Rui Chapéu

Mestre da sinuca

por Marcos Júnior Micheletti

Baiano de Itabuna, José Rui de Mattos Amorim, o Rui Chapéu, nascido em 1940, ficou nacionalmente conhecido a partir de sua aparição no programa "Show do Esporte", na Rede Bandeirantes, atração idealizada por Luciano do Valle.

Morreu no dia 29 de fevereiro de 2020 após sofrer parada cardíaca em São Paulo, aos 76 asnos de idade. 

Contratado pela Rede Bandeirantes em 1984, Rui Chapéu contribuiu para dar jogo de sinuca uma roupagem mais nobre, desmistificando a imagem de uma prática de malandros e desocupados, como a modalidade era considerada, a partir de sua participação em campeonatos transmitidos ao vivo pela televisão aberta, ao lado de outros nomes que se tornaram familiares aos brasileiros, como Roberto Carlos, Jesus e o inglês Steve Davis, campeão mundial por seis vezes.

Os confrontos entre Rui Chapéu e Steve Davis marcaram época na televisão brasileira na década de 80.

A sinuca, em 1988, passou a ser considerada oficialmente como esporte, graças ao esforço de Luciano do Valle e de Manoel Tubino, então presidente do CND (Conselho Nacional de Desportos).

Foto: Breno Pires/UOL

No dia 12 de agosto de 2014 o portal UOL publicou uma entrevista com o Rui Chapéu, confiram:

Astro de Luciano do Valle, Rui Chapéu sonha com volta da sinuca à TV aberta

Felipe Pereira
Do UOL, em São Paulo

Rui Chapéu, 74 anos, fez tudo que queria na vida. Chegou inclusive a recusar convites de dar inveja a muita gente como jogar na Inglaterra ou um contrato para morar no Japão por três anos. Mas não significa que ele não faça mais planos. Apresentar um programa de sinuca na televisão aberta é o grande sonho para o restante da vida.

A confiança de que o projeto vai dar certo é tamanha que está disposto a abrir mão do salário por meio ano. "Se der retorno me pagam. Se não der, não. Tô botando meu trabalho de graça".

Resumindo, ele procura um novo Luciano do Valle. Foi o ex-narrador que abriu espaço para a sinuca na televisão há exatos 30 anos – em 1984. Depois de vencer um desafio em que bateu os 12 melhores jogadores do país, Rui Chapéu ganhou um contrato e permaneceu no ar por oito anos. As aparições eram aos domingos no Show do Esporte, exibido aos domingos na Bandeirantes

A volta da sinuca a um canal aberto é sucesso garantido na avaliação dele. "Todo mundo gosta de sinuca. O presidiário e o policial gostam. A senhora de 70 anos gosta e a criança vê e vai na televisão tentar pegar as bolas coloridas que se mexem".

Independente de conseguir tocar adiante o projeto, Rui Chapéu já colocou seu nome na história do esporte. Ele mudou a imagem da sinuca que até então era considerada ocupação de malandro. O jogador reconhece o preconceito existente antes dele ir para Bandeirantes, mas ressalta que depois de oito anos de programa a situação mudou. Diz que hoje entra no avião, visita o Congresso Nacional ou qualquer local do país e, além de ser bem recebido, é tietado.

Rui Chapéu faz um paralelo com o futebol e afirma que antes de Pelé as moças que namoravam boleiros eram reprovadas pelos pais. O mesmo processo de afirmação ocorreu com a sinuca e, na opinião dele, não teria acontecido sem a parceria com o ex-narrador da Bandeirantes. "Eu acho que toda a casa de sinuca do Brasil podia ter uma placa dizendo obrigado Luciano do Valle".

A popularização do jogador também foi facilitada pelo inseparável chapéu. Marca registrada de um campeão, ele acompanhou Rui em toda a carreira. Virou ainda uma espécie de símbolo de sucesso na trajetória construída a partir da mudança para São Paulo na década de 1970. Na maior cidade do país, o menino que várias vezes foi dormir com fome na infância em Itabuna (BA), ganhou fama e se tornou o melhor do país numa mesa de bilhar. E pensar que nada disso foi planejado.

Rui Chapéu lembra que sua estreia numa mesa de sinuca ocorreu aos 12 anos. "Ia para o salão jogar mesa grande, naquela época não tinha mesinha. A polícia chegava pela frente e a gente saia correndo pela porta dos fundos".

Conforme ele crescia, o controle das bolas aumentava e aos 17 anos ninguém na cidade ganhava dele. O destino dos visitantes era o mesmo, perder. "Quem ia a Itabuna não escapava. Eu já jogava muito."

O mundo dos salões de bilhar era uma diversão para o jovem que desde os sete anos trabalhava vendendo de tudo na rua e aos 15 dirigia caminhão de areia. Precisava ajudar na renda de casa, só que o esforço não era o bastante. "A gente passava necessidade, eu não tenho vergonha de falar isso. Muitas vezes fui dormir com fome. Quando tinha meus 10 anos o almoço era farinha, pimenta e sal. E a janta sal, pimenta e farinha".

A falta de dinheiro fez Rui abandonar os tacos. Sem escolaridade, estudou somente até a terceira série do primário, virou caminhoneiro quando atingiu a maioridade e pode tirar carteira de motorista. Sinuca só de vez em quando nas paradas em Itabuna depois de viagens Brasil afora. Nessa época, usava um chapelão ao invés do chapéu que virou marca registrada. O reencontro com os salões de bilhar se deu em 1973.

Com três filho e mulher, Rui mudou para São Paulo. "Eu tinha que sobreviver. Cheguei aqui (São Paulo) e tinha um dinheiro porque vendi um caminhão. Montei um empório no Parque do Carmo e comecei a trabalhar. Umas duas ou três vezes roubaram o mercado e foi me quebrando. Quando vi que ia quebrar de uma vez eu vendi."

Um dia Rui jogava num bar e impressionadas as pessoas falaram que ele era muito bom e se fosse ao centro de São Paulo ia ganhar dinheiro. Seguiu o conselho e apareceu com o chapéu branco na cabeça adotado assim que deixou a Bahia. A partir deste momento ganhou um apelido e uma nova profissão.

Ele literalmente apostava o leite das crianças pois cada jogo valia dinheiro. "Em valores de hoje, 500 reais, mil reais, ou 500 dólares, 200 dólares". Rui conta que o nível dos jogadores era tão grande que cada confronto durava três minutos. Os embates eram duros e centenas de partidas eram disputadas num dia para um dos jogadores abrir cinco ou seis vitórias de vantagem no final.

Logo ele entrou no grupo de 30 tacos fortes de São Paulo, ganhou fama e foi coroado o melhor da sinuca. "Depois de um tempo fiquei no topo, ninguém mais jogava comigo mano a mano. Tinha que ter uma lambuja".

Famoso, começou a viajar e desafiar adversários de outras cidades. O destino mais comum era o Rio de Janeiro, mas Belo Horizonte e Goiânia também estavam no mapa. "Eu chegava e já dizia: sou o Rui chapéu, o melhor jogador do Brasil. Querem jogar comigo vamos armar".

Consagrado nos salões, começou a ganhar notoriedade. Em 1979, participou algumas vezes de um programa que Silvio Luiz tinha na TV Record. A grande guinada se deu em 1984 com a parceria firmada com Luciano do Valle. Neste período na televisão, o jogador fazia desafios e enfrentou o inglês Steve Davis, considerado o Pelé da sinuca. "Ele veio várias vezes aqui e perdi mais do que ganhei. Mas ganhei uma vez de 6 a 1", recorda orgulhoso.

Com o espaço na mídia surgiram convites para propagandas, desafios e convites. Um clube inglês queria Rui Chapéu como jogador, mas a proposta foi recusada. Mesma resposta ouviram os japoneses que desejavam ter o brasileiro apresentando um programa de televisão durante três anos.

"Nunca tive intenção de ser rico. Eu quero dinheiro para trocar meu carro, comprar minha roupa, ir para Bahia, mas não para ficar milionário. Tem cara que troca a vida dele e até a fé do cara lá de cima. Eu não faço isso".

Com mulher e filhos em São Paulo, Rui Chapéu não quis colocar o trabalho na frente da família. Ele conta que mesmo assim criou o filhos em colégio particular, sempre morou bem e tem até casa de praia. Mas afirma não está rico e se mantém fazendo apresentações.

Hoje ele não joga mais apostado, quase nunca vai a salões e treina apenas antes de apresentações. Ou seja, está abandonando velho hábitos. Nem assim deixa para trás o chapéu e diz que será enterrado com ele

"Eu não tiro o chapéu, é minha marca. Hino nacional, entro na igreja, qualquer lugar. Tenho certeza que podia ter os castigos de Deus, mas ele não liga. Só para ele eu tiro o chapéu e queria ver ele para poder tirar o chapéu. Quando eu vou dormir eu tiro para ele, para pedir minhas bençãos e fazer minhas orações".

O chapéu que Rui não abandona de jeito nenhum é feito sob medida. Ele encomenda para um alfaiate para que fique da maneira que gosta. A cada ano manda fazer cerca de uma dúzia porque o branco suja muito e precisa lavar com frequência. Caso o sonho de voltar à televisão se tornar realidade, Rui e o chapéu voltarão a ser vistos falando de sinuca na televisão.

 

Abaixo, entrevista de Rui Chapéu ao SBT News, em 2011, em Santa Catarina. Na ocasião, ele foi homenageado durante um torneio internacional de sinuca.

Abaixo, confrontos entre Rui Chapéu e o inglês Tony Meo no Show do Esporte, da Band, partidas realizadas no Hotel Transamérica, em São Paulo. Narração de Juarez Soares, cometários de Fúlvio Galasso e Luciano do Valle

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