Por Adonis Alonso
Na casa do primo corintiano, Milton e João Mula comemoravam um gol de Pelé.Foram expulsos. Expulsos e felizes, com mais uma vitória do Santos.
SANTOS DE 1963 - CAMPEÃO MUNDIAL DE CLUBES
Geralmente ninguém sabe muito bem porque começou a torcer para o seu time do coração. Milton Neves lembra. E com detalhes.
Ele só tinha oito anos de idade, mas já ficava com o ouvido colado no rádio acompanhando as transmissões. Em 59, Santos e Palmeiras disputavam o Super-Campeonato Paulista. Na casa da "vó" Beatriz, ele, o primo Humberto e um amigo também chamado Milton, ouviam as estripulias que o menino Pelé fazia com a bola.
BRASIL 1958 - CAMPEÃO DO MUNDO
Já famoso pela conquista da Copa da Suécia em 58, aos 17 anos, Pelé tornava-se ídolo da garotada. Com Milton e seus amigos a coisa não era diferente. Assim, os três comemoraram muito o primeiro gol daquela partida, feito, lógico, por Pelé. Só que 59 foi ano do Palmeiras. Julinho empatou e Romero, de falta, virou: 2 a l e o título foi para o Parque Antártica, depois de 2 empates. Naquele jogo, os três meninos ficaram esperando em vão o Santos empatar. Uma raiva muito grande do Palmeiras, que ousou derrotar o grande Santos de Pelé, tomou conta deles. E o time da Vila Belmiro ganhou um grande torcedor.
Depois daquele jogo, quando ficou com pena do time, Milton Neves descontou com todas as conquistas do Santos e de Pelé na década de 60. Virou um torcedor fanático, de ouvir rádio o dia inteiro. Programas esportivos e transmissões.
" O primeiro jogo que assisti pela TV foi Santos e Milan, em 63 na disputa pelo título mundial. Muzambinho só tinha um aparelho."
Para saciar ainda mais sua paixão pelo Santos e o futebol, encontrou um amigo, o Ivonaldo Vieira (Nadinho), funcionário do Banco de Crédito Real de Muzambinho, e com ele assinou "de meia" o jornal a Gazeta Esportiva. Na sua vez de ler, devorava as notícias e decorava escalações de todos os times.
O problema em Muzambinho era encontrar um bom rádio para ouvir bem as transmissões. Uma das casas preferidas por Milton Neves era a do seu primo Luiz Carlos Fernandes Maciel, corintiano roxo. Ele morava na Praça dos Andradas, n°23, "Centro".
Mesmo assim, Milton e seu amigo João Mula foram à casa do primo para não perder um só lance de um Corinthians e Santos no potente Pionner de Luís Carlos.
E como era de costume na década de 60, Pelé foi logo fazendo dois gols em cima do Corinthians, o que motivou a comemoração dos garotos e despertou a ira do primo. De uma só tacada, expulsou Milton e João Mula da casa. Expulsos mas contentes, vibrando com mais uma vitória do Santos.
Televisão, então, era um sonho em Muzambinho. A primeira delas apareceu em 1963, na casa de Geraldo Coimbra, dono do cartório da cidade. E apesar das senhoras católicas de Muzambinho acharem a geringonça uma coisa do demônio, a garotada estava louca para assistir um jogo de futebol naquela maravilha da tecnologia.
A oportunidade surgiu no final do ano, quando a então famosa TV Tupi ia mostrar ao vivo, do Maracanã, a decisão do título mundial de clubes entre Santos e Milan. Uma decisão que teve três jogos.
" Fiquei até às duas da madrugada esperando o tape de Santos e Prudentina. Enquanto isso, Randolph Scott, matou mais de mil índios com um único revolver."
Geraldo não gostou da idéia, mas acabou colocando a televisão na janela da casa, bem no centro da Praça dos Andradas, que ficou lotada. Sentados na rua mesmo atrapalhados pelos chuviscos da imagem, os muzambinhenses puderam assistir seu primeiro jogo na TV. Entre eles, claro, Milton Neves comemorando a vitória por 1 a 0, gol de Dalmo de pênalti, e o título para o Santos, mesmo jogando sem Pelé e com o saudoso Almir.
Daí para frente, a palavra de ordem era pegar "carona" nas casas dos outros "milionários" de Muzambinho que foram comprando suas elegantes Colorado RQ. Em 64 ou 65, a cidade já tinha cerca de 50 aparelhos de televisão. Era escolher o vizinho e pedir licença. Na casa de Milton Neves nunca houve televisão.
Milton era um dos maiores "cara-de-pau". Se para ouvir rádio já ficava no vizinho até onze e meia da noite, com a TV o horário se expandiu. Ele não queria perder sequer um videotape.
Certo dia, a Tupi anunciou o tape de Santos e Prudentina para à meia-noite.
Meia-noite e quinze, Gerdy Gomes entra no ar e anuncia um "pequeno atraso" na chegada do caminhão com o tape. Enquanto isso, a emissora ia apresentar um faroeste com Randolph Scott.
Milton nunca mais esqueceu esse filme. Ficou até às duas horas da madrugada vendo Randolph Scott matar mais de mil índios com um único revólver. E o videotape não entrou.
TRADUÇÃO SIMULTÂNEA
Corria o ano de 93 e Milton Neves pela 3ª vez foi escalado pela Rádio Jovem Pan para acompanhar a Macabíada, em Telaviv. Entre os convidados do governo de Israel, estava o candidato do Partido dos Trabalhadores ao governo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o desfile das delegações, na noite de 10 de julho de 1993, às 20h44min, bom repórter que é, Milton não perdeu a oportunidade e driblando um severa segurança que não permitia aos presentes da tribuna de honra do estádio sequer levantar da cadeira, foi sentar-se ao lado do político. E visando descontrair o "companheiro" Milton deixou o microfone aberto no alto-falante do Estádio Ramatgan durante alguns minutos, captando a locução em hebraico, para arrematar: "e agora vamos ouvir a tradução do nosso comentarista Luiz Inácio Lula da Silva". O palavrão saiu baixinho só para Milton ouvir...
Detalhe: no mesmo reservado estavam de Robert De Niro, Steven Spielberg e os célebres políticos israelenses: Itzhaak Rabin, Shimon Peres e Ezer Weizman. Além do brasileiro Marcos Arbaitman, o "João Havelange Judeu".