A manhã de hoje foi um tanto quanto conturbada na casa das vovós. Tudo começou como telefonema de Deusdedith, a moça da limpeza, avisando que não poderia ir por causa da greve dos metroviários, ônibus super lotados, trânsito caótico.
Brasilina não gostou, pois Deusdedith é quem compra a ração de Murtosa, o única cão de guarda que não late. Já Balbina permanecia tranquila. Há muito tempo ela havia se acostumado com as greves.
— O governo, que é o governo, tá em greve há anos.
O fato é que a ausência de Deusdedith causara um impasse na casa das vovós: saber qual das duas passaria o aspirador de pó pela casa. Balbina tem aversão ao aspirador de pó desde o dia em que descobriu que aquilo que um de seus seis ex-maridos (o marido 4/6) guardava na gaveta da cômoda não era sachê de talco.
— Brasilina, vá passar o aspirador pela casa.
— Só que não!
“Só que não” é expressão atualmente utilizada por adolescentes e jovens. Uma espécie de negativa através da afirmação. Brasilina ouviu a neta mais nova usar o termo; gostou e de lá para cá passou a usá-lo a todo instante.
— Para com essa coisa de usar ermo jovem. Você é mais velha que a copa do mundo.
— Só que não.
Sim, Brasilina é mais velha que a copa do mundo, pois nasceu em 1928. Mas a bronca de Balbina tem mais a ver nem tanto com os modismos da irmã e mais com a sua inocência em usá-los. Ela deve se lembrar de quando Brasilina – nos anos 70 – descobriu os termos da chamada família “fu”, a saber: “nenfu”, “sifu” e “mifu”. O uso indiscriminado, além do desconhecimento de origem e conceito trouxeram várias situações constrangedoras. Tanto é que pegou muito mal no dia em que as duas irmãs encontraram na rua o padre Esvígio, pároco da região.
— Dona Balbina, faz tempo que não a vejo. Não gostaria de ir à igreja se confessar?
— Nenfu, seo padre.
— Dona Balbina, eu sou um homem de Deus!
— Sifu.
— A senhora merece excomunhão!
— Mifu.
Mas, voltando ao caso do aspirador de pó, Balbina resolveu não insistir com a irmã. Já bastavam as discussões recentes que haviam tido. Uma delas por causa do alagamento do saguão do aeroporto de Brasília.
— Que vergonha. E ainda dizem que tá tudo pronto pra copa.
— Ué, Balbina, a culpa não é da falta de estrutura do aeroporto.
— Ah, não? É de quem, então?
— Da chuva. Se não tivesse chovido não teria alagado.
— Você é louca, Brasilina.
— Só que não.
Depois, à noite, novo entrevero. Brasilina desdenhava dos 3x0 na vitória da Argentina sobre Trinidad e Tobago. Jogaram contra ninguém. Balbina alegava que o Brasil, na terça, também jogara contra ninguém, ou seja, o Panamá.
— O Panamá só é conhecido pelo canal e pelos chapéus. Tanto é que o Neymar distribuiu um monte deles.
O último bate-boca aconteceu antes de irem dormir. Brasilina dizia ser desnecessário o amistoso de amanhã contra a Sérvia. Pra quê? Só porque eles jogam como a Croácia? Ora, a Croácia não mete medo. Não se pode confiar numa seleção que tem um tabuleiro de xadrez na camisa. Já Balbina achava que o jogo contra a Sérvia seja bom para o Felipão se definir entre Oscar e Willian no meio de campo da seleção.
— Deixa de ser boba, Balbina. O Willian não vai nunca tomar o lugar do menino. O Oscar é titular absoluto.
Balbina não disse nada. Ficou pensativa. Deitou-se, apagou a luz do abajur, e só depois, já no meio da escuridão, balbuciou:
— Só que não.
05/06/2014
Magalhães Jr. – o Maga