Por Ivan Evangelista Jr
Era quarta-feira de Cinzas. A cidade começava a se preparar para reassumir o expediente a partir das 12 horas. Deixei o carro estacionado no jardim, aproveitando as vagas que estão bem em frente à farmácia São Bento. Dia quente, antes do almoço caiu bem um picolé de fruta.
Sentei-me em uma daquelas mesinhas, ao lado dos trailers. Na praça tem trailer que faz suco de guaraná natural, tem outro que serve salgadinhos, com destaque para o charutinho de carne moída com ovo picado e bastante cheiro-verde, tem a banca de jornal e ainda tem garapa geladinha.
Esse ponto da Rua Nove de Julho foi batizado de Asilo Santa Rosa, pelo colega Rubens Coca Ramos, também faz parte da Comissão de Registros Históricos. É uma brincadeira que ele faz com os amigos, todos na faixa etária da melhor idade, frequentadores assíduos do local, aproveitando a sombra boa, mais a cervejinha gelada.
Feita a localização geográfica, retorno ao causo ocorrido. Foi ali que um senhor moreno , desceu de um veículo e se aproximou da mesa perguntando: - “É aqui que eu encontro o Cocó?” O Gonzaga sapateiro deu atenção ao cidadão e respondeu que o requisitado estava impossibilitado de bater ponto na roda há algum tempo, em razão de um tratamento de saúde.
- “Mas ele está bem?”, insistiu o estranho.
- “Sim, não é nada muito sério. Até ontem mesmo estava com a gente por aqui, é só uma questão de tempo e ele volta.”
Eu, ali, de banda, mas de ouvido comprido na conversa alheia e as antenas ligadas. Alguma coisa me dizia que deste mato ia sair coelho, e dos graúdos.
A conversa continua: - “Eu preciso falar com o Cocó, sou ex-jogador do São Bento, estou passando o Carnaval em Marília e quero agradecer a ele por tudo que fez por mim.”
Na roda, um japonês, muito falante, encarou o sujeito e perguntou: - “Você é o Amauri?”
- “Isto mesmo. Depois de muitos anos morando em Santos eu aproveitei o feriado para vir dar um abraço de gratidão no Cocó.”
Confesso aos amigos que em matéria de futebol eu sou semianalfabeto. Sabia que era receita de bom caldo, mas não fechava as pontas na conversa.
Trocadas algumas palavras, deram a ele o rumo da casa do personagem solicitado, apontando lá pelas bandas da Praça Athos Fragata, nas imediações de um supermercado que já foi da família Moura.
Imaginei que o visitante teria dificuldades para chegar lá, pois o trânsito na região tinha acabado de passar por mudanças. Era a desculpa que eu precisava para meter a colher em cuia alheia, tudo por uma boa história.
- “Deixa que eu levo vocês até lá”, me intrometi na conversa e já solicitei que me acompanhassem.
Seguindo o rumo das informações, chegamos na Rua Paulino da Silva Lavandeira, quase esquina com a Rua Comendador Abel Augusto Fragata. Perguntamos a um grupo que estava por perto e a resposta foi objetiva. - “É a casa da frente, é só bater e chamar o Cocó”.
Nesta altura dos fatos, o Amauri da Silva já não cabia nas próprias emoções, parecia criança, se pendurou no grande portão e chamou insistente pelo amigo.
Ele estava acompanhado da filha, que fez o comentário: - “Ele está eufórico assim desde que saímos de Santos, se não viéssemos aqui hoje seria uma grande decepção.”
O portão se abre o reencontro acontece. Ele abraça o velho amigo e quase desaba em lágrimas. Segura o quanto pode, passa a mão sobre os olhos, tenta disfarçar, não consegue.
- “Você está lembrado de mim?”, perguntou.
Ao seu lado estava nada mais, nada menos do que Antonio Pupo Gimenez, o Cocó, treinador de futebol muito conhecido dos marilienses e dos brasileiros. Amauri sacou do bolso uma folha de papel com anotações dos times em que atuou e disse que veio até Marília, primeiro, para agradecer ao treinador pelo incentivo que dele obteve quando mais precisou, ao começar a carreira no São Bento. Segundo, para prestar contas e dizer que havia dado tudo certo e era questão de orgulho prestar esta homenagem.
De Marília, em 1961, partiu para o Guarani, depois jogou o Campeonato Sul Americano pela CBF, passou pelo Flamengo e por outros times: Futebol Club Porto/Portugal, Santos Futebol Clube, XV de Piracicaba, Bangu e América/RJ, Barons de Ferplex/Washington-DC-USA, Atlas/Guadalajara-México, Puebla/México, até 1976.
Ficamos ali reunidos por uns 30 minutos: Amauri, vestido com a camisa 10 do Santos, eufórico, seu sonho havia se realizado. O Cocó, ou melhor, o Sr. Treinador Pupo Gimenez, uma simpatia de pessoa, da mesma forma estava emocionado, não esperava que a sua quarta-feira de Cinzas lhe reservasse uma surpresa deste tamanho. Passados 54 anos um de seus pupilos vem lhe dizer obrigado pela confiança e apoio.
E eu também, que antes pensava que o melhor do dia das Cinzas seria um sorvete de uva na sombra.
É como dizem: Quem procura sempre acha, se não um prego, uma tacha.
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 01/03/2015
Foto: reprodução
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Amauri defendeu o Fla em 1964 e 65, fazendo 61 jogos (26 vitórias, 12 empates, 23 derrotas) e marcando 15 gols (fonte: Almanaque do Flamengo - Clóvis Martins e Roberto Assaf).
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