Na última partida da Seleção Brasileira no Maracanã houve uma belíssima homenagens aos jogadores campeões mundiais, porém sempre fica aquele sentimento de ausência nas homenagens e reconhecimentos com os outros heróis que representaram o nosso futebol.
Nesse contexto cabe uma ressalva importante; a CBF já homenageou os jogadores do mundial de 1950, senda aquela partida a última vez que a seleção jogou no interior do Nordeste. O sempre lembrado goleiro Barbosa esteve nessa homenagem em Campina Grande, num reencontro curioso com o estado da Paraíba. Barbosa foi treinador do Auto Esporte de João Pessoa na década de 70. Já escrevi um texto sobre esse fato em um site. Como esse site não existe mais, vou contar novamente esse causo.
Em janeiro de 2017, conheci Neyde Vasconcelos, a nova auxiliar de consultório dentário na clínica em que trabalho. A amizade fluiu de uma maneira espetacular, especialmente quando ela soube dos meus textos, crônicas e paixão pelo futebol. Neyde foi casada com um jogador que rodou por vários clubes do Nordeste e possui um vasto arquivo de jornais, revistas e camisas.
Nessas relíquias maravilhosas da minha amiga, havia uma revista do Atlético de Cajazeiras, do ano 2000. Duas páginas dessa revista eram dedicadas ao goleiro Barbosa, que tinha falecido naquele período. Na página 18 tinha um texto que é um “tesouro arqueológico” para nós pesquisadores de futebol. Pouca gente sabe ou recorda, mas Moacyr Barbosa foi treinador de futebol.
Em janeiro de 1978, Barbosa tirou uma licença do trabalho na SUDERJ e foi contratado pelo Auto Esporte, de João Pessoa, para comandar o clube no Campeonato Paraibano. O presidente Aderbal Cavalcante trouxe vários jogadores do futebol baiano e mesclou com a base de outros anos; os jogadores Neinha, Anselmo, Espinheira, Ênio, Félix, Jaiminho. O primeiro teste seria um jogo-treino contra o clube amador Internacional de Cruz das Armas, só que esse clube amador estava sem goleiro.
Foi aí que Nelvique, jogador do Auto Esporte e que tinha passado pelo Internacional, teve uma ideia que iria sacudir o futebol paraibano. Convidou o radialista João Camurça para ser o goleiro do Internacional naquele amistoso.
João Camurça topou o desafio e foi ser o arqueiro naquela peleja realizada no Estádio Leonardo Vinagre da Silveira, também conhecido como Estádio da Graça. Ele havia chegado a pouco tempo em João Pessoa para trabalhar na rádio Arapuan e era o goleiro do time da Associação dos Cronistas Esportivos da Paraíba, experiência futebolística adquirida na juventude quando esteve na Marinha e atuou na equipe juvenil do Riachuelo, em Natal.
O Internacional se agigantou e foi logo abrindo o placar. O Autinho tentou muito empatar a partida, mas João Camurça fechou a baliza com defesas incríveis. Aí, no final da partida, o juiz marcou um pênalti duvidoso para enfim o clube automobilista empatar.
Moacyr Barbosa ficou encantado com o desempenho e as defesas acrobáticas de Camurça. Foi falar com Haroldo Navarro, diretor de futebol do Auto, para contratarem aquele goleiro. Haroldo ainda tentou alertar Barbosa: “mas ele não é jogador, ele é radialista”. Barbosa soltou uma réplica capaz de convencer qualquer um: “fui goleiro e reconheço à distância quando vejo um bom”.
Naquele momento, o rádio paraibano perdia um grande narrador e o futebol ganhava um excelente goleiro. Contudo, logo nos primeiros meses João teve um problema nos meniscos e seu “olheiro” não estava suportando a solidão do quarto de hotel e a imensa saudade do Rio de Janeiro. A passagem de Barbosa na Paraíba durou apenas 60 dias e ele voltou para o Rio de Janeiro.
Imediatamente, a diretoria do Auto Esporte trouxe o treinador Paulo Mendes, que tinha várias passagens pelos times paraibanos. Mendes foi logo declarando que seu goleiro titular seria George e que João Camurça como goleiro era um ótimo narrador. Camurça não gostou da declaração do treinador e também deixou o Auto Esporte. Talvez o destino quisesse apenas ouvir as belas narrações de gols dele ao invés de vê-lo buscar as bolsas nas redes.
Durante muito tempo, João Camurça foi presidente da ACEP, a Associação dos Cronistas Esportivos da Paraíba, e depois passou a coordenar o “Esquadrão de Aço” da rádio Sanhauá, de João Pessoa.
Na suavidade da voz da paraibana Elba Ramalho, “Barbosa voltou para seu aconchego, trazendo na mala bastante saudades” e um punhado de lagostas que ele ganhou de um grupo de pescadores. Recebeu “um sorriso sincero e um abraço” da sua amada esposa Clotilde e voltou a trabalhar no Maracanã.
Barbosa se aposentou da Suderj e ficou morando no Rio de Janeiro até 1997, quando a esposa faleceu. Morou com a filha Teresa em Praia Grande e faleceu no dia 7 abril de 2000. Dois dias depois, ocorreu um “Botauto”, o clássico entre Botafogo e Auto Esporte, e houve um minuto de silêncio especial para o homem que não foi ídolo no futebol paraibano por ter sido vencido pela saudade.
Tentei fazer esse texto sem citar “o Mundial de 1950”, acho que a história dele foi muito maior do que aquela final, mas parece que ela sempre voltava para atrapalhar o enredo de “mergulhar na felicidade sem fim”.
O reencontro de Barbosa com a Paraíba ocorreu no dia 25 de novembro de 1992 desta vez em Campina Grande, antes do amistoso entre Brasil e Uruguai, quando houve uma homenagem em campo aos vice-campeões de 1950 promovido pelo Governador da Paraíba (Ronaldo Cunha Lima) e o Presidente da CBF (Ricardo Teixeira). O estádio não estava cheio por três motivos; os ingressos estavam com valores altíssimos, a partida começou às 22:30 de uma quarta feira e as duas seleções só tinham jogadores que atuavam em seus respectivos países, devido a “Guerra de los repatriados” na seleção celeste
Estiveram presentes no Estádio Amigão: Barbosa, Nilton Santos, Nena, Noronha, Bauer, Ademir de Menezes, Baltazar e Flávio Costa. Numa ironia do destino, a seleção brasileira abriu o placar... mas acabou tomando a virada e a partida terminou; BRASIL 1 X 2 URUGUAI.