, Muricy admite que ficou emocionado quando ouviu seu nome ser gritado logo depois do nome de Telê Santana durante jogo entre São Paulo e América de Natal, no Morumbi, em 2007, pouco antes do Tricolor comemorar o pentacampeonato brasileiro. "Fique emocionado mesmo. É sinal de que o trabalho foi reconhecido. Mas sei que amanhã já terei cobranças. Porque o torcedor é exigente. Sempre vai ser assim", declarou o treinador.
 
Depois de ser duramente criticado por diretores do São Paul por não ser um técnico  de "Mata-Mata", Muricy respondeu conquistando dois títulos importantes pelo Santos neste sistema de disputa.O campeonato paulista e a Taça Libertadores da América.
 
ABAIXO, TEXTO DO JORNALISTA GUILHERME CIMATTI SOBRE MURICY RAMALHO. CIMATTI ESCREVEU COMO SE FOSSE O PRÓPRIO MURICY NARRANDO SUA TRAJETÓRIA
 
"O trabalho sempre foi tudo pra mim.

Tudo que eu consegui foi com muito trabalho. Eu tive de trabalhar muito porque eu não abria mão de algumas coisas. Tive de trabalhar o dobro para vencer no futebol.

Meu pai não me viu treinador. Quando ele morreu, eu ainda jogava. Jogava no México e, justamente por estar trabalhando, não pude nem ir ao enterro. Ele com certeza tem muito orgulho de mim.

Meu pai sempre foi o grande incentivador da minha carreira. Me via jogar quando eu ainda era molequinho, na Vila Sônia, um bairro aqui de São Paulo. Me ensinava a chutar a bola e a construir meu caráter. Virei gente grande quando o abraço dele ainda era muito maior do que o meu corpo.

Nosso ídolo era o mesmo: o Ademir da Guia. Era realmente muito diferente. Elegante e educado dentro de campo. Aí, depois, veja como é a vida: eu fui jogar com o Ademir na seleção paulista. Foi o máximo. Ainda ficamos concentrados no mesmo quarto. A primeira coisa que fiz foi telefonar para o meu pai.

E não era fácil telefonar naquela época. A comunicação era bem complicada. Eu liguei pedindo ajuda pra telefonista, a Angelina, do Morumbi. “Pai, eu estou no mesmo quarto do Ademir. Acredita nisso?”. Ele ficou muito orgulhoso. Mas eu queria ter provado mais. Ter deixado ele ainda mais orgulhoso de mim.

Queria que meu pai tivesse visto o São Paulo apostando no filho dele como treinador. Queria que ele tivesse visto o melhor técnico da história do futebol brasileiro me preparando para o lugar dele. O Telê Santana começou a ter problema de saúde e me ensinou tudo antes de partir. Antes de encontrar com meu pai lá em cima.

Meu pai nem chegou a conhecer o expressinho. E já faz mais de 20 anos. O tempo passa rápido demais.

Cheguei ao São Paulo com oito ou nove anos. Meu tio me levou pra lá. Achava que eu levava jeito pro futebol. Foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. A gente se identifica muito com o lugar, com as pessoas. Virei Tricolor de garoto. Levo a imagem daquele tempo no rosto de cada amigo que ficou. Tenho vários que também jogaram comigo. Não passaram com o tempo. Ficaram.

Do Telê eu fui auxiliar e jogador. Mas quem deu a primeira chance foi o Oswaldo Brandão. Isso meu pai viu! Eu tinha meus 16, 17 anos. Fiquei nervoso pra caramba. Tinha muita gente boa lá: Gerson, Pedro Rocha. Só feras mesmo. Não era como hoje que as pessoas estão sempre juntas. Era muito separado, muita gente famosa. Senti demais o começo e depois a gente vai se acostumando.

Só nunca me acostumei com a ideia de perder meu pai e o Telê. Acho que o Telê ficaria satisfeito com o que eu virei. Infelizmente ele não acompanhou tudo, mas viu o título da Conmebol, com o expressinho.
Mas sabe o que mais me dói? Eles não me viram dando a volta olímpica com o Pelé, em 2011, depois do título da Libertadores pelo Santos.

Em 70 eu vi o Pelé dando a volta olímpica com o Rivellino. E eu era o Rivellino nas peladas da rua, na Vila Sônia. Foi a Copa da minha vida. A mais marcante de todas.

E pouco mais de 40 anos, lá estava eu: sem meu pai pra ver. Sem o Telê pra orientar.

Quando fui campeão brasileiro com o Fluminense, em 2010, eu sonhei com o Telê. Foi a única vez que isso aconteceu. Um dia antes do último jogo, o Telê conversou comigo no meu sonho. E foi muito estranho: ele estava rindo bastante, feliz. E ele não era assim, de ficar dando muita risada. Era um aviso.

De manhã, quando acordei, fui confiante.

Graças a Deus as pessoas lembram de mim com carinho. Por todos os clubes por onde passei, sem exceção. Sempre respeitei os lugares, os profissionais. Mas você sabe: o São Paulo tem uma coisa diferente.

Eu voltei pra ajudar o São Paulo a não ser rebaixado em 2013. Nunca negaria um pedido desses. As coisas andaram bem. Mas em 2014...

De repente, o quarto escureceu. Estava em um lugar fechado e cheio de aparelhos, entubado. Não tinha contato com ninguém. Estava isolado com médicos e enfermeiros. Via em uma tela os batimentos do meu coração. Com diverticulite, do nada, estava na UTI.

Minha esposa pediu várias vezes para eu parar. Mas você me conhece: o trabalho sempre foi tudo pra mim.

Na segunda vez, já no Flamengo, prometi: pararia se conseguisse me recuperar. Agora de arritmia.

Consegui. Deixei a carreira. Não foi fácil.

Aliás: nada na minha vida foi fácil, meu filho.

Se antes eu ficava nervoso, me estressava, me cobrava... agora é o oposto. É como se eu vivesse sempre em Ibiúna, onde sempre fui descansar. Minha esposa ficou feliz com essa decisão.

Eu não queria terminar como o Telê terminou. Somos muito parecidos, mas priorizei minha saúde. Telê deu a vida pelo futebol. Eu quis manter o futebol na minha vida.

Mas em outra função.

Sou feliz como comentarista do SporTV.

Eu queria ser como o Telê em quase tudo: como pessoa e treinador. Só que eu não queria ficar doente no final da carreia, como ele ficou.

Nunca esperava ter de parar e comentar jogos. Mas foi um convite e eu tô curtindo bastante. Tá gostoso. Estou no futebol novamente, viajo com o pessoal e aprendo muito.

Técnico nunca mais vou ser. Quem sabe, bem no futuro, um coordenador de alguma coisa. Mas treinador, não.

Tem vezes que a gente precisa parar. Mas gente como eu para sempre pra recomeçar de alguma forma. Se reinventar. Trabalhar.

No dia em que eu morrer e encontrar meu pai e o Telê, lá no céu, vou dizer que senti muita saudade. Tudo que eles me ensinaram eu realmente coloquei em prática.

Ganhei.

E não ganhei sozinho. Ganhei com eles.

Ganhei com quem me fez ganhar a vida."
 
Abaixo, lembranças de São Paulo 2 x 0 Corinthians, de 1975

No dia 16 de setembro de 2018, ao lado de Serginho Chulapa, Milton Cruz e Borges, Muricy participou do Domingo Esportivo Bandeirantes. Confira a íntegra da entrevista:

Em 17 de fevereiro de 2019, Muricy Ramalho participou da entrevista de Milton Neves com o volante Pierre, que anunciava o fim da carreira como jogador. Os dois trabalharam juntos no Palmeiras em 2009. Confira a íntegra da entrevista:

No dia 17 de maio de 2019, o UOL Esportes publicou uma grande entrevista com Muricy Ramalho. Nela, Muricy revelou como decidiu se aposentar do cargo de técnico. CLIQUE AQUI E LEIA!

No dia 1º de dezembro de 2019, Muricy Ramalho participou do Domingo Esportivo Bandeirantes. Ouça a íntegra da entrevista, que teve participação de Milton Cruz:

Abaixo, ouça a participação de Muricy Ramalho no programa "Domingo Esportivo Bandeirantes" do dia 23 de agosto de 2020: 

 

No dia 12 de outubro de 2024, Muricy Ramalho foi o entrevistado da estreia do "Podcast Histórias do Futebol", projeto de Milton Neves e de Alexandre Praetze. Confira a entrevista completa no player abaixo: 

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Pelo São Paulo (como jogador):

Atuou em 177 jogos, sendo 90 vitórias, 57 empates e 30 derrotas. Marcou 26gols.
Fonte: Almanaque do São Paulo, de Alexandre da Costa.

Pelo São Paulo (como treinador):

Comandou o Tricolor em 360 jogos, sendo 194 vitórias, 100 empates e 66 derrotas.

Pelo Palmeiras (como treinador):

Comandou o Verdão em 34 oportunidades, sendo 13 vitórias, 11 empates e 10 derrotas.

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