Os brasileiros derrotaram o bicampeão Uruguai, conquistando o seu primeiro título importante

Os brasileiros derrotaram o bicampeão Uruguai, conquistando o seu primeiro título importante

Por Fábio Piperno

Com um ano de atraso e time completo, o Brasil recebeu em 1919 o campeonato sul-americano, que em 1975 seria rebatizado de Copa América. E em 29 de maio, após 150 minutos de bola rolando, os brasileiros derrotaram o bicampeão Uruguai, conquistando o seu primeiro título importante e iniciando a vencedora trajetória que mais tarde faria da seleção “a pátria de chuteiras”.

A Conmebol havia delegado aos brasileiros o direito de sediar o torneio um ano antes. Porém, a pandemia da gripe espanhola que se alastrou pelo país e que só no Rio de Janeiro matou mais de 12 mil pessoas provocou o adiamento do campeonato. Um ano depois, com a disseminação do vírus que espalhou a doença sob controle, a arquibancada do estádio das Laranjeiras inaugurada e um armistício selado entre as federações de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Brasil estava pronto para desafiar o Uruguai, ganhador das duas primeiras edições do sul-americano.

A mobilização começou fora de campo e chegou até ao governo federal. Décimo presidente da república da história do país, Delfim Moreira enxergou no futebol uma das oportunidades para marcar seu curto período à frente do executivo. Ele assumiu o governo de forma interina após a morte do eleito Rodrigues Alves, ele também vítima da gripe espanhola. Para facilitar a organização do torneio, determinou a redução de 50% nos preços de passagens de navios e trens para as delegações estrangeiras e autorizou importantes investimentos nas redes de telégrafos e telefones.

No campo esportivo, a CBD fechou acordos com paulistas e cariocas, que não impuseram obstáculos à convocação dos melhores jogadores do país, diferente do que havia ocorrido dois anos antes, no campeonato disputado em Montevidéu. Com isso, o craque Friedenreich (Paulistano), jogador de maior prestígio no país, estava de volta à seleção. Ele esteve em campo no sul-americano de 1916, mas não pode ser convocado no ano seguinte. Outros destaques do futebol paulista eram o corintiano Neco e o atacante Heitor, do Palestra Itália. Entre os jogadores de clubes cariocas, estavam Marcos Carneiro de Mendonça, o primeiro grande goleiro brasileiro e que jogava no Fluminense, e o zagueiro Píndaro de Carvalho, do Flamengo e mais tarde técnico da seleção na Copa do Mundo de 1930.

A seleção começou arrasadora. Na estreia, goleou o Chile por 6x0. Friedenreich marcou 3 gols e passou a ser chamado pelos uruguaios de El Tigre, em razão do futebol bonito e das arrancadas fatais em direção ao gol. Os bicampeões tiveram um início bem mais complicado. Diante da eterna rival Argentina, venceram por 3x2. Como nos títulos anteriores, o Uruguai voltava a contar com o antológico goleiro Cayetano Saporiti, do Montevideo Wanderes e titular da seleção por 14 anos, Hector Scarone, meia ofensivo do Nacional, que passou mais tarde pelo Barcelona e considerado por muitos como o maior jogador do mundo na década de 20, Isabelino Gradin, meia que foi o maior destaque das conquistas de 1916/17 e Angel Romano, o primeiro grande artilheiro da seleção.

Na rodada seguinte, o Uruguai bateu o Chile sem dificuldade por 2x0, enquanto o Brasil passou pelo primeiro grande teste, com triunfo sobre a Argentina por 3x1. Com isso, brasileiros e uruguaios foram para a final, que lotou o estádio das Laranjeiras no dia 26 de maio.

Os bicampeões não demoraram a se impor. Com apenas 17 minutos, o Uruguai já vencia por 2x0, gols de Gradin e Scarone. Ainda no primeiro tempo, Neco diminuiu. E na etapa final, aos 63 minutos de jogo, o corintiano empatou. Com a igualdade, brasileiros e uruguaios foram para a partida de desempate, marcada para 29 de maio.

O início da decisão foi programado para as 14h00, horário ingrato para quem certamente enfrentaria duras exigências físicas. Como ocorria desde o início do campeonato, as regatas de remo, um dos esportes mais praticados à época no Rio de Janeiro, foram todas marcadas para o período da manhã, para não concorrer com o jogo.

Nas Laranjeiras, a lotação do estádio era total, com a elite da capital federal presente. Muitas mulheres estavam no local. “As nossas lindas patrícias, com seus toilletes de apurado gosto, com seus gritinhos nervosos de incitamento ao ambiente um tom de verdadeira e fascinante beleza”, destacou o colunista da revista Vida Sportiva, em texto citado pela edição número 505 da Placar. Embora o estádio tivesse sido construído para receber 20 mil pessoas, jornais da época público superior a 25 mil presentes.

Em campo, os goleiros eram destaques. No tempo normal, o uruguaio Saporiti evitou por várias vezes o gol do Brasil. Na primeira prorrogação, foi a vez de Mendonça aparecer com grandes defesas. Após 120 minutos de jogo, o 0x0 persistia. E como previa o regulamento, mais 30 minutos precisariam ser disputados. Mas a disputa agônica começou a ser decidida logo aos 3 minutos, quando cruzamento de Neco encontrou Heitor. O atacante do Palestra Itália chutou na direção do gol. Saporiti rebateu e Friedenreich marcou no rebote. Exaurido, o Brasil resistiu pelos minutos restantes. O futuro país do futebol era campeão pela primeira vez!

A conquista foi manchete em todos os jornais do dia seguinte. Mas ninguém expressou melhor o que estava por vir do que o Correio da Manhã. Na capa, o jornal vaticinou: “Hoje, o Rio escolheu seu esporte favorito”.

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