Arthur Carvalho e Napoleão de Almeida
Do UOL, em São Paulo
No gol, Jairo era uma muralha. Não à toa as torcidas de Corinthians e Coritiba o cultuam até hoje, como recordista nacional de invencibilidade pelo time alvinegro e recordista do Coxa no mesmo item. Não só isso: Jairo estava no gol corintiano na decisão do Paulistão de 1977, que tirou a equipe de uma fila de 22 anos sem taças. E era um dos goleiros do Coritiba campeão brasileiro de 1985. A galeria de taças se estende ao Fluminense, campeão do Robertão em 1970 e com nove títulos estaduais em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.
Aos 72 anos, Jairo agora encara um adversário duro. E para a batalha, pede a ajuda dos torcedores que o empurraram e vibraram com suas defesas ao longo dos anos. "De uns tempos pra cá, a gente percebeu que ele estava com um emagrecimento muito grande. E a minha mãe é voluntária no Erasto e tá acostumada a ver esses sintomas. E levamos para fazer uma bateria de exames", disse o filho Jairo da Silva Nascimento, jornalista em Curitiba: "É um câncer de rim. Foi descoberto, é um câncer raro. Não se sabe a causa, se é genética ou a forma que ele trabalhava, com sucessivas quedas durante os jogos, pode ter fomentado".
Jairo está internado e precisa de um tratamento específico. "O médico orientou a gente que ele não poderia passar por um tratamento comum. Só com um remédio chamado Votrient, que não é fornecido pelo SUS. É o mais indicado pra ele. Era preciso fazer um tratamento, porque quanto mais efetivo o tratamento, mais tóxico é. Esse remédio ajuda como uma bomba imunológica. Ele está muito debilitado", conta o filho. Cada comprimido custa R$ 300 e o tempo mínimo de tratamento é um ano. "Por isso fazemos uma campanha para levantar uns 90 mil".
Futebol não deixou fortuna
O "Pantera", apelido que recebeu durante a carreira, acumulou taças, mas não dinheiro. O futebol não rendia tanto em meados dos anos 80 como rende hoje. "É uma pessoa de classe média, como tantas outras. Se ele tivesse jogado até no máximo 10 anos atrás, ao invés de uma campanha de arrecadação, estaríamos fazendo uma de doação, por que naquela época não havia os altos salários", comentou Jairo filho, que contou uma história pitoresca dos tempos de Náutico: "Um dos melhores contratos que ele fez foi com o Náutico. Um dos itens era que ele tinha direito a ir uma vez por semana no açougue pegar carne. Pra você ver como eram os rendimentos".
Jairo não tem plano de saúde. A família tenta ainda que a rede pública possa cobrir o tratamento por via judicial, mas isso leva tempo. "Todo o dinheiro que eventualmente não for utilizado será doado para o Erasto Gaertner (hospital de Curitiba que trata doentes de câncer), caso o Estado brasileiro passe a cobrir o tratamento".
Para doar, a família disponibilizou um site de "crowdfunding" e também uma conta corrente na Caixa Econômica Federal - disponível abaixo:
AG. 0581 - Operação 013 - Conta: 00004157-4
Recorde e atrito com Vicente Matheus no Corinthians
Jairo chegou ao Corinthians em 1976, em uma troca envolvendo o centroavante Adilson. No ano seguinte, na campanha que quebraria o jejum, revezou na posição com Tobias e jogou a segunda final daquele Paulistão - derrota por 2 a 1 para a Ponte Preta, que forçou a finalíssima. Pouco depois, Jairo seria titular na campanha do título paulista de 1979, também sobre a Ponte, antes de sair para o Náutico.
Além dos títulos, Jairo teve uma marca histórica no Corinthians. Ficou quase quatro meses sem tomar gol durante 1978, estabelecendo recorde de 1.132 minutos em campo sem ser vazado - ainda hoje, a melhor marca do futebol brasileiro. No mesmo ano, era o nome do goleiro que iniciava a escalação do time quase inteiramente negro no Parque São Jorge: Jairo; Zé Maria, Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava, Basílio e Biro-Biro; Piter, Geraldão e Romeu.
Houve ainda um episódio de atrito público com o então presidente Vicente Matheus. Jairo foi apontado pelo cartola como culpado por uma derrota no Brasileirão de 1980; no jogo seguinte, em clima de protesto, os companheiros atravessaram o campo e comemoraram com o goleiro todos os gols marcados nos 5 a 0 sobre o Grêmio. Mesmo com o apoio do elenco, o goleiro nunca foi unanimidade e por isso deixou o Corinthians em 1980.
Glórias no Coxa e primeiro recorde de invencibilidade
Campeão brasileiro em 1985 na suplência de Rafael Cammarota, Jairo também ganhou o Torneio do Povo de 1973 pelo clube, um título que reunia equipes das maiores torcidas da época nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Paraná. Jairo participou ainda de cinco dos seis títulos consecutivos do Coxa entre 1972 e 76 no Paranaense.
Em 1972, o goleiro ficou 905 minutos sem levar gols pelo Coxa, recorde nacional da época, quebrado por ele próprio com a camisa do Corinthians em 1978.
Foto: Reprodução
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No dia 07 de fevereiro de 2019, um dia após a morte de Jairo, o repórter Diego Salgado, do UOL, publicou matéria comprovando a importância do ex-goleiro Jairo para a criação da Democracia Corinthiana.
Confira a íntegra da reportagem a seguir:
APOIO A GOLEIRO JAIRO APÓS CRÍTICAS AJUDOU A CRIAR DEMOCRACIA CORINTHIANA
Por Diego Salgado, Do UOL, em São Paulo
A Democracia Corinthiana surgiu em 1982 e ganhou força na temporada seguinte para marcar a história do futebol brasileiro. Dois anos antes de eclodir, porém, o movimento político de jogadores do Corinthians apresentou os primeiros indícios, ainda de forma tímida. Na ocasião, o personagem central foi o goleiro Jairo, que morreu na última terça-feira (6), aos 72 anos, após lutar contra um câncer no rim.
O episódio, que se tornou uma espécie de prólogo da Democracia Corinthiana, ocorreu em maio de 1980, depois de uma crítica pública do presidente alvinegro Vicente Matheus a Jairo. Para o dirigente, o arqueiro tinha como evitar um gol sofrido na derrota do Corinthians por 1 a 0 para o Coritiba.
Segundo o mandatário alvinegro, o jogador estava distraído no lance e, por isso, apesar da estatura, não conseguiu deter o chute de longe do adversário. A atitude de Matheus fez o elenco criar um grupo de apoio a Jairo. Sob o comando do lateral-direito Zé Maria, alguns jogadores deram declarações no dia seguinte à derrota do Corinthians no Paraná. Um deles foi Sócrates, que fez questão de eximir o goleiro de culpa.
"Chutou e marcou [o atleta do Coritiba]. Não vamos analisar o comportamento de um companheiro. Não podemos acusar Jairo de falha, porque se ele errou, nós erramos também, porque não fizemos nada lá na frente", disse à época o meio-campista, que se tornaria um dos maiores líderes da Democracia Corinthiana dali a dois anos, ao lado de Zé Maria, Casagrande e Wladimir.
O apoio do grupo corintiano a Jairo não ficou restrito apenas às declarações à imprensa. No jogo seguinte, disputado três dias depois, o Corinthians goleou o Grêmio por 5 a 0 no Morumbi. Nas celebrações dos gols, toda a equipe alvinegra se dirigiu a Jairo para abraçá-lo na área.
De acordo com Zé Maria, esse tipo de comportamento era comum anos antes de o movimento ganhar força em 1982 e explodir em 1983 com a conquista do bi paulista em meio à busca de redemocratização do Brasil.
"Era uma manifestação que a gente gostava de fazer. Quando acontecia isso, gente se juntava para dar moral para o jogador. A gente tentava fazer o possível para mudar a situação", afirmou o ex-lateral em entrevista ao UOL Esporte.
Zé Maria lembrou ainda que a mesma postura do elenco ocorreu em 1981, após falha do goleiro César. Assim como aconteceu com Jairo, ele recebeu apoio de muitos companheiros de grupo. "Era um movimento que já acontecia. A Democracia foi o ápice, com a participação de muita gente. Foi um momento inédito", contou.
Seis meses depois de ver o elenco sair em sua defesa, ainda com Matheus na presidência, Jairo foi negociado com o Náutico pela diretoria corintiana. O presidente do clube, por sua vez, deu lugar a Waldemar Pires em 1981, ano em que a Democracia começou a amadurecer ainda mais.
No Corinthians, em pouco mais de três anos, Jairo entrou em campo 190 vezes. Até hoje, o goleiro, também conhecido como Pantera Negra, sustenta o recorde de maior série sem sofrer gols no Campeonato Brasileiro - foram 1.132 minutos (11 jogos inteiros, além de dois jogos incompletos), em 1978.
"O Jairo transmitia muita tranquilidade e segurança para gente. Ele sempre nos alertava. E era um grande ser humano. Era um cara positivo, nunca pensava no lado negativo", frisou Zé Maria, que lamentou a morte do amigo.
Jairo conquistou dois títulos paulistas pelo Corinthians. Em 1977, disputou o segundo jogo da final contra a Ponte Preta. Dois anos depois, foi titular nos três duelos decisivos diante da mesma Ponte. O arqueiro, que chegou a defender a seleção brasileira em 1976, também brilhou com a camisa do Coritiba - ele é o recordista de jogos pelo clube e se sagrou campeão brasileiro em 1985.
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