Por Adonis AlonsoO presente foi da tia Antônia, comprado na Casa Mazzili. O rádio marrom e bege, de capa de couro, foi embora numa faxina, em 1978.
MAURO BETTING, MILTON NEVES, JUCA KFOURI E FIORI GIGLIOTTI
A Bandeirantes era a emissora preferida de Milton Neves e seus amigos de Muzambinho. Mauro Pinheiro, Flávio Araújo, Ênio Rodrigues e principalmente Fiori Gigliotti eram seus ídolos. O primo Humberto vivia imitando narração esportiva. Até slogans ele reproduzia com perfeição. Aliás, Milton nunca mais esqueceu de um que o primo repetia o dia inteiro: "Firestone, máxima quilometragem por cruzeiro".
A paixão pelo rádio era tanta que um dia a tia Antônia juntou algumas economias e foi à Casa Mazilli de Domingos Mazzilli, primo do Ranieri, político que chegou a assumir transitoriamente a presidência da República, e lá comprou o primeiro rádio de Milton Neves.
Aquele rádio Phillips, marrom e bege, com capa de couro, foi o responsável pela profissão de Milton. Até hoje ele lamenta ter dado a relíquia, em 78, durante uma mudança de apartamento. Afinal, nele ouviu centenas de gols do Santos. Alimentou seu amor pelo veículo e curtiu sua tietagem pelos grandes locutores da época. Com Fiori Gigliotti decorou o segundo slogan: "Lifeboy, o sabonete desodorante".
O banheiro da casa da tia era o seu estúdio. Ali ele narrava jogos imaginários e gritava gols.
"O banheiro da casa da minha tia era o estúdio. Ali narrava jogos e gritava gols, imitando o meu ídolo Fiori Gigliotti."
Tão apaixonado era Milton Neves pelo rádio e pelo futebol, que escrevia para as emissoras e seus ídolos. Jamais esqueceu quando o repórter Marco Antônio, da Rádio Tupi, num 6 de agosto, incluiu seu nome entre os aniversariantes do Clube do Ouvinte.
A glória, entretanto, foi receber uma resposta de Geraldo Bretas, com uma tabelinha do campeonato paulista e uma foto do time do Santos num jogo no estádio do Juventus, na rua Javari. A cidade inteira viu e invejou aquela carta.
Sonhador, sentado nas carteiras das salas de aula do Colégio Estadual Professor Salatiel de Almeida, onde cursou o ginásio, Milton Neves jamais imaginava que um dia seria ele o recordista de cartas do rádio esportivo brasileiro.
Milton Neves recebe centenas de cartas e milhares de e-mails por mês na Jovem Pan, sem ser locutor, comentarista ou repórter. Através de seu trabalho conseguiu incluir no seleto grupo de profissionais do rádio, a figura do Apresentador Esportivo, agora utilizado em quase todas as principais emissoras do Pais. Ele inventou o âncora esportivo no rádio.
"Graças a Deus, recebo cartas demais e respondo todas. Pago selo, envelope e funcionário. Já mandei mais de 400 mil cartas-resposta (40% com adesivos) em 25 anos de carreira na Pan."
Faz questão de responder todas, pagando selo e envelope. Além de responder pessoalmente as mensagens via Internet. Cartão de Natal, manda tanto quanto recebe: 500 por semana no mês de dezembro. Só de adesivos dos quatro maiores clubes de São Paulo, que criou e patrocinadores imprimiram, Milton Neves já enviou por volta de 200.000 colantes.
1968: O LOCUTOR COMEÇANDO EM MUZAMBINHO-MG, 14 ANOS DEPOIS MILTON NEVES INVENTARIA O ÂNCORA ESPORTIVO DO RÁDIO
SEMPRE ALERTA
O maior impasse na vida profissional de Milton Neves ocorreu em razão do boato da morte de Djalma Santos, lateral bicampeão mundial de seleções. A notícia começou a "pipocar" em algumas emissoras num domingo à tarde, em 1973, durante a transmissão do campeonato brasileiro daquele ano. Osmar Santos estava no Mineirão, Joseval Peixoto em Curitiba, no Belfort Duarte e Edemar Annuseck no Pacaembu. Cauteloso, Milton esperou a segunda, terceira, quarta notícia até que Ruy de Moura , plantão da Rádio Gazeta, deu com precisão o local e a hora do acidente, e ainda pediu para algum ouvinte cobrir "o cadáver" na Via Dutra com a bandeira do Brasil. Milton então pediu licença ao narrador Osmar Santos e entrou no ar com tudo: "confirmado, morreu Djalma Santos, o grande lateral bicampeão, uma pessoa de grande caráter e jogador irrepreensível, e tal". Em seguida todos os membros da equipe apressaram-se em também prestar sua homenagem ao ex-jogador. Quase imediatamente, porém, e demonstrando a força da Jovem Pan, toca o telefone do estúdio e Djalma Santos, em pessoa do outro lado da linha, reclama com seu jeito simplório: "Pô, não se pode nem jogar uma partidinha de sinuca sossegado? Eu tô vivo, ô meu... Milton foi suspenso por cinco dias pelo diretor Fernando Vieira De Melo.
"A noite os tapes da Bandeirantes e da Gazeta com Fernando Solera e Peirão de Castro tiveram cerca de 15 minutos sem som. Foi o tempo das homenagens dedicadas à história do morto".