CLÁUDIA E PAULO CÉSAR COUTINHO
ESPECIAL PARA O UOL, EM SÃO PAULO
O relato é de Paulo César Coutinho, filho de um dos maiores inovadores que já trabalhou no futebol brasileiro. Cláudio Coutinho trouxe o método Cooper para o futebol, popularizou a ultrapassagem dos laterais no ponto futuro, foi técnico do Brasil na Copa de 1978 e um dos responsáveis pela montagem daquele Flamengo campeão mundial de 1981. Ele morreu no dia 27 de novembro de 1981, no mar do Rio de Janeiro.
Foto: Arquivo Pessoal/Família Cláudio Coutinho
O amor pelo mar
Meu pai tinha um ritual: sempre que estava no Rio de Janeiro, acordava cedo e ia ao Clube dos Marimbás, em Copacabana. Gostava da praia, tinha amigos com quem jogava vôlei, mas a paixão, mesmo, era a pesca submarina.
Ele tinha passado o ano todo em Los Angeles como técnico do Los Angeles Aztecs. Trabalhava o dia inteiro. Pesca submarina no Oceano Pacífico é complicada. A água é escura, não era um esporte que as pessoas faziam por lá. Meu pai estava seco para pescar. A primeira coisa que quis fazer quando chegou ao Brasil nas férias foi mergulhar. Só que o mar não estava legal.
Acordou cedo naquele dia, mas não me levou ao clube. Chegando lá, encontrou o Júnior, ex-lateral do Flamengo. Avisou: “Espera um pouco que vou trazer um peixe. Vamos fazer uma peixada”. Meu pai tinha algumas manias de pescador. Não falava onde era o pesqueiro dele. Naquele dia, apareceu um barco, ele pegou uma carona: “Volta em uma hora e me pega aqui”.
Quando o barco voltou, ele não estava esperando no lugar marcado.
Foto: Júlio César Guimarães/UOL
Um corpo e um peixe no arpão
Eu sei que eu poderia estar com ele. Com 13 anos, ia direto. Às vezes descia a 20, 30 metros de profundidade. Eu conhecia todos os métodos de mergulho, meu pai me treinou bastante. Naquele dia, ele saiu às 7h, mas eu não sei porque não me chamou. Talvez porque pensava em somente jogar vôlei...
Às 2 da tarde acharam o corpo. Estava com um peixe no arpão.
Meu pai foi encontrado segurando a arma. No arpão, uma garoupa dentro da toca. O grande erro dele foi tentar desentocar a garoupa. Quando um peixe grande desses entra, não desentoca de jeito nenhum. Tiveram que quebrar os dedos para tirar a arma. Minha mãe teve dificuldade para botar a aliança por isso.
A fórmula da morte
Ele não tentou abrir o cinto, não largou a arma. Simplesmente apagou. Ele mergulhava em apneia e o oxigênio que ele pegou na superfície ficou circulando pelo corpo e se transformando em gás carbônico.
Ele tinha um retrato de Santa Terezinha que sempre andava na bolsa. Atrás da imagem estava uma formula escrita assim: “CO2 > do que 70% por mililitro de sangue é = carbonarcose”. Meu pai tinha escrito isso antes do que aconteceu.
Um ano antes, morreu o Conrado Malta, campeão mundial de pesca submarina. A gente estava em Angra dos Reis quando chegou a notícia. Meu pai disse que se pudesse escolher um jeito de morrer, escolhia esse. “É uma morte tranquila”, ele falou.
"Ele apagou, desmaiou debaixo d´água. Ele sempre frequentava aquela região das Ilhas Cagarras. Eu sou nadadora de águas abertas e já passei várias vezes das Cagarras até Ipanema. Na primeira vez, fiquei um pouco emocionada. Hoje, faço uma prece e entro
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Cláudia Coutinho, filha do ex-treinador
Foto: Arquivo Pessoal/Família Cláudio Coutinho
Premonição do acidente
Teve os sonhos também. Destino é foda, cara.
Em Los Angeles, todos os dias ele sonhava que estava indo mergulhar no Marimbás. É um clube que fica no posto 6, em Copacabana, bem no cantinho. Tinha vôlei de praia e pesca submarina. Ele sonhava todos os dias: “Poxa, que sonho chato! Eu não consigo pescar”.
Pescar era a cachaça do meu pai.
Ele contava na mesa, para a família toda. A minha mãe não ligava muito. Conhecia a obsessão do meu pai, sabia que ele estava sentindo falta. Nos EUA, meu pai ficava o dia inteiro fora, trabalhava muito e se sacrificava.
Você é um moleque babaca. Está fodido
Saiu no jornal Nacional. Foi o mundo que desabou.
Para mim, o mundo era aquilo: futebol, esporte. Eu achava que era o melhor amigo dos craques. Não conhecia outro lado. Minha vida era aquilo era vida. E, eu vou te falar: no meio do futebol tem muita falsidade.
Eu era um menino de 13 anos no velório do meu pai. Teve gente que olhou para mim e falou: “Eu sempre te achei um moleque babaca, mimado”. Era cara de 50 anos, não vou falar o nome, mas trabalhava com o meu pai. Era Cláudio Coutinho quem dava uma moral para ele. “Nunca gostei de você. Agora que o seu pai morreu, você está fodido”. Na maldade mesmo.
A filha de Coutinho, Cláudia, recebeu a notícia em Los Angeles, onde estudava para ser enfermeira. De longe, o impacto da morte também foi grande. Em seu depoimento, ela conta que sonhou com o pai no dia da morte e ainda sente a presença de Coutinho em sua vida.
Os sonhos com o pai
Foi a maior dor que tive na minha vida. O curioso é que eu eu sonhei com ele naquele dia. Não vou contar o que é porque vou abrir a biografia que estou escrevendo sobre meu pai com ele. Mas não foi o único sonho.
Eu costumo sonhar que ele está no meu quarto, sentado na cama. Eu faço várias perguntas e ele vai me respondendo. Nunca me lembro muito bem do que ele fala. Uma vez, perguntei porque ele foi embora tão cedo. Ele disse assim: “O pessoal não estava satisfeito com o meu trabalho”. Eu não entendi nada, mas não sei se eu lembrei a resposta exata. Não faz muito sentido. Não sei ele se referia ao mundo espiritual, mas tive a sensação que era ele mesmo ali. Que não era um sonho, entendeu? Outra vez, ele disse que não podia ficar muito tempo, que tinha de ir embora. E foi começando a ficar fraco. Eu acordei lembrando disso.
O que me deixa orgulhosa é que ele é reconhecido ainda. Quando descobrem que sou filha do Coutinho, todo mundo se admira. Mesmo vascaínos, tricolores. Até hoje, quase 36 anos após a morte, as pessoas lembram dele com carinho. Pela integridade, pelo profissionalismo, pela competência. Ele foi inovador, estava muito além do tempo dele.
Flamengo no coração
Um dia antes do último mergulho, Cláudio Coutinho foi ao aeroporto no Rio de Janeiro para receber o Flamengo. Ele estava em transição de empregos: o Los Angeles Aztecs, dos EUA, tinha acabado e ele tinha sido contratado a peso de ouro pelo Al Hilal, da Arábia Saudita. Não tinha ligação oficial com o Fla, com quem tinha sido tricampeão carioca e campeão brasileiro em 1980, mas seguia ligado emocionalmente ao clube. Tanto que previu o título mundial: “Acho que está escrito”, disse, em sua última entrevista. “Papai era fanático”, lembra Cláudia, sua filha.
Esse fanatismo pode ser ilustrado por um episódio de renovação, contado por Paulo César: “Na metade de 76 ou 77, já estavam dizendo que ele ia pra seleção brasileira, para a Copa de 1978. Queriam renovar com ele, mas tinha aquela ladainha toda do Flamengo não ter dinheiro. Meu pai pegou um papel em branco em cima da mesa na sala do Márcio Braga, que era o presidente, datou e assinou. E ainda disse: `Bota aí quanto vocês quiserem pra mim´. Não tinha valor, não tinha nada. Ele datou e assinou e foi embora pra casa. No dia seguinte meu pai soube que tinha um contrato lá”.
Entre 76 e 80, Coutinho ganhou boa parte dos torneios que disputou com o Flamengo. Foi tricampeão carioca, ganhou o Brasileirão de 1980 e montou a base do time que, comandado por Paulo César Carpegiani, venceu a Copa Libertadores e o Mundial de 1981. A saída foi por discordâncias com a nova diretoria, que assumiu o clube em 1981.
A Copa de 1970
Foto: Arquivo Pessoal/Família Cláudio Coutinho
Como a Nasa ajudou no Tri
O título de 1981 não foi o primeiro Mundial com uma mão de Coutinho. E no outro, a Copa do Mundo de 1970, sua influência foi ainda maior. No México, ele era o principal auxiliar de preparação física do time e foi o responsável pelo uso inédito de métodos da Nasa no futebol.
“Em 1968, meu pai conheceu o Kenneth Cooper, criador do método Cooper. Naquela época, ele estava desenvolvendo o programa de preparação física dos astronautas que iriam para a Lua e convidou meu pai para conhecer o trabalho na Nasa. Ele aceitou, ficou alguns meses lá e ajudou a desenvolver o programa”, lembra Paulo César.
O método, porém, ainda era desconhecido. Coutinho, já um funcionário da CBD, teve um papel determinante na popularização: antes da Copa do México, ele usou o teste Cooper para avaliar os jogadores e usou o programa criado pelo norte-americano na preparação verde-amarela. Quem assistiu ao tricampeonato canarinho lembra que um dos méritos daquela equipe era a energia que sobrava para o segundo tempo – mesmo em jogos na altitude da Cidade do México. Rivellino, por exemplo, disse que nunca esteve tão bem fisicamente.
Polêmica com Parreira
Quem passa rapidamente pela história da Copa de 1970 corre o risco de ter uma impressão errada sobre a equipe de auxiliares de Mario Jorge Lobo Zagallo. O preparador físico principal daquele grupo era Admildo Chirol, com dois auxiliares: Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira. Para os filhos de Coutinho, Parreira nunca deu o crédito devido a seu pai pelo uso do método Cooper naquela Copa.
"Meu pai trouxe o método Cooper para o futebol, como preparador físico da Copa de 70. Foi ele quem trouxe o método, embora o Parreira tenha dito que é ele. Coitado do Parreira, o Cooper nem sabe quem é o Parreira...
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Cláudia Coutinho, filha do ex-técnico da seleção
"Eu fico chateado porque o Parreira faz tudo para tomar o trabalho do meu pai. Ele fala que foi o preparador físico, mas era um estagiário. O preparador físico era o Admildo Chirol. Meu pai dava os testes e Parreira cumpria instruções
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Paulo César Coutinho, filho do ex-técnico
Pista Cláudio Coutinho de cooper na Urca
Foto: Elisa Freitas/UOL
Cooper no Rio de Janeiro
Quando o próprio Kenneth Cooper fala sobre a popularização de seu método, ele cita Cláudio Coutinho como elemento chave. Primeiro, pelo uso na Copa do Mundo. Depois, pela ajuda em disseminar a corrida nas ruas do Rio de Janeiro.
“Eu me lembro quando o Dr. Cooper esteve aqui nos anos 70 no Rio de Janeiro. Ele e meu pai marcaram latas de lixo na Avenida Atlântica. Tantos quilômetros do zero até o posto 6. Foram tentando convencer os brasileiros que o músculo mais importante não era o bíceps, mas o coração”, lembra Paulo César.
“A ideia era mostrar que correr, caminhar de manhã era muito bom. As pessoas perguntavam se iriam viver mais com isso. Eles respondiam: `Bom, viver mais a gente não pode prometer, mas com certeza os anos que você viver, você vai ter uma qualidade de vida muito melhor´”.
Os arrependimentos de 1978
Coutinho nunca jogou futebol profissional. Filho de um general, ele era militar e se formou na escola militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro. O esporte, porém, sempre foi sua paixão. Foi jogador de vôlei, mas se destacou como um dos pioneiros da preparação física no esporte brasileiro. Em 1976, foi técnico da seleção olímpica que terminou em quarto lugar. Em 1978, comandou o time que foi para a Argentina e terminou em terceiro.
Aquela seleção de 78 ainda tinha Rivellino, mas já contava com Zico, Roberto Dinamite e Reinaldo, por exemplo. Mas não com o lateral-esquerdo Júnior, então comandado por Coutinho no Flamengo, e Falcão, um dos melhores jogadores em atividade no futebol brasileiro naquele momento.
“Com o Júnior, ele se arrependeu de não ter chamado. Até pediu desculpas quando voltou ao Flamengo”, explica Paulo César. “Com o Falcão é uma história meio chata. Vamos dizer que foi por problemas de elemento desagregador. O Falcão desagregava um pouco a equipe”, completa o filho de Coutinho.
O Brasil terminou em terceiro lugar, após o polêmico jogo entre Argentina e Peru: a seleção fez 3 a 1 da Polônia na preliminar, mas viu os argentinos, donos da casa, vencerem os peruanos por 6 a 0. O resultado mandou a Argentina para a decisão e deixou os brasileiros na disputa pelo terceiro lugar.
Esporte como legado para os filhos
Foto: Arquivo pessoal
Médica esportiva
Cláudia, a filha mais velha de Coutinho, trabalhou na CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e na organização dos Jogos Olímpicos de Londres. Ela é médica, com especialização em esporte pela Escola de Educação Física do Exército. "Sou a única médica civil formada pelo curso. Fui aceita justamente pelo meu pai, que foi formado ali. Eu cumpri todos os rituais militares, mesmo sendo civil. E nos testes físicos, não perdia para marmanjo. Na última travessia, fiquei à frente de todos os médicos do curso. Meu pai ficaria orgulhoso".
Foto: Arquivo pessoal
Diretor do Flamengo
Paulo César, três anos mais novo, também sofreu a influência do pai. Na infância, ele acompanhava Coutinho nos treinos e era jogado pelos jogadores na poça de lama que se formava durante os treinos dos goleiros. "Eu me sentia o melhor amigo dos craques do Flamengo. Do Zico, do Júnior". Foram eles que deram ao garoto o apelido de Cascão, que segue até hoje. Em 2012, foi vice-presidente de futebol do Flamengo a convite da então presidente Patrícia Amorim. Hoje, trabalha no mercado financeiro, mas segue sendo conselheiro do clube.
Edição de Arte: Natália Massela; Edição de texto: Bruno Doro; Ilustrações: DiVasca; Reportagem: Vanderlei Lima.
No vídeo abaixo, enviado pelo técnico Marcos Falopa, veja matéria de um canal de televisão francês mostrando a “recepção de Neymar” que Jairzinho teve no Olympique Marseille em 1975. Lá, o “Furacão da Copa” jogou ao lado de Paulo Cézar Caju e teve como preparador físico Cláudio Coutinho (ele aparece na reportagem traduzindo as respostas de Jairzinho).
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Segundo o livro "Seleção Brasileira - 90 Anos", de Antônio Carlos Napoleão e Roberto Assaf, dirigiu o Brasil em 45 jogos com 27 vitórias, 15 empates e três derrotas.
Flamengo
O Almanaque do Flamengo, de Roberto Assaf e Clóvis Martins, informa que Cláudio Coutinhocomandou o clube em 76 jogos com 47 vitórias, 20 empates e nove derrotas.
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