Biografia

A Viagem

Por Adonis ALonso, De carona num DKW ele foi para Curitiba. Os gols de Tião Abatiá compensaram a saudade que sentia dos amigos e de Muzambinho.


Dois fatos em 68 mudaram a vida de Milton Neves: o fechamento da rádio Continental e a insistência da tia, que o mandou fazer cursinho em Curitiba.

Auge da repressão militar, foi fácil para os políticos de oposição a Sebastião Del Gaudio, que a rádio apoiava para prefeito, solicitar o fechamento daquela emissora clandestina. Do Dentel de Pouso Alegre veio a ordem levada por dois fiscais a Muzambinho. Numa manhã de 68, às 10:21 horas, no meio da música "Mi Viejo", cantada por Piero, a Continental saiu do ar para nunca mais voltar.

Sem emprego, Milton Neves fazia bicos como locutor em tudo o que era evento: de feira a rodeios, de quermesse a formatura. Cursou o técnico em Contabilidade para agradar a tia e sem saber motivou-a a pagar sua primeira viagem . O irmão Homero fazia cursinho em Curitiba e para lá foi mandado Milton Neves, em 71, aos 19 anos de idade. Partiu dia 21/02/71.
Ele confessa que foi chorando. Com quase 20 anos nunca tinha ido além de 150 quilômetros de Muzambinho. De carona do DKW de Jorge Pimenta, gerente do Banco de Crédito Real, lá foi ele para sua grande aventura.
Se a passagem por São Paulo já foi um susto, a BR 116 então nunca mais saiu de sua memória. Caminhões daquele tamanho Milton só havia visto em filme americano.

Em Curitiba, instalado clandestinamente na Casa do Estudante Universitário-CEU, ele conheceu o frio. Matriculado no curso Bardal, preparatório para universidade, Milton Neves foi à luta procurando um lugar em qualquer emissora de rádio da capital do Paraná.

"Na BR 116 eu só levava susto. Caminhões daquele tamanho eu só tinha visto na televisão em filmes norte-americanos."


Bateu em muitas portas. Na Universo, Pirajá Ferreira prometeu e não deu emprego. Na Cultura, Dirceu Graeser alegou que não tinha vaga mas que o garoto tinha futuro. Acertou. Foi na rádio Colombo seu primeiro emprego de radialista. O primeiro registro na carteira de trabalho.

A rádio não estava em boa fase. Pouco dinheiro, pouca audiência. Milton assumiu logo a "Diretoria do Departamento de Esportes". O "departamento" tinha ele e Victor Marcassa, ex-árbitro de futebol, que comentava a atuação dos juízes. Erwin Bonkoski, o dono, não era bom patrão. Tenho péssima lembrança daquele senhor, hoje político do Paraná, mas do irmão dele Milton Bonkoski gostava bastante.
Apesar da fase ruim da rádio, o trabalho de Milton Neves começou a ser reconhecido no Paraná. Bira, lateral-direito do Ferroviário, foi o primeiro jogador a elogiar. Num programa esportivo disse que ele era o melhor cronista de futebol do Estado.

A estréia de Milton num estádio foi em um zero a zero no maior clássico paranaense: Coritiba e Atlético. Em 71 o Coritiba tinha um dos melhores times do Brasil, a ponto de Milton lembrar até hoje sua escalação: Célio, Hermes, Pescuma, Cláudio Marques e Nilo; Hidalgo, Renatinho (Negreiros) e Leocádio; Tião Abatiá, Paquito e Rinaldo. O técnico era Tim, Elba de Pádua Lima.

Milton também não esquece que, acabrunhado no meio de tantos repórteres esportivos no estádio Belfort Duarte, do Coritiba, vivia assediado por um jogador jovem, magrelinho, que queria sempre dar entrevista. Muitos anos depois, aquele pequenino, magrelinho, freqüentou por muito tempo a seleção brasileira: seu nome, Dirceu.

Mas Curitiba, definitivamente não havia atraído Milton Neves. Hoje, relembra que nunca mais voltou à capital do Paraná a não ser numa escala de vôo que o levou à lua-de-mel, dia 08/07/78, em Foz do Iguaçú, Hotel Salvatti.

Decidido a voltar para Muzambinho, deixou a rádio e marcou a data: 20 de outubro de 1971, 4ª feira. Comprou a passagem para bem tarde da noite, com tempo para assistir ao jogo de seu time, o Santos, que faria uma partida contra o Coritiba pelo Campeonato Brasileiro daquele ano.

" No estádio do Coritiba tinha um magrelinho que vivia pedindo pra dar entrevista. Era o Dirceu, aquele da Seleção, que na época já fazia o seu marketing."

Às oito da manhã lá estava Milton Neves à porta do hotel Ouro Verde para ver seus ídolos de perto pela primeira vez, no centro de Curitiba. O vôo e ônibus do Santos se atrasaram e só às duas da tarde ele pode ver com emoção, a descida de Davi, Edu, Clodoaldo, Lima, Cejas, Ramos Delgado, Mazinho e quase aos prantos, o hoje seu grande amigo Pelé. Foi a glória.

Antes de subir no ônibus da viação Pluma, para deixar definitivamente Curitiba, ainda assistiu à melhor exibição do time local na competição, vencendo o grande Santos por 1 a 0, com gol do artilheiro Tião Abatiá.

CORONEL MILTON NEVES

Se tem uma coisa da qual Milton Neves mais se orgulha, é do grande número de amizades que conseguiu fazer nestes 33 anos de carreira jornalística. Além de jogadores, técnicos, preparadores físicos e locutores esportivos, ele também tem outras amizades fora do futebol. Uma delas faz sucesso na televisão. Trata-se do escritor Benedito Ruy Barbosa, que entre outras obras possui em seu currículo telenovelas de grande audiência como "Pantanal" e "Renascer".

Hospede freqüente da casa de Milton em Muzambinho, onde ambos passam horas conversando na quadra de esportes denominada "Centro Esportivo e de Lazer Terceiro Tempo", Benedito fez uma homenagem ao amigo na novela "Renascer", da Rede Globo. Em determinado capítulo incluiu na fala do coronel José Inocêncio (Antônio Fagundes), uma referência a um tal coronel Milton Neves de Muzambinho. Rendeu um semestre de comentários... "O mundo vê e ouve a Globo". Incrível, diz Milton Neves.