Dono de narração marcante, Januário de Oliveira morreu no dia 31 de maio de 2021, em Natal-RN, aos 81 anos. Ele estava aposentado desde 1998, quando começou a sofrer com a diabetes, enfermidade que lhe custou a visão de um olho.
Gaúcho de Alegrete, nascido no dia 12 de fevereiro de 1940, Januário ficou famoso com frases como "tá lá um corpo estendido no chão", utilizada quando um jogador se machucava e ficava deitado no gramado, "Cruel, muito cruel...", que servia para elogiar um artilheiro e "Sinistro, muito sinistro...", quando algum jogador ou árbitro cometia alguma falha.
Januário foi responsável também por dar apelidos a muitos jogadores, entre eles Ézio, o "Super Ézio", o centroavante Charles (Bahia e Flamengo), o "Príncipe Charles", Sávio, o "Anjo Loiro da Gávea", "Tá, Té, Tí, Tó, Túlio..." e o volante e lateral Charles do Flamengo, o "Charles Guerreiro" e Valdeir (ex-Botafogo) que ganhou a alcunha de "The Flash".
Abaixo, o e-mail enviado pelo próprio Januário de Oliveira no dia 20 de abril de 2007.
Desde já agradeço ao Marcelo Senna, do "SENNA DO PÂNICO", pelo contato feito junto ao grande Milton Neves. Agradeço, principalmente, a gentileza do Milton que telefonou-me , fazendo-me o convite para participar de seu programa na Rádio Bandeirantes. Fiquei muito feliz por saber que não fui esquecido por todos.
Empresas onde trabalhou: Rádio Farroupilha-POA ; Rádio Cultura de Bagé-Rs ; Rádio Mauá-Rj ; Rádio Nacioanal-RJ ; Rádio Globo-RJ ; TVE-RJ E TV Bandeirantes,RJ-SP. Deixou a TV aberta em 1998, por culpa do diabetes.
No dia 21 de fevereiro de 2017, o portal UOL Esportes publicou uma matéria sobre o narrador
Adriano Wilkson e Vanderlei Lima
Do UOL, em São Paulo
Famoso por bordões que marcaram época ("Taí o que você queria, bola rolando", "Tá lá um corpo estendido no chão"), o ex-narrador de futebol Januário de Oliveira guarda vivas na memória as cenas da guerra entre Israel e Palestina, que ele viveu de perto quando tinha 18 anos. Hoje, aos 77, ele vive sua aposentadoria em Natal, no Rio Grande Norte.
Januário conversou por telefone com o UOL Esporte e contou também que a diabetes lhe tirou a visão completa do olho esquerdo, além de uma parte da do direito.
"O rosto de uma pessoa a dois metros eu não vejo", disse ele, que trabalhou por seis anos na TV Bandeirantes, além de ter tido uma carreira profícua no rádio. "Hoje eu acompanho a televisão. Vou ouvindo e reconhecendo as pessoas. Eu sei quem são, quem está falando, mas lamentavelmente eu não tenho mais nada pra fazer."
Ligado principalmente ao futebol carioca, Januário fez sua última transmissão na Copa de 1998, em um jogo entre França e Paraguai.
Ainda adolescente, ele estava no Exército quando resolveu ser voluntário de um batalhão das Nações Unidas para atuar no conflito no Oriente Médio. No final da década de 50, o estado de Israel já havia ocupado parte do território antes habitado por árabes palestinos, criando uma quantidade grande de refugiados que foram à área anos depois conhecida como Faixa de Gaza.
Leia o relato de Januário de Oliveira sobre sua participação na guerra:
"Eu sempre gostei de aventura. Quando estava no Exército aos 18 anos surgiu um batalhão da ONU para ir à Faixa de Gaza. Imagina! O idiota aqui se apresentou como voluntário. Eles queriam completar o número de 800 e poucos soldados e pouca gente se apresentou como voluntário. Só um inteligente como eu. O resultado foi que eu estava no Egito onde o bondinho da nossa chegada no deserto e foi uma chuva de balas que você não pode fazer ideia.
Os egípcios eram contrários às forças da ONU. Não era só brasileiro que tinha lá, tinha brasileiros, canadenses, colombianos, norueguês, dinamarquês, sueco, indiano e iugoslavo, e nós brasileiros éramos nove. Esse exército ia ficar lá em princípio um ano, mas acabei ficando um ano e cinco meses."
Viu pessoas morrendo a sua frente?
"Não uma só. Vi uma quantidade... na primeira noite que estávamos lá, foi chamada uma patrulha de emergência para socorrer um desastre de trem na entrada do deserto. Pra se ter uma ideia encheu dois caminhões de corpos. Foi um cartão de visita que era de chorar. Na hora eu me arrependi de ter ido, mas depois de uns dez dias eu comecei a gostar. Lá na fronteira entre Israel e Egito ganhava-se oito dias livres de descanso que você poderia escolher entre o Cairo, Líbano ou Alexandria também no Egito."
Chegou a matar alguém?
"Jurei à minha mãe quando ela era viva que jamais tinha matado alguém. Eu prendi muitos caras, cheguei a dar tiros na perna pra não partir pra cima da gente. Muitas vezes éramos em dois soldados contra vários. Não era fácil, era uma coisa que você fazia por necessidade, o negócio foi bastante brabo. Naquela época não se falava em Faixa de Gaza, nem se tocava nesse assunto. Dizia-se apenas que a ONU estava criando uma força de paz que tinha como objetivo principal a paz no Oriente Médio.
Foi uma viagem e experiência importante na minha vida. Estive num lugar que eu não visitaria jamais, não que eu não quisesse, pelo contrário. Sonhava em poder visitar um dia, mas não imaginei que fosse tão cedo. Com 19 anos eu estava fazendo a festa de aniversário em Jerusalém, o que eu jamais imaginei. Sou católico, imagina então a representatividade que tinha pra mim a cidade de Jerusalém! Passei dez dias lá e saí renovado.
Depois de um ano que saímos de lá, Israel tomou conta de tudo. Israel era um país e Egito outro, e Gaza fazia parte do Egito. Hoje Gaza é o quintal de Israel, levaram seis dias pra tomar tudo, na chamada Guerra dos Seis Dias [em 1967]."
Em 1960 a seleção brasileira de futebol foi jogar no Cairo, no Egito, e aí deu como prêmio a 200 soldados a ida ao Cairo para assistir ao jogo. Eu estava no meio dos premiados. Fui lá e conheci Dino Sani, Pelé, Zito, Gilmar, a seleção campeã do mundo de 1958. Foi uma coisa fantástica."
Foto: Divulgação
No dia 24 de maio de 2012, o blog UOL Esporte publicou uma matéria sobre o narrador
Ricardo Zanei, em São Paulo
"Ele é cruel, muito cruel?. A frase nasceu por acaso e é apenas uma das tantas que marcaram a carreira de Januário de Oliveira. Se a narração de futebol na TV, até hoje, é permeada por bordões, ele é um dos "culpados?. "Cruel?, "sinistro?, "Super Ézio? e "tá lá um corpo estendido no chão? são apenas alguns exemplos das tiradas desse gaúcho de Alegrete. Aos 70 anos e afastado das transmissões desde 1998, ele continua acompanhando o futebol, mas, hoje, por causa do diabetes e a visão bem prejudicada, apenas de casa. Cego do olho direito, ele agora tem dificuldades para enxergar do olho esquerdo. Isso não impede que Januário perca o bom humor: com uma memória afiada, ele relembra os grandes momentos da carreira de sucesso. E emociona.
Em entrevista ao UOL Esporte por telefone, Januário, falou sobre o caminho que o levou ao futebol. Fã da modalidade, ele começou sua trajetória fazendo rádio-novela, em 1963. Foram seis meses como ator antes de pintar uma brecha no esporte, na rádio Cultura de Bagé. Tinha início, ali, quase 40 anos ligados ao mundo da bola. O namoro com o rádio foi até meados dos anos 80, quando foi levado por Sérgio Noronha para a TV Educativa, no Rio de Janeiro. Em 1990, foi para a TV Bandeirantes, emissora na qual trabalhou até 1998, quando a doença o obrigou a se aposentar.
Os bordões
"É engraçado, nunca imaginei antecipadamente o que eu ia usar. Nunca pensei ?essa frase é boa e posso dizer isso em uma transmissão?. Tudo aconteceu no estalo?, disse Januário. Foi assim, de sopetão, que surgiram frases ainda hoje marcantes. "Vi os homens da maca entrando em campo e disse ?olha aí o primeiro carreto da tarde?. O pessoal achou engraçado. Aí tinha um jogador caído, e falei ?tá lá um corpo estendido no chão?. Isso também ficou famoso, virou até música, uma do Gabriel, o Pensador, outra do João Bosco."
Cada bordão surgiu de maneira curiosa. "Eu estava transmitindo um Flamengo e Sport, e o Mozer, zagueiro, recuou uma bola para o Gilmar. A bola passou por entre as pernas dele, devagarinho. Foi um frango fantástico, a bola indo fraquinha para o fundo do gol. E eu falei ?Gilmar, sinistro, muito sinistro?.?
E o cruel? "Foi em um jogo do Dener no Vasco, em São Januário. Ele fez quatro gols e deu passe para outro. No quarto gol, ele pegou uma bola no campo do Vasco, deve ter driblado uns oito jogadores, teve gente que ele driblou duas vezes. Aí eu comecei a narrar ?maravilhoso, fantástico, grandioso?, fui usando todos os adjetivos, mas acabaram os adjetivos, a língua portuguesa encolheu pra mim. Aí veio um Dener foi ?cruel, muito cruel?. E assim nasceu?, lembrou Januário.
O narrador criou ainda "sobrenomes? para alguns jogadores, como Charles "Guerreiro? e Valdeir "The Flash?. "Ele era só Charles. Quando ele foi para o Flamengo, tinha o Charles, atacante, aquele que jogou no Bahia e no Boca Juniors. Aí virou ?Charles segundo?. Como o espírito dele era de guerreiro, comecei a chamá-lo de Guerreiro. Até quando o Parreira o convocou para a seleção, ele falou ?Charles Guerreiro?, do Flamengo. Ele até adicionou o "Guerreiro? no nome dele?, disse. "O Valdeir? Passava a série na TV Globo, e ele chegou correndo que nem um louco no Botafogo. Eu o chamei de ?The Flash?. Hoje, até o filho dele o chama de "The Flash?."
Chegou o clássico, e o Fluminense fez 1 a 0 com Ézio. Em seguida, o atacante voltou a marcar, e Januário emendou um "Ézio, o herói tricolor, 2 a 0, nasce o super herói tricolor, nasce o Super Ézio?. "A torcida gostou. A repercussão foi enorme e, sempre que falavam com ele, falavam de Super Ézio."
Começava uma amizade que durou até a morte do artilheiro, em novembro do ano passado. "Depois de um Atlético-MG x Fluminense, ele se despediu do futebol, mas não fez alarde, não falou para ninguém. Eu apresentava um programa de debates na TV Educativa e, no fim do programa, estava lá o Ézio com a mãe, a irmã, o cunhado, a noiva, enfim, ele tinha trazido a família inteira dele do Espírito Santo para assistir ao último jogo dele como profissional. Ele levou todo mundo na TV só para me apresentar e me dar a camisa que ele tinha acabado de usar, que eu guardo até hoje com muito carinho. Nessa noite, ele me deu o celular, o telefone da casa dele, e a partir daí não perdemos mais o contato. Mesmo meses antes de ele falecer, a gente se falava. Nos tornamos grandes amigos."
A doença
"Eu me aposentei em 1998, por causa do diabetes, que começou a prejudicar a minha visão e não permitiu que eu trabalhasse mais. Fiz duas cirurgias, perdi uma das vistas na primeira. Tive retinopatia diabética, mas, quando operei, já era muito tarde. Fiz a segunda cirurgia e, felizmente, a vista esquerda ainda não estava tão comprometida. Ainda vejo alguma coisa, mas não dá para noticiar. Fiz Copas do Mundo, fiz Olimpíadas, adorava os Campeonatos Brasileiros, sempre os achei apaixonantes. Foi muito bom enquanto durou. Tudo valeu a pena?, disse o narrador.
Januário brinca com os boatos que correm na internet. Fuçando na rede, é possível encontrar notícias sobre a morte do narrador ou ainda que ele teve as pernas amputadas. "Já disseram muita coisa por aí, que eu morri, que amputaram as minhas pernas, que eu estava totalmente cego. Até agora, o máximo que amputei são as unhas, que eu corto todas as semanas."
De unhas cortadas, Januário fala sobre a saudade do mundo da bola. "O que mais sinto falta é da emoção de estar participando daquilo. É a mesma falta que faz para todo mundo que para de trabalhar com o que gosta. Imagina quem trabalha com rádio, TV, esporte, futebol, uma paixão mundial, e de repente você é obrigado a parar. Parei há 14 anos, mas ainda sonho com o futebol. Sonhei outro dia que estava procurando uma pasta com uns textos em casa, e o táxi lá fora, esperando. Sonho que estou transmitindo, que estou falando com o repórter, pegando as escalações, coisas que a gente fazia em todos os jogos. Não consegui me desvencilhar e não quero me desvencilhar. É uma lembrança que eu não quero esquecer.
Que tal colocar todas as memórias em um livro? "Muita gente já me entusiasmou com essa ideia, mas eu dependo de uma pessoa do meu lado para eu ditar e ela, escrever. Escrever é uma coisa, mas parar para pensar e falar para uma outra pessoa escrever é outra.
Mesmo longe dos gramados, é possível dizer que "taí o que você queria" e que "é disso, Januário, é disso que o povo gosta?. E, parafraseando mais uma vez o eterno criador de bordões, "acabou o milho, acabou a pipoca, fim de papo".
Em setembro de 2013 Januário enviou mensagem a Milton Neves. Confira:
Amigo Milton, quase todos os domingos você me deixa mais alegre e feliz reproduzindo gols com a minha narração, hoje 01 de setembro, você disse que não sabia por onde eu andava. Devo te dizer que não estou mais em Goiânia, depois de 11 anos mudei-me para Natal, onde já estou há 08 meses. Sou muito grato pelo carinho que você demonstra para comigo! Obrigado por tudo e aguardo seu contato para conversarmos! Um grande abraço Você e Neto formam hoje a dupla mais "CRUEL" da televisão brasileira, vocês dois... Eeeeee disso que o povo gosta!!!
ABAIXO, VÍDEO COM JANUÁRIO DE OLIVEIRA, QUE FALA SOBRE A CRIAÇÃO DE VÁRIOS BORDÕES, ENTRE ELES O "SUPER ÉZIO":
Abaixo, entrevista do jornalista Sergio Du Bocage com Januário de Oliveira, em 2019, na TVE do Rio de Janeiro:
No dia 29 de janeiro de 2018, o portal UOL publicou uma matéria sobre o futebol na Band no início dos anos 90. Januário era narrador da equipe:
Futebol na segunda-feira foi aposta da Band nos anos 1990; veja como era
UOL Esporte
Jogo de futebol passando na TV aberta nas noites de segunda-feira? Sim, já aconteceu no Brasil. Consagrado na Inglaterra e nos Estados Unidos (neste caso, com o futebol americano), o “Monday Night Football” foi uma aposta da Band no começo dos anos 1990. E marcou época por vários motivos:
Todo dia uma atração
Em 1991, a Band estreou a Faixa Nobre do Esporte, que ia ao ar de segunda a sábado, às 20 horas, sempre com uma transmissão esportiva. Tinha Campeonato Espanhol, NBA, futebol americano, vôlei, basquete, sinuca… E o Campeonato Carioca nas noites de segunda-feira.
Outros tempos do Carioca
A decisão do Campeonato Carioca de 1991 aconteceu no fim do ano, junto com o encerramento do calendário do futebol brasileiro. Entre novembro e dezembro, a Taça Rio estava nos momentos decisivos. E toda segunda-feira à noite tinha jogo, geralmente entre um time grande e outro pequeno. Estas eram as partidas transmitidas pela Band nos primórdios do “Monday Night Football”.
Jogo raiz
No dia 2 de dezembro de 1991, cerca de 3 mil torcedores saíram de casa na segunda-feira à noite para ir ao estádio Caio Martins, em Niterói, assistir ao jogo entre Flamengo e Campo Grande. O público pode ter sido pequeno, mas foi suficiente para encher as arquibancadas e animar a transmissão da Band, que teve narração de Jota Júnior, comentários de Gérson e reportagem de Octavio Muniz (foto). Apesar do estádio acanhado, a qualidade do gramado foi bastante elogiada pelos comentaristas. O Flamengo venceu por 1 a 0, com gol de Zinho.
Participações ilustres
Mesmo sem internet, a Band tinha uma transmissão interativa, com menções às cartas dos telespectadores e até participações ao vivo de torcedores famosos por telefone. Na partida entre Flamengo e Campo Grande, o sambista rubro-negro João Nogueira foi o convidado especial e deu uma palavrinha com o narrador Jota Júnior durante o primeiro tempo do jogo: “Mesmo sem muitas estrelas, o Carlinhos conseguiu montar um time competitivo com a garotada, e está jogando um futebol bonito”.
Narrações clássicas
Além de Jota Júnior, o time de narradores da Band também tinha nomes como Marco Antônio e Januário de Oliveira (foto). Este último era uma atração à parte nos jogos de segunda à noite. Seus bordões são lembrados até hoje por quem teve a oportunidade de assistir àquelas partidas: “Super Ézio”, “tá lá um corpo estendido no chão”, “tá aí o que você queria”.
Comentários descontraídos
Gérson, o Canhotinha de Ouro, trabalha até hoje como comentarista de rádio e ficou famoso pelo seu jeito simples e descontraído de analisar as jogadas com seu olhar de boleiro. Nas transmissões de segunda-feira na Band, ele era o titular. Ao comentar a forma física de um arbitro mais gordinho que apitou o jogo do Flamengo, ele disparou uma das suas: “É por tonelada a peça. Se ele vier acompanhando a jogada e a bola voltar, ele não vai conseguir chegar. Está muito, muito avantajado”.
A bandinha de fundo
Aqueles jogos de segunda-feira tinham uma atmosfera diferente, até porque geralmente aconteciam em estádios menores, de bairro. Era o futebol pé no chão, da geral, do torcedor no radinho. E não há som que defina melhor tudo isso do que aquelas bandinhas da torcida que tocavam marchinhas o jogo inteiro. Em estádios pequenos, dava para ouvir muito mais, até na transmissão. Confira a seguir no jogo completo entre Flamengo e Campo Grande que passou no saudoso “Monday Night Football” da Band.
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