Biografia

A Vocação

Por Adonis Alonso
O destino escolheu "Mirtinho Bolão" para testar o equipamento de som. Depois daquele dia ele nunca mais largou o microfone.



UMA CURTA CARREIRA DE TÉCNICO

Na metade da década de 60, Muzambinho ainda não tinha sua emissora de rádio. A comunicação na cidade era feita via serviço de alto-falante. Dois deles disputavam a preferência da população. Uirapuru e Equipe Legal. O primeiro era dirigido por Zé Antônio Araújo e o outro por sete amigos, colegas de colégio.

Corria o ano de 66 e numa noite de quinta-feira, como fazia costumeiramente, Milton Neves vestia sua melhor blusa, de banlon, tecido da moda, para o "footing" da avenida Dr. Américo Luz. Sim, Muzambinho já tinha inovado. Seu "footing" não era mais circular, na praça principal. A avenida era mais bonita e ganhou dois corredores, um de moças, outro de rapazes, um grupo em cada sentido, ida e volta, na mesma calçada.



1975 - NAMORO NA PRAÇA DA CIDADE

"O noticiário a gente pegava no Estadão que chegava na Jardineira pelo Expresso Caconde. Quando chovia, a Jardineira de Caconde atrasava, e o noticiário só entrava à noite."

No meio dessa sessão de paquera explícita, o destino determinou o rumo da vida de Milton Neves.

Benedito Dino, enroscado em cabos e fios, montava sua parafernália no "Cinema da Irma", preparando o sistema de som para a tradicional quermesse da cidade no mês de junho. O país preparava-se para empurrar sua seleção na Copa da Inglaterra, na tentativa do tricampeonato. A preparação de 58, já havia sido ali perto, em Poços de Caldas. A CBD (sigla da CBF na época), havia convocado 45 jogadores e os dividiu em quatro times. Em Muzambinho e em todo Brasil todos sabiam: o time titular era aquele que tinha Pelé.

Mas voltando ao Dito Dino e ao destino, quando ele terminou de ligar todos os seus fios, saiu à porta do cinema para escolher alguém que fosse ao microfone testar o som. Bem nessa hora passavam "Mirtinho Bolão" (apelido de Milton na cidade) e seus amigos. Dito Dino o chamou, e ali começava uma das mais brilhantes carreiras do rádio esportivo brasileiro.





SELEÇÃO BRASILEIRA TREINANDO EM POÇOS DE CALDAS

Apesar da paixão pelo rádio, Milton Neves nunca havia se visto frente a frente com um microfone. Timidamente, se é que se pode ser tímido com o vozeirão que Deus Ihe deu, Milton de improviso comunicou a chegada da quermesse.

Preocupado só com o som, Dito Dino nem prestou atenção no vozeirão de Milton Neves, dispensando-o sem cerimônia, assim que acertou a sintonia de sua aparelhagem.

Para os amigos, entretanto, a performance de Milton Neves não passou em branco. Os muitos elogios fizeram Milton pensar bastante, tomar coragem e voltar à porta do cinema para pedir mais um tempo no microfone de Dito Dino. Depois de muita resistência, Dito entregou o microfone e teve que repetir o gesto várias vezes, ante a insistência do rapaz.



"A Seleção treinava em Poços de Caldas para a Copa da Inglaterra. Tinha 45 jogadores em quatro times. O titular, era o que tinha o Pelé."

Além de tomar gosto pela coisa, Milton foi enraizando a idéia de se tornar locutor profissional. Dois meses depois, devido aos comentários na cidade, acabou convidado para integrar a equipe da recém-criada rádio Continental de Muzambinho, inaugurada por Zé Antônio de Araújo, dono de um dos serviços de alto-falante, Wllliam Lemos, Paulo Ferreira Carvalho e ninguém menos que Benedito Dino, agora seu velho conhecido. O local, claro, foi o prédio do Cinema da Irma.

Clandestina, a rádio tocava música e dava o noticiário que vinha no "Estadão" trazido pela Jardineira, depois que ela vencia o trecho de terra da estrada Caconde/SP - Muzanbinho/MG. Quando atrasava a Jardineira, atrasava o noticiário.

O SÓSIA

O ponta-direita Faustino da Ferroviária e do São Paulo F.C da década de 60, morreu assassinado há algum tempo. Muita gente sabe disso, principalmente os jornalistas esportivos. Cláudio Carsughi, porém, na noite de 14/03/92 encontrou no restaurante Paulista Grill, da Rua João Moura, nº 25, em Pinheiros / Capital, um cantor da noite que garantia ser Faustino. Carsughi acreditou e encaminhou o assunto a Milton Neves. Com o aval do sério companheiro, Milton colocou o "cara" no ar, que contou muitas histórias do futebol, como se as tivesse realmente vivido. A entrevista já durava muitos minutos quando o comentarista Waldo Braga ligou para Milton e advertiu: "tira esse louco do ar porque Faustino morreu mesmo. Eu fui no enterro". Já Carsughi dá de ombros "é eu me enganei". Milton Neves confessa que no rádio já fez de tudo: até matou o Djalma Santos e ressuscitou o Faustino.