Por Adonis Alonso
O vestibular de jornalismo na Faculdade Objetivo abriu as portas para o estágio remunerado e uma carreira que já completa 33 anos.
Em 21 de outubro de 71, Milton Neves estava de volta a Muzambinho, enfrentando a desconfiança da família, dos amigos, da cidade.
Antes de chegar, passou seis horas na rodoviária de São Paulo, na praça Júlio Prestes, esperando o Expresso Caconde. Se Curitiba já não tinha lhe agradado, São Paulo então, nem pensar. Sozinho, aguardando a hora do embarque, determinou: " terra de louco, nunca vou morar aqui".
A vida em Muzambinho, porém, ficava cada vez mais difícil para um rapaz de 20 anos, visto como fracassado em Curitiba, onde tinha sido reprovado no vestibular de Odontologia.
O período de férias até que deu para agüentar. Em março, entretanto, a rapaziada de Muzambinho voltava para a escola e faculdade respectivamente. Na cidade, só ficavam os "sem rumo". Por influência familiar, a então namorada Lenice o deixou "pela falta de perspectivas no futuro".
Duro, sem emprego, com um diploma de técnico em Contabilidade que não queria utilizar, Milton foi enfrentando a desconfiança e lendo o Estadão no bar do amigo Euclides Carli, um juiz de futebol tão "ladrão" para o time da casa que até seleção brasileira perdia em Muzambinho, garante Milton.
Um dia, em maio de 1972, viu em outro lugar uma Folha de S.Paulo, onde um anúncio com fundo preto lhe chamou a atenção: " Vestibular de Jornalismo na Supero - Sociedade Universitária Paulista de Ensino Renovado Faculdades Objetivo.
Cheio de coragem e morrendo de vergonha pelos insucessos nos concursos da Petrobrás de Paulínia e Banco do Brasil de Guaxupé, Milton Neves decidiu encarar a loucura de São Paulo. Afinal, para trabalhar em rádio nada melhor do que fazer o curso de Jornalismo. A tia Antônia mais uma vez arranjou o dinheiro para a nova empreitada.
"No Paraná fui reprovado no vestibular de Odontologia. Também não passei no concurso do Banco do Brasil e da Petrobrás. Era um fracasso. Graças a Deus fracassei."
O amigo Roberto Gaspar conseguiu para ele uma vaga na Kitnet que morava na esquina das avenidas Duque de Caxias e São João. Com Milton eram oito que se apertavam em quatro beliches instaladas na saleta.
Apesar de tudo, São Paulo não era tão ruim quanto ele pensava. Podia ler os jornais mais cedo para acompanhar a disputa do título mundial de xadrez entre o norte-americano Bob Fischer e o russo Bóris Spassky, que na época concentrou as atenções internacionais. Tinha ambulante na rua vendendo maçãs vermelhas, tinha Gazeta Esportiva em todas as bancas.
E logo cedo. Era a glória. Não precisava esperar o "Expresso Caconde".
Milton Neves enfim passou no vestibular. Ficou com uma das 200 vagas da primeira turma daquela faculdade. Ali conheceu os jornalistas que fariam carreira como ele: Paulo Saab, Ricardo Carvalho e Alberto Luchetti.
Enturmado em São Paulo, mudou para a república " Muzamba", na esquina das alamedas Jaú e Pamplona, nos Jardins, habitada por dez rapazes da cidade Natal . Fez muitas amizades e quando viajava a Muzambinho, uma vez por mês, para levar a roupa suja, já falava sobre São Paulo com alegria nos olhos.
Estava dando tudo certo demais para quem já se acostumara às adversidades. De repente, uma constatação: não havia mais dinheiro para bancar a faculdade e a estada em São Paulo. Sem emprego, Milton encontrou a ajuda que precisava com o companheiro Ricardo Carvalho, irmão do ex-deputado Agnaldo de Carvalho, líder do Governo Laudo Natel e hoje dono da Produtora Segmento, especializada em candidatos políticos. Ricardo juntou uma turma de dez estudantes para pedir a João Carlos Di Gênio (dono da faculdade) uma bolsa para o colega de Muzambinho pois ele tinha futuro mas não tinha dinheiro.
Durante 15 dias os plantões na porta da sala do diretor não deram resultado. Fazendo marcação cerrada, o grupo um dia viu o carro dele, um Mercedes Benz, placa DI 8000, estacionar. Era a hora. Plantaram-se na porta do elevador e tudo o que conseguiram de um Di Gênio mal humorado e já recusando bolsa de estudos, foi a indicação de que a rádio Jovem Pan estava procurando estudantes de jornalismo para estágio remunerado.
Para quem sonhava em trabalhar na Bandeirantes ou no mínimo na rádio Tupi, Jovem Pan era um nome completamente desconhecido. Até conseguir descobrir onde ficava a tal emissora, no bairro do Aeroporto, Milton Neves levou três horas.
Com a cara e coragem foi procurar Fernando Vieira de Melo. Na redação da rádio foi recebido por Salvador Silva, que sem tirar os olhos da máquina disse que o homem que ele estava procurando era "aquele louco" que gritava. Recomendou ao rapaz esperar a vez, já que dentro da sala, Fernando Vieira de Melo quebrava o maior pau com o repórter Reali Jr. (hoje correspondente da Pan em Paris).
"Depois de muito tempo o Fernando Vieira me atendeu. Pediu um teste, ouviu a minha voz, me chamou de burro e mandou me contratar."
FERNANDO VIEIRA DE MELLO: A OPORTUNIDADE
Assustado com a briga, Milton sentou-se e com espanto viu entrar na redação seu companheiro de faculdade, Ubirajara Valdez, que havia chegado antes e ganhara uma das vagas do estágio.
Acalmada a discussão com Realli, Vieira de Melo ficou sozinho na sala. Impaciente, Milton tentou entrar. Voltou imediatamente ao tomar a maior bronca do diretor, que o repreendeu por ousar se apresentar sem ter sido chamado.
O explosivo Fernando Vieira de Melo, porém, também sabia ser educado quando queria. E após autorizar a entrada de Milton na sala, gostou da sua voz, da coragem e pediu um teste, feito por Marco Antônio Gomes. Milton foi bem na leitura, apesar de chamar o bairro do Pari de Pári. Fernando o chamou de burro três vezes e mandou Gomes contratá-lo. Melo, foi muito importante para a carreira de Milton Neves.
Ele sempre disse: "esse menino é um gênio". De João Carlos Di Gênio também guarda gratidão: Milton Neves teve bolsa total até a formatura! Também tem outro agradecimento a Di Gênio: seus 3 filhos sempre estudaram no Objetivo desde que nasceram.
AFINIDADE
O doutor Sócrates, astro do Corinthians e da seleção, já não agüentava mais conceder sempre as mesmas entrevistas. Aliás, quase que não aguentava mais o próprio futebol. Sua cultura contrastava com os lugares comum utilizandos pela maioria dos jogadores de futebol. Médico, estudioso, de boa formação, Sócrates chegava a fugir das entrevistas.
Até que Milton Neves o pegou na concentração do Corinthians antes da decisão do campeonato paulista de 82 contra o São Paulo, vencida pelo timão, e perguntou:
"Doutor Sócrates, hoje tem decisão no Morumbi e no vestibular. Qual a mais importante?
Aturdido com a pergunta que não esperava, Sócrates, que havia pedido a Milton para ser breve, concedeu a sua mais longa entrevista no rádio esportivo brasileiro. Falou por uma hora e 13 minutos garantindo que a escola era mil vezes mais importante do que o futebol. Sócrates contou sua vida, as etapas de sua formação escolar elogiou o nível das perguntas e depois matou o S. Paulo de W. Péres.