Dalmo Pessoa de Almeida, 73 anos, diretor comercial do Hospital Igesp e diretor administrativo do Trasmontano, plano de saúde, gosta de caminhar. Sempre às seis da manhã, em um parque na Penha. A caminhada antecede o café da manhã e a leitura dos jornais. E sempre é interrompida. Sob a mesma justificativa. As pessoas querem saber por que o comentarista Dalmo Pessoa, o bom de bola, deixou o Mesa Redonda da TV Gazeta há quatro anos.
Ele não explica. “O bom cabrito não berra”, explica Dalmo em sua sala no Igesp. Não berra, mas fala. Na medida certa, inclusive de mágoa. Não e algo desabrido escancarado, mas está lá na explicação. “Uma vez encontrei um antigo colega do Mesa em um banco. Ele disse que eu faço muita falta. Não falei nada, mas pensei comigo: se eu faço falta por que não recebi um telefonema que fosse quando saí? Ninguém disse tchau que fosse”.
O motivo da saída, Dalmo conta, tem a ver com um jantar no Alfama dos Marinheiros, onde a equipe se reunia após o programa. “O Andrés Sanches tinha sido o convidado. Ele falou que o Corinthians venderia um milhão de camisas e seria o clube mais rico do mundo. Eu contestei porque a porcentagem do valor da venda de camisas recebido pelo clube é pequena. Mas teve um colega que se entusiasmou e, no almoço, ficou pedindo que o Andrés desse uma franquia da loja Todo Poderoso para o filho dele”.
Dalmo saiu da mesa e, quando estava voltando, recebeu o apelo de um garçom. Ele disse que os jantares se estendiam pela noite e que ninguém ganhava extra. Pediu ajuda para Dalmo interromper a reunião. “Disse que não podia fazer nada a não ser ir para casa, o que já estava nos meus planos. Fui me despedir de todos e vi que a insistência do colega com Andrés continuava. Um ou dois dias depois, um blog sensacionalista deu a notícia que Andrés estava sendo coagido por um integrante da Mesa. Acharam que fui eu”.
Pouco tempo depois, foi demitido. “O Gomes, dono do restaurante ficou dizendo que eu passei a noticia. Cara, se eu tenho a noticia eu publico. Se acho que não é noticia, não publico. E a coisa foi crescendo. Uma semana depois, eu saí.”
A saída da Rádio Bandeirantes no ano 2000 também marcou a carreira de Dalmo. O motivo da saída, ele conta, rindo com amargura. “Sabe qual foi o motivo? Tinha um diretor que me achava brega. Então, foram buscar motivos. O primeiro foi porque em 98, eu disse que não havia sido pênalti do César naquele jogo Corinthians x Portuguesa. Eu vi, foi no meu lado do campo, nem precisou de monitor. Falei do erro e fiquei marcado. O Farah, que era presidente da Federação, veio pressionar e eu encarei. O Corinthians mandou uma carta falando mal de mim e a Bandeirantes leu no ar, um absurdo. E contrataram o José Assis de Aragão para comentar arbitragem, para bater comigo”.
E tudo se complicou com uma sucessão de erros no jogo entre Barcelona x Seleção Brasileira, no ano seguinte. “Nossa cabine era ruim. Eu estava na quinta fila, com um monte de gente na minha frente. Saiu um gol do Barcelona e Dirceu narrou. O jogo recomeçou. O juiz tinha anulado impedimento e ele não viu. Nosso repórter também não viu. E eu não vi, nem enxergava o jogo direito, com tanta gente. O Galvão Bueno errou também, mas a retaguarda no Rio avisou. Nossa retaguarda, em São Paulo, só avisou cinco minutos depois. Então, levei uma geladeira e depois fui demitido.”
Dalmo é formado na escola da vida. “Só fiz o colegial, mas cobri sete Copas do Mundo e aprendi muito”. Dono de um estilo contundente e irônico, gosta de usar termos eruditos como “justiça de fancaria” e “part pris”. Fez sucesso com notas sobre a política dos clubes, algo inédito até então. Suas fontes eram chamadas de “raposas felpudas”. Ele tem muitas histórias para contar. E opiniões para expor. A seguir, algumas delas.
JOGOU COM PELÉ
Antes de Dorval Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, houve Dalmo, Raul, Tião, Edson e Tigum. Foi no final dos anos 40, na vila ferroviária de Curuça, a seis quilômetros de Bauru. “Meu pai era ferroviário e eu morava na vila. Havia dos times de futebol, o dos operários e o da molecada, que chamava são-paulinho. Eu era muito ruim e fiquei na ponta direita para buscar a bola que caía na ribanceira. Um dia, chegou um garoto e pediu para jogar. Era o Edson, que jogava muito. Depois, ele virou o Pelé. O Peirão de Castro, da TV Gazeta e o Roberto Monteiro, da Rádio Bandeirantes, foram perguntar para o Pelé e ele confirmou.”
FOGO NO PANTANAL E O CORINTHIANS DANÇOU
Em 1989, o Corinthians ia jogar a semifinal do Paulistão com o São José. Era o favorito. Foi então que Dalmo recebeu um estranho telefonema. “Era um dirigente do São José. Ele usou o termo ‘vou tocar fogo no pantanal’. Pedi para ele explicar melhor. Falou que não perderia o jogo nem f… E o José Roberto Whright veio do Rio para apitar o jogo. E ele anulou um gol legítimo do Cláudio Adão. Eu contei a história no ar, mas preservando o nome do dirigente. O Dualib me ligou para que eu depusesse no tribunal contra o São José. Eu respondi que não podia fazer nada, não tinha gravação. Aliás, se eu tivesse gravação já tinha falado o nome, não ia dar para o Dualib”.
A HONESTIDADE DE ROBERTO NUNES MORGADO
Conhecido por seu estilo escandaloso de apitar, sempre com muitos trejeitos, Morgado era um árbitro de personalidade. Morreu em decorrência da Aids. Dalmo tem uma boa lembrança dele. “Um dirigente de um grande clube foi visitar o Morgado. Levou uma mala cheia de dinheiro. Queria que ele roubasse no jogo do domingo seguinte. Morgado mostrou a casa para o dirigente. Casa muito pobre, ele vivia com o pai, bem velho. Disse que era pobre e honrado e que não aceitava dinheiro algum. Quando ele morreu, eu fiz um discurso no túmulo e contei essa história. Foi um homem de bem”.
ENVOLVIMENTO COM A ESQUERDA E COMO DALMO SALVOU UM CERTO RUI
“Eu trabalhava com um colega, o Rui, no NP e na Gazeta Esportiva. No NP eu editava e ele era repórter. Ele era de esquerda, ligado ao Lamarca. Em 1969, um editor reacionário chegou gritando que o Marighela havia sido morto. Por causa disso, o Rui precisava fechar mais cedo porque tinha coisa mais importante que futebol. Ele se revoltou e pediu demissão na hora. No dia seguinte, iria à Paulista, onde era a sede administrativa da Gazeta para assinar os papéis e depois passaria em um banco na rua Helvétia para fechar a conta.
No dia seguinte, fui trabalhar e encontrei Ramão Gomes Portão, um repórter famoso que sabia tudo da área de polícia. Ele me chamou de lado e disse que o delegado Sérgio Fleury, que era muito duro, estava chegando para prender o Rui. Então, fiquei na rua, andando de um lado para o outro para encontrar com ele antes de ele entrar na redação. Não sabia se ele vinha da Paulista ou do banco. Eu fiquei andando até ver que ele estava chegando. Dei uma trombada nele, derrubei no chão e mandei sumir porque o Fleury estava atrás dele.
Tempos depois, ele foi preso em Porto Alegre, junto com a mulher. Durante dois anos, uma vez por semana eu ia visitar o pai do Rui para ver se ele precisava de alguma coisa”.
Sabe quem é o Rui? O Rui Falcão, atual presidente do PT.
COPAS DO MUNDO E A SOBERBA
Dalmo reconhece a força do futebol brasileiro, não vê ninguém como Pelé, mas também não vê injustiças na perda de títulos que pareciam certos. “A soberba sempre derrotou o Brasil. O time de 82 teve várias chances de vencer e de empatar e perdeu para a Itália. Em 86, pegaram um goleiro nosso transando no estacionamento antes do treino. Em 78, estava 3 a 0 contra o Peru e o Brasil ficou tocando bola, sem massacrar. Depois, ficou reclamando da Argentina.
PARCERIA COM FIORI GILGLIOTTI
Fiori Gigliotti, o narrador, tinha um estilo romântico, com palavras doces para tudo. Dalmo, o comentarista, era irônico e contundente. Sempre formaram uma dupla equilibrada, mas em 90 não foi bem assim. “Em 82, o Fiori ficou muito abalado com a derrota e fez um drama daqueles, quase chorou. Então, pediu minha opinião e eu fui simples e direto. Falei que era uma seleção de bunda mole. O Fiori quase desmaiou, falou assim: Deus do Céu, Dalmo Pessoa…. Em 90, depois da eliminação para a Argentina, ele falou assim: ‘nosso treinador tem merda na cabeça’. Nem parecia o velho Fiori.
COMENTARISTAS ATUAIS
“Vejo muito número, muita informação estatística. Isso pode ajudar mas não pode ser tudo. Quando o Tite colocou o Romarinho contra o Boca, em 2012, eu não olhei número, não vi nada. Falei que podia dar certo porque ele é rápido e tem um drible curto, que era a melhor maneira de abrir a defesa dos caras. Cinco minutos depois ele fez o gol.
LEI PELÉ
Dalmo acha que a Lei Pelé é um equívoco de jornalistas de esquerda bem intencionados – “Antes, futebol era saco e bola. Então, passou a ser sustentado pela parte social, clubes como o Juventus tinham mais de 100 mil sócios. Depois, com as academias e tudo o mais, os clubes perderam sócios e passaram a ser sustentados pelo futebol. Hoje, é o empresário que manda. E os clubes estão se desfazendo de bens próprios para manter o futebol e esses caras. O Palmeiras tinha um estádio e agora é a W Torre que tem.
O pior é que usam a Lei de Incentivo ao Esporte para fazerem centros de treinamento. E, dentro do centro de treinamento, alojam jogadores que não são do clube, são do empresário. Como alguém de esquerda pode fazer uma lei que ajuda o capital?
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