João Saldanha

Ex-cronista esportivo e técnico de futebol
João Alves Jobim Saldanha, ou simplesmente João Saldanha, gaúcho de Alegrete, onde nasceu em 03 de julho de 1917, morreu em Roma, quatro dias após o encerramento da Copa da Itália, em 12 de julho de 1990, vítima de enfisema pulmonar. Ele estava na capital italiana na função de comentarista da extinta TV Manchete.
 
Jornalista dos mais talentosos, também foi treinador de futebol. CLIQUE AQUI e veja matéria publicada no UOL em 03 de julho de 2018 pelo jornalista Daniel Castro, sobre o estado de saúde de João Saldanha na Copa de 90.
 
Misturando ficção e realidade, o jornalista Gustavo Grohmann apresenta uma crônica que conta um pouco da trajetória de João Saldanha, um marco no jornalismo nacional.

JOÃO SEM MEDO
 
João Alves Jobim Saldanha foi um dos melhores jornalistas que o Brasil já produziu. Audacioso, crítico, astuto, João foi um marco no jornalismo brasileiro, principalmente com suas fantásticas histórias. Se verdade ou não, era apenas um detalhe.

Certo dia, no ano de 1976, estava na redação do Jornal do Brasil. Na época, apenas um foca, seguia de pertinho os passos do botafoguense fanático Roberto Porto. João Máximo, então editor do JB, me chamou em sua sala e pediu pra que entregasse a Roberto Porto uma pauta sobre o Botafogo. Porto deveria fazer uma espécie de funéreo da sede do Botafogo, de General Severiano, vendida à Vale do Rio Doce. Lembro-me que o título da matéria era "Botafogo vende sua história a metro quadrado". Roberto Porto me confidenciou que acha, até hoje, um dos melhores títulos já pensados por ele.

Porto investigou, pegou informações aqui e ali, ligou para o pessoal do Botafogo, e mergulhou em seu texto. Lá pelas tantas, João Saldanha chegou ao lado de Porto e com a curiosidade que lhe era peculiar, soltou: "O que é que você está escrevendo tão absorvido"". Eu, menino novo, resolvi poupar Porto da resposta e expliquei toda a pauta, tim-tim por tim-tim. Foi então que Saldanha, fazendo um gesto espalhafatoso com as mãos, interrompeu as dedilhadas de Roberto Porto e, olhando em nossos olhos, falou: "Pois vou lhes contar uma coisa que vocês não sabem. Em 1912, quando o Botafogo recebeu o terreno por aforamento do Ministério da Saúde, um português que consertava carruagens e tílburis, tinha um barraco no meio do terreno, e de lá, não queria sair. Eu então, chamei uma rapaziada (nisso, virou-se para Sandro Moreyra, também jornalista do JB, como para confirmar a história), inclusive o Sandro, e à noite fomos lá e tacamos fogo no barraco. Só assim, o português deu no pé".

Após o relato, João se despediu e saiu. Eu e Roberto Porto nos entreolhamos, com uma única indagação, mas que não se fazia necessária: "Será que é verdade, ou é mais uma história de Saldanha"". Foi então que Sandro Moreyra, curioso sobre o assunto chegou perto e perguntou: "O que é que João contou a vocês e me fez confirmar"". Explicamos toda a situação e Sandro respondeu para Roberto Porto: "É melhor você não colocar isso aí. O João nasceu em 1917, e eu, em 1919. Ele disse que isso aconteceu em 1912, portanto...".

Depois da confissão de Sandro, Roberto Porto, logicamente, não escreveu nada sobre isso. E mais uma das fantásticas histórias de João Saldanha, passaria em branco... pelo menos, até agora.

Esse era João Saldanha. Jornalista, crítico de arte, gastrônomo, crítico de cinema, enólogo, técnico de futebol... sobretudo, um excelente contador de histórias. Pra falar a verdade, não era necessária tanta criatividade. Sua vida era uma verdadeira história, mesclando ficção e realidade, causando sempre uma polêmica. E tudo começou muito cedo, logo com seu nascimento.

O INÍCIO

João "decidiu" nascer em 3 de julho de 1917, em Alegrete, Rio Grande do Sul. Na verdade, seu primeiro registro de nascimento é uruguaio, na cidade de Taquarembo. Na época, o casal de maragatos federalistas Gaspar Saldanha e Jenny Jobim Saldanha, estavam exilados no Uruguai e registraram seu terceiro filho em terras estrangeiras. Ao completar 18 anos, João fez um novo registro de nascimento, tornando-se brasileiro e gaúcho por opção. Isso tudo graças à disputa entre os maragatos federalistas e os chimangos republicanos na Guerra Civil do Rio Grande do Sul.

Por fazer parte de uma família de maragatos, que lutavam contra os chimangos, e contra Antônio Augusto Borges de Medeiros, presidente do Rio Grande do Sul no início do século passado, João é personagem da história brasileira desde criança. Em uma passagem do livro João Saldanha, do jornalista João Máximo, isso fica claro:
"Toda a família Saldanha estava envolvida, de uma forma ou de outra, na beligerância entre chimangos e maragatos. João tinha apenas seis anos quando, com os irmãos mais velhos Maria e Aristides, andou trazendo armas e munições para os revoltosos, escondendo-as sob a roupa aparentemente inocente de criança. Os irmãos mais novos, Ione e Elza, ainda eram muito pequenos para se entregarem as mesmas estripulias, mas ainda assim, não ficavam totalmente imunes aos efeitos da guerra".

FALANDO EM GUERRAS, ARMAS E TERRAS ESTRANGEIRAS

Em 1982 fui para a Espanha cobrir a Copa do Mundo. Todos os jornalistas brasileiros estavam muito animados com aquele Mundial. Comandados por Telê Santana, os jogadores formavam a melhor seleção canarinho pós-70. Com um meio campo formado por Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, seria muito difícil não levar o caneco. Não fosse o italiano Paolo Rossi, com três gols, despachando a seleção brasileira antes da final. Por todo o brilho apresentado pelos comandados de Telê Santana, mesmo não chegando à final, aquela seleção foi tachada de campeã moral. Lembro-me bem que Saldanha não gostou nada dessa história e gravou um forte comentário para a Rádio Tupi: "Perdemos, paciência. Campeão moral" Pra mim não me serve. Campeões da burrice. É...campeões da burrice tática. Esse título me parece mais apropriado. Era o que eu tinha a dizer". Mas isso é uma outra história.

Naquele mesmo 5 de julho, após a derrota do Brasil, um grupo de jornalistas foi almoçar em um bar, bem perto da Sagrada Família, famosa catedral de Barcelona. João Saldanha estava ocupado gravando comentários para a Rádio Tupi. Pra descontrair um pouco e tirar da cabeça o baile que tomamos da Itália, começaram as histórias de outras coberturas da seleção brasileira. Como a palavra história anda lado a lado com João Saldanha, o gaúcho de Alegrete era o principal assunto. Era minha primeira cobertura in loco de Copa do Mundo. Limitei-me a ficar em silêncio e ouvir. Roberto Porto então, começou a falar. Lembro-me como se fosse hoje:

"Em 1978, estava cobrindo uma excursão da seleção brasileira de Cláudio Coutinho à Londres. Vou saindo do hotel, cheio de papéis nas mãos e João me barra: "Aonde você vai"". Respondo então que vou ao telex, em Temple Station, às margens do velho Tâmisa, despachar o material. João diz que sou burro, pois há um telex próximo ao hotel, ali mesmo próximo ao Hyde Park. Não acredito, mas ele força a barra: "Vem comigo", ele disse. Andamos mais de 40 minutos e eu já estava suando apesar do frio de sete graus. De repente chegamos a uma pracinha residencial, onde jamais poderia haver uma simples padaria. Ele olha, observa e descobre os restos de uma demolição. E diz convicto: "Era ali, o telex. Mas uma bomba V2 dos nazistas o destruiu... você vai ter mesmo de ir a Temple Station". Fiquei muito irritado e tomei um dinheiro dele para o táxi".

PRAIAS, JORNALISMO E A ESTRELA SOLITÁRIA

A família de João, cansada da guerra, resolveu mudar-se de Alegrete. Após percorrerem várias cidades do interior do Paraná, decidiram ficar em Curitiba. Ali, João completaria o primário na mesma escola de um garoto que ainda seria importantíssimo personagem na história nacional como presidente da República: Jânio Quadros.

Em 1931, após terem voltado ao Rio Grande do Sul, se aliado a Getúlio Vargas e ganhado do mesmo um cartório no Rio de Janeiro, os Saldanhas mudaram-se para a Cidade Maravilhosa.

João Saldanha, no auge de seus 14 anos, apaixonou-se pelo Rio de Janeiro. Pelas praias, pelos bondinhos, pelo Pão de Açúcar e pelo Botafogo, clube da estrela solitária, que acabara de ser campeão carioca. Ali, surgia o gaúcho-uruguaio mais carioca de todos. Em outro trecho do livro de João Máximo, Rubem Braga, amigo de João Saldanha, definiu bem seu comportamento, relacionando-o com seus estados: "Um cara que não perdeu aquele topete gaúcho e incorporou muito da malícia carioca".

De posição política sempre bem definida, João Saldanha era esquerdista de corpo e alma. Fazia parte do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e sempre estava disposto a lutar, contra ou a favor do governo.
Em 1947 resolveu estudar História na França. Em uma de suas aulas na faculdade de Paris, João conheceu o jornalista italiano Sandrino Saverio. Seu pai, Aldo Saverio, estava montando uma agência de notícias. Após saber que Saldanha já conhecia vários lugares do mundo, Sandrino convidou-o a participar da agência. Foi o primeiro contato de João com o jornalismo: amor à primeira vista.

Doze anos depois, cansado de trabalhar no cartório do pai, João ingressou definitivamente no jornalismo. Ruth Viotti, esposa de Saldanha na época, conseguiu para o marido uma vaga de comentarista, com um simples telefonema para seu irmão. Graças a Rui Viotti, a Rádio Nacional ganhou um excepcional profissional. Nova linguagem, novo caráter, novas expressões. Frases prontas como "se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão", ou então "se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado", fizeram de João Saldanha um verdadeiro marco no jornalismo nacional. "Foi um cara importantíssimo para o jornalismo, como colunista e como comentarista. Como colunista, foi muito bom, muito agradável de ler. Não tinha um texto tão burilado como o de um Armando Nogueira, por exemplo. Ele escrevia como falava, e isso lhe dava uma capacidade de comunicação muito grande", afirma Paulo César Vasconcelos.

UMA PAIXÃO

O futebol sempre esteve presente na vida de João Saldanha. Desde a época que os 11 jogadores do Guarani de Alegrete passavam na porta da casa do menininho de seis anos, que carregava armas para ajudar os maragatos revoltados, passando pelo garoto de 14 anos, que se deslumbrou pelo futebol das praias da Cidade Maravilhosa, e findando sua breve carreira como jogador em 1941, quando se chocou com Perácio (ex-Flamengo), fraturando a perna. Depois disso, viajou, foi para a Europa, voltou à praia, trabalhou no cartório do pai...

No fim da década de 70, a seleção brasileira deixava muito a desejar. Bicampeã mundial (1958/62), não repetiu as boas atuações das copas anteriores na Inglaterra, em 1966, sendo eliminada pela seleção portuguesa do craque Eusébio. O povo criticava demasiadamente a seleção nacional, que vinha obtendo maus resultados em campeonatos e amistosos. Saldanha, já como jornalista, era um deles, mas fazia críticas objetivas, ponderadas e construtivas àquele time. Foi então que os diretores da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) tentaram uma última cartada, convidando o então jornalista, crítico e audacioso, João Saldanha para comandar a seleção. O pensamento da CBD era simples: Que jornalista vai criticar um colega de trabalho"

João Saldanha aceitou. Já tinha uma experiência vitoriosa, dirigindo o Botafogo no fim da década de 50. Logo em sua primeira entrevista coletiva apresentou os 11 jogadores titulares e os 11 reservas. Eram as Feras de Saldanha. De 4 de fevereiro de 1969 a 17 março de 1970, João Saldanha dirigiu a seleção brasileira de futebol. Teve mais erros do que acertos. Apesar do time caminhar bem nas eliminatórias e se classificar para a Copa de 70, no México, João se perdeu no meio do caminho. Em seu temperamento e, principalmente, em seu desequilíbrio. O jornalista Paulo César Vasconcelos acredita que isso foi ponto preponderante para a queda de Saldanha: "Ele saiu porque o processo de desgaste com os jogadores estava muito acentuado, e conseqüentemente, com a comissão técnica. Ele disse que o Pelé não poderia jogar a Copa porque estava cego. Ele tentou invadir o Retiro dos Padres pra dar um tiro no Yustrich (técnico do Flamengo). O fator determinante para a sua saída foi seu desequilíbrio".

Era o fim de João Saldanha como técnico de futebol.

UM HOMEM

Apesar de todas as brigas, de todas as histórias, de todos as verdades, de todos os ataques, de sua personalidade extremamente forte e, muitas vezes, incômoda, João Saldanha foi um homem admirado por muitos, mesmo até por seus inimigos. Sua história é tão rica que eu, com meus 25 anos, lamento não ter nascido antes e convivido com um homem tão digno. Falta João Saldanha nos dias de hoje. Falta João Saldanha no futebol. Falta João Saldanha no jornalismo. Falta João Saldanha na sociedade. Um marco não só na imprensa, mas na vida. Morreu em 12 de julho de 1990, na Itália, após a ridícula participação da seleção brasileira naquele Mundial. E tem gente que não sabe quem foi João Saldanha! Ou então pensa que foi um bêbado, um mitômano... O brasileiro é muito duro com esses personagens históricos; muito cruel. Como diria Nélson Rodrigues: "brasileiro vaia até minuto de silêncio. Coitado do morto".

Parafraseando Paulo César Vasconcelos, vou dizer que o nosso elenco é muito ruim. Se fizéssemos figuração numa cena da Santa Ceia, roubaríamos o pão e venderíamos a mesa.
 
Abaixo, entrevista de João Saldanha no progama "Roda Viva", da TV Cultura-SP., exibido em 24 de maio de 1987. Saldanha fala sobre futebol, seleção brasileira, Pelé e política, e chama o ex-presidente Médici de maior assassino da história do Brasil

Assista João Saldanha falando sobre jogadores que usam cabelos cumpridos

A MARAVILHOSA SELEÇÃO DE JOÃO SALDANHA
Abaixo, numa cortesia do jornalista Roberto Porto, que cedeu está fantástica foto de um time de João Saldanha, precisamente de um jogo do Brasil pelas eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo de 1970, diante da Venezuela, no estádio do Maracanã.
Clique no rosto de cada jogador, veja fotos e leia as histórias maravilhosas destes atletas que marcaram época na história do futebol brasileiro.
 
Crédito foto: Blog do Jornalista Roberto Porto
BRASIL 6x0 VENEZUELA
Data : 24/08/1969
Competição : Eliminatórias da Copa do Mundo
Local: Estádio do Maracanã
Cidade : Rio de Janeiro (Brasil)
Árbitro : O. Ortube (Bolivia)
Brasil:
(entre colchetes o time a que o jogador pertence)
Félix [Fluminense]
Lula [Corinthians]
Carlos Alberto Torres [Santos]
Djalma Dias [Santos]
Joel Camargo [Santos]
Brito [Vasco]
Rildo [Santos]
Piazza [Cruzeiro]
Gérson I [São Paulo]
Jairzinho [Botafogo]
Tostão [Cruzeiro]
Pelé [Santos]
Edu [Santos]
Técnico : João Saldanha
Venezuela:
Fasano, Davi, Freddy, Sanchez (Sarsalejo), Chicho - Laranjo, Useche - Nitti, Antonio, Garcia (Mendoza), Iriarte
Técnico: Gregorio "Pescaíto" Gomez
Gols:
Tostão (3), Pelé (2), Jairzinho
Ainda sobre João Saldanha o site Terceiro Tempo recebeu do internauta Luiz Freitas Miranda (mirandaluizf@hotmail.com), no dia 02 de outubro de 2008, o seguinte e-mail:

"Milton, já ouvi muitas histórias sobre o João Saldanha, mais esta que vou contar poucos sabem e já pertence a história do nosso Futebol no tempo em que tinhamos um REI.
Leia e comente.
Meu nome é Luiz Freitas Miranda, sou técnico em eletrônica aposentado e a historia que vou contar, passou-se em 1972 e me foi contada por um Coronel , que trabalhou depois que foi para a reserva, nos Orgãos de Segurança daquela época.
Refere-se ao motivo da exoneração do senhor João Saldanha da seleção em 1970. Este Coronel do qual não me recordo o sobrenome pois me dirigia sempre a ele como "Coronel" já é falecido.
Sempre reparava os televisores da sua filha que morava em Salvador e lá o conheci. Como éramos "revolucionários de 1964" comungávamos na mesma missa. Ele vinha todos os anos no inverno a Salvador, fugindo do frio gaucho que piorava em muito as suas artroses...Em junho de 1972, ele trouxe-me de presente um pote de chimarão e ficamos durante uma tarde tomando o chá e conversando. Então ele me disse por que o João foi exonerado: "Médici, gostava do trabalho do João, embora ele fosse comunista. Deu uma ordem, proibindo quaisquer ações contra o João, perpetrada pelos orgãos de segurança sem o seu aval pessoal. Médici era um torcedor fanático e adorava ver a Seleção jogar. O Instituto Brasileiro do Café foi quem financiou a Seleção , lembra-se" O DOI-CODI prendeu um grupo de comunistas em São Paulo e como sempre fazia, colocou um secreta disfarçado de guerrilheiro, na cela ao lado, para descolar informações. Pouco tempo depois, o secreta ouviu de um dos presos quando conversavam sobre a Seleção:
"O Brasil não será Campeão, a central em Moscou já deu uma ordem para o João: O BRASIL NÃO PODERÁ SER CAMPEÃO PARA NÃO POPULARIZAR O GOVERNO MILITAR.
A noticia chegou rapidamente ao gabinete de Médici que convocou os seus auxiliares da Segurança para uma reunião urgente. Exposta a informação Médici pediu a opinião de todos:Preliminarmente todos foram unânimes em afirmar: o João era um homem de bem, um nome impoluto um caráter sem jaça.Isto eu já sei, disse Medici! Quero saber se ele vai cumprir a ordem!
No mérito as opiniões se dividiram; metade achava que por ser um patriota jamais cumpriria a ordem, outros acreditavam que por ser um comunista convicto, teria que, mesmo a contra-gosto, cumprir a ordem superior do Partido. Se não, a setença era a morte . Um dos integrantes do grupo se manifestou: Presidente, imagine que ganhamos a Copa, eles sequestram e matam o João e dizem que fomos nós, porque não queríamos homenagear um comunista: se perdermos eles o matam e dizem que fomos nós como vingança, porque ele perdeu! Não temos saída, disse Médici, temos que agir logo, inclusive em benefício dele mesmo, tirando-o do comando eles não terão motivos para agir". O João saiu e deve ter dado "Graças a Deus" O Governo deixou que acreditassem no boato que o motivo foi a não convocação de Dario pelo João! Assim o João se foi, entrou Zagalo que não mudou nada, e o Brasil sagrou-se brilhantemente CAMPEÃO!
Na volta da Seleção o João foi homenageado como campeão e o Governo não se manifestou em contrário.
Médici e João já se foram deste mundo, ambos vítimas do mesmo mal, o fumo, a honra e a dignidade eram também seus pontos comuns.Isto foi um fato de uma época em que os brasileiros tinham, Presidente, futebol e alegria. Hoje não temos mais nada disso, apenas um Presidente que chama um jogador de "gordo" e é chamado por este de "cachaceiro". Viva a "Democracia"...
Atenciosamente,
Luiz F. Miranda"
Leia abaixo o e-mail que recebemos no dia 24 de maio de 2006, sobre o lançamento do livro Vida que segue " João Saldanha e as copas de 66 e 70, que reúne as melhores crônicas de Saldanha durante as copas de 1966, na Inglaterra, e de 1970, no México.

"Antes de mais nada, quero dizer que a vitória extraordinária do Brasil foi a vitória do futebol. Do futebol que o Brasil joga, sem copiar de ninguém, fazendo da arte de seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo futebolístico o seu padrão, que não precisa seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, a sua filosofia, e jamais deverá sair dela." (João Saldanha, 1970)
Apaixonado por futebol, João Saldanha sempre foi um homem polêmico e espirituoso. Jornalista por formação, foi jogador e treinador de futebol, dirigente e comentarista esportivo e militante do Partido Comunista Brasileiro, protagonizando um dos casos mais controvertidos da história da seleção brasileira: sua demissão do cargo de técnico do time que seria tricampeão no México, em 1970. Sobrinho de Saldanha, o pesquisador Raul Milliet passou meses pesquisando os arquivos da Biblioteca Nacional e reuniu suas melhores crônicas publicadas no jornal "O Globo" e "Última Hora" durante as copas de 1966 e 1970. O resultado é o livro Vida que segue " João Saldanha e as copas de 66 e 70, que sai pela Nova Fronteira e chega às livrarias no dia 26 de maio.
Além das crônicas, o volume também traz prefácios de Oscar Niemeyer, Sérgio Cabral e Tostão; um perfil biográfico de João; depoimentos inéditos incluindo casos já folclóricos, como as brigas com o jornalista Armando Nogueira e o goleiro Manga; informações sobre todos os jogos do Brasil nas duas Copas do Mundo, incluindo amistosos e eliminatórias. No depoimento "Por que saí", pela primeira vez Saldanha fala claramente que foi afastado da seleção por razões políticas, já que não interessava ao Governo Médici ter um técnico campeão que também era comunista. Apesar de ter sido ele quem escalou o time que tinha Pelé, Tostão e Rivelino, entre outros craques, foi Zagallo quem acabou erguendo a taça como treinador do "escrete canarinho". Dois cadernos de fotografias, com 32 páginas, reúnem as melhores imagens da trajetória de João e dos jogos do Brasil nas Copas.
Nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, João Alves Jobim Saldanha mudou-se para o Rio de Janeiro quando tinha 14 anos. Seu apelido era João Sem Medo e jogou futebol profissionalmente por poucos anos, no Botafogo. Tornou-se diretor do clube em 1944 e técnico depois da saída de Geninho, nos anos de 1957 e 1958. Antes, viveu clandestino no eixo Rio-São Paulo-Paraná, como dirigente do PCB. Em 1956, de volta ao Rio, convenceu o então presidente do Botafogo, Paulo Azeredo, a comprar Didi, do Fluminense. A campanha de 1957 foi gloriosa, e o time, que não era campeão desde 1948, ganhou o título com uma goleada de 6 a 2 contra o Fluminense.
Foi com Mané Garrincha, craque do Botafogo e da seleção, que Saldanha conheceu as maiores alegrias que o futebol-arte pode proporcionar. Um bom exemplo foi a partida entre Botafogo e River Plate no Estádio Universitário do México. Cem mil pessoas assistiram a um dos maiores espetáculos de Garrincha, e foi neste dia que surgiu a gíria "Olé", tão comum nos dias de hoje. Os torcedores mexicanos, empolgados, não paravam de gritar.
Em 1960, Saldanha iniciou sua carreira no jornalismo esportivo, trazendo sua longa experiência no Botafogo " e também nos jornais comunistas dos quais participara como repórter, correspondente e editor. Morreu em Roma, em 1990, para onde tinha ido por causa do futebol: estava na capital italiana para cobrir a Copa do Mundo para a extinta TV Manchete.
"Em 1968, quando a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, os intelectuais comunistas não gostaram, mas queriam uma explicação. Discutiam o tema nas mesas do Degrau, cada qual encontrando as razões mais complicadas expostas com aquela linguagem sofisticada dos conhecedores do materialismo dialético, quando chegou João Saldanha, que foi imediatamente abordado: " O que levou a URSS a fazer uma coisa dessas, João" " perguntou um dos intelectuais. João não pensou muito: " Depois da segunda guerra mundial, a Europa Central é a zona do agrião. Quando a bola divide por ali, a União Soviética entra de sola. E os intelectuais comunistas (pelo menos, aparentemente) ficaram satisfeitos com a explicação."
"Numa palestra para estudantes universitários, uma aluna quis saber dele o que achava do futebol feminino. Pensou muito, indicando que se tratava de uma questão embaraçosa pelo menos para ele Mas resolveu responder: "Sou contra." As moças manifestaram surpresa e decepção. João Saldanha, um cara sem preconceitos, como poderia ser contrário ao futebol feminino" Mas ele explicou: "O sujeito tem um filho, que leva a namorada para conhecê-lo. O pai faz a pergunta clássica: "Você trabalha ou estuda"" "Trabalho", ela responde. "Em quê"", quer saber o velho. "Sou zagueira do Bangu." Conclui Saldanha: "Pega mal, vocês não acham""
(trechos do prefácio de Sérgio Cabral, no livro "Vida que segue " João Saldanha e as copas de 66 e 70")

SOBRE O AUTOR:

RAUL MILLIET FILHO é historiador, com mestrado em História Política pela UERJ e doutorado pela USP. Como professor sempre focou a linha de pesquisa sobre a história do futebol e cultura popular. Em 1987 idealizou e coordenou o RECRIANÇA - maior projeto de democratização esportivo e social para crianças e adolescentes, junto a mais de 500 prefeituras do Rio de Janeiro.
Ainda sobre João Saldanha, Milton Neves conta ...

E não é que o técnico João Saldanha resolveu dar uma incerta nos quartos da concentração dos jogadores alojados dois a dois" Lá pelas 3h da manhã, o desconfiado "João Sem Medo", pé ante pé, foi abrindo as portas das suítes compostas por duas camas de solteiro. Abriu uns oito ou nove quartos e estava tudo normal com os meninos dormindo profundamente, cada um em seu canto, ninguém ausente. Embora satisfeito, mas João resolveu verificar mais um e... surpresa! Acendeu a luz e em uma cama só, ele viu o atacante e o pivô que estavam juntinhos, juntinhos, debaixo do lençol. Com os olhos esbugalhados e assustadíssimo, o pivô foi logo gritando: "Sabe o que é, Seo João, não é o que o senhor está pensando, não. É que o fulano aqui (apontando para o colega) morre de medo de coruja e pulou para a minha cama. E tem uma coruja ali no galho da árvore, ali, ó, atrás da vidraça. Olha lá, Seo João, é ela, olha lá, é ela, a coruja... Ô, coruja, coruuujaaaaaa... pia aí, vai, pia e diga para o professor que é verdade, pia, coruja, pia, vaaaaaiiiiii... ". No outro dia foi 4 a 0 para o time do saudoso jornalista e técnico gaúcho com três gols do mesmo atacante, dois passes do próprio pivô e com direito a uma inusitada instrução de João Saldanha bem baixinho ao pé do ouvido do artilheiro-coruja ao fim do jogo: "Continue piando, meu filho, continue piando, porque assim nós vamos longe..."

 

 

 

Em 27 de junho de 2017, às vésperas do centenário de João Saldanha, o jornalista Alvaro Costa e Silva publicou na Folha de S.Paulo a seguinte coluna:

João Saldanha era o anti-Nelson Rodrigues

Por Alvaro Costa e Silva

 

RIO DE JANEIRO - João Saldanha, cujo centenário de nascimento comemora-se em 3 de julho, garantia —e ai de quem duvidasse dele!— que comeu poeira chinesa atrás de Mao Tsé-tung na Grande Marcha e no Dia D desembarcou na Normandia com o general Montgomery.

 

Saldanha também esteve, de 1950 a 1990, em todas as Copas do Mundo, como analista de futebol e torcedor. Contava que só perdeu a primeira, em 1930, no Uruguai, porque preferiu prestigiar uma corrida de cavalos em cancha reta, "a mais importante e célebre das fronteiras", realizada perto do seu Alegrete (RS) natal. Também viu, em 1933, a grande vitória de Mossoró no primeiro Grande Prêmio Brasil de Turfe.

 

Segundo Rubem Braga, era "um cara que não perdeu o topete gaúcho e incorporou muito da malícia carioca". Famoso no Brasil inteiro, costumava ser parado na rua. Menos no Rio. Aqui, era reconhecido, mas o sujeito fingia que não dava bola e esperava certa distância para gritar pelas suas costas: "O Botafogo não é de nada!".

 

Dos múltiplos Joões —líder estudantil, dono de cartório, brigão, mitômano, comunista de carteirinha, jogador de basquete, ator de cinema, candidato a vice-prefeito, comentarista de rádio e televisão, cartola que levou Didi para General Severiano, selecionador das "feras" no Mundial do México, o Sem-Medo— destaca-se o cronista esportivo. Batucando nas pretinhas, foi, por excelência, o anti-Nelson Rodrigues. Ao hiperbólico e homérico de Nelson, Saldanha contrapunha o coloquial das esquinas. Escrevia como se estivesse conversando na roda de amigos da rua Miguel Lemos, em Copacabana.

 

Dicas de leitura: o recém-lançado "As Cem Melhores Crônicas" (LivrosdeFutebol). Ou a nova edição de "Os Subterrâneos do Futebol" (Lacre). Meu exemplar autografado de "Meus Amigos" (Mitavai) emprestei e nunca mais vi de volta. Vida que segue.

 

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