Chico SanTTo, Santiago do Chile 11 de setembro de 2008 ? 19h22 Os chilenos lembram nesta quinta-feira o 35º aniversário do golpe militar que derrubou Salvador Allende e colocou no poder o ditador Augusto Pinochet. Ao longo das décadas de ditadura, grande parte da população enfrentou momentos de dificuldade. "Foram anos horríveis. Não dá para acreditar que um país com raízes democráticas tenha vivido um período tão violento. Não aceito a ditadura. Ela é intolerável. Tenho um filho, José Miguel, que trabalha em Washington, nos Estados Unidos. Trabalha nos Direitos Humanos. Ele não representa o Chile. Ele representa o mundo inteiro", afirmou o advogado Julio Vivanco, 78 anos. Porém, nem todos recordam com rancor dos anos sob o comando de Pinochet. "Falam mal porque não sabem da história. Se não fosse pelo General Augusto Pinochet, estaria na Rússia até hoje. Não teria conseguido me manter no Chile", disse um imigrante de aproximadamente 50 anos, que não informa o nome, mas faz questão de dar sua opinião. Em 11 de setembro, as manifestações surgem aos poucos nos mais distintos pontos da capital chilena. O principal ato de nacionalismo acontece na Praça da Constituição, a sede do governo. Policiais fardados tomam conta do local, tentando garantir a segurança do país no mesmo lugar em que Salvador Allende foi encontrado morto. Segurando um fuzil, um dos homens da Polícia Nacional, Miguel Pizarro, comentou com alegria o momento vivido pelo país. "Isso é o que chamamos de democracia. Como é bom poder ver esse tipo de coisa. É bom estar de volta a uma sociedade democrática". Protestos Na praça do governo, amigos e parentes de Salvador Allende protestaram e homenagearam o ex-líder, que, segundo a versão dos ditadores, teria se suicidado. "É mentira. Ele não se matou. Não faria isso. Já havia me dito que não iria renunciar e que lutaria, se fosse preciso, até a morte. Ele foi morto", disse Hugo Arriaga, um dos membros da guarda pessoal de Allende. O homem de confiança do ex-presidente relembrou os últimos momentos vividos ao lado de Salvador Allende. "Estava com ele na manhã de 11 de setembro de 1973. Estávamos cientes do golpe e passamos a noite inteira juntos. Os quatro generais, da força aérea, polícia, marinha e militar já estavam se movimentando. Foi tudo muito tenso e lutamos até o fim pelo Chile". Julio Stuard, prefeito de Santiago em 1974, acrescentou: "estavam sob o comando dos americanos. Já haviam tentado pegar o governo antes. Em julho de 1973, quase assumiram, mas nós conseguimos resistir à força dos ditadores". Aos 76 anos, Stuard tem um cargo de honra no Chile. É superintendente de Santiago. Trinta e cinco anos depois, ele lembrou o dia do golpe. "Foi um dia difícil. Aqui (Praça da Constituição) não se ouvia nada além de tiros. Lutamos até o fim, até o início do anúncio do bombardeio. Mas nada podia ser feito", disse. O ex-prefeito de Santiago foi um dos exilados de Pinochet. "Fiquei dois anos preso. Passei por várias cadeias e por fim me mandaram para a Prisão dos Anos, na Terra do Fogo". Situação parecida viveu Patrício Ayala, chefe de escolta de Salvador Allende. "Não há outra palavra para descrever aquele 11 de setembro. Terrível. Perdemos o líder máximo do país. O Chile passou por um momento muito delicado. Fui preso no Estádio Nacional, torturado, flagelado e dado como morto. Tenho sorte de estar vivo. É um milagre". Parado em frente à porta da Morande 80, a entrada da casa em que Salvador Allende viveu, o ex-chefe de escolta relembrou os tormentos enfrentados na Escotilha 8, campo de prisão montado por Augusto Pinochet no Estádio Nacional do Chile. "É uma coisa indescritível. Apanhávamos de todos os jeitos. Eles nos humilhavam. Também não era fácil enfrentar a cadeira elétrica. Nos judiavam muito. Não precisavam fazer isso para nos matar. Bastava um tiro. Mas não, queriam que nos sentíssemos um lixo. Gostavam de ver a nossa dor", disse Ayala. Patrício Ayala foi um dos poucos a deixar a prisão com vida. Poderia ter morrido como os amigos, se não tivesse apreendido a ficar calado, uma lição que os militares ensinaram a força. "Só escapei porque me fingi de morto ao lado de dezenas de corpos. Fiquei por horas jogado ao frio, me esquentando com o sangue dos meus amigos. Não podia chorar, gemer, sequer respirar. Nunca mais fui ao Estádio Nacional de Santiago".