Internauta, obrigado por se interessar pelo saudoso Dallakjan Sarkis.
 
Abaixo, você saberá o que eu pensava dele, o que ele representou para meu trabalho de preservação da memória do futebol brasileiro e saberá como era Sarkis, verá como era seu apartamento, verá algumas de suas fotos e lerá o humano texto que por e-mail recebi de um seu ex-compatriota armênio, nascido em 19 de janeiro de 1913. Sarkis morreu aos 91 anos, em 14 de janeiro de 2005.

TV SARKIS

"E aí, toca o telefone. Era um certo Sarkis, com voz carregada, sotaque forte de árabe, hebraico, polonês, húngaro, sei lá, não me lembro bem. Ele queria me oferecer fotos, fotos de times e jogadores de futebol. Eu estava começando em 1994 a ser "colunista", numa loucura do Arnaldo Branco que Sérgio Xavier, de Placar, e Nilson Camargo, deste Agora, não abortaram. Fui até o apartamento do fotógrafo Sarkis. Avenida Rio Branco, centro velho, prédio feio, cinzento, homens estranhos, mulheres não casadoiras de vida nada fácil, portaria de hotel de filme afegão e elevador (manual) londrino dos tempos de Jack, o estripador. Cheguei, o velho Sarkis disse-me de cara que eu era "um bem intencionado historiador", mas com fotos paupérrimas. E ele dormia entre elas, dentre elas e com elas. O apartamento era um imenso sótão com caixas e mais caixas de fotos-papel, pilhas de livros, sofás puídos cheios de estranhas máquinas fotográficas, numa desordem completa que me apaixonou. É que Sarkis, no seu mundo particular de vida ao lado de ninguém, tinha milhares de fotos daquilo que mais gosto, além de minha família e de tentar entender o mundo maravilhoso do vinho: jogador de ontem, jogador de futebol "véio". É uma questão de gratidão. Quem jogou futebol e falou de futebol no rádio, forjou meu norte, à deriva até 1971.

E Sarkis tinha o que eu mais queria: fotos de 63, 64, 65, 66, os anos mais felizes de minha vida a bordo de meu velho rádio GE de capa de couro marrom. Aflito, sôfrego, as fotos que via no soturno apartamento davam vida, a cada segundo, a quase tudo que havia ouvido nas vozes de Pedro Luiz, Edson Leite e, principalmente, de Fiori Giglioti. Sarkis pediu três reais por foto. Paguei cinco, levei 615 delas. Em 11 anos de coluna, que não falhou um só domingo, quase todas foram publicadas e, no cantinho, as letrinhas sempre fizeram justiça: "Foto Sarkis". Nem sei se ele via, lia ou se sentia algum prazer. O meu foi e continuará sendo indescritível. Sou bom de rádio, apesar que já fui um Barcelona e hoje estou mais para uma Portuguesa, digamos, em boa fase. Na TV, sou Guarani, e, escrevendo, o Hepacaré de Lorena ou o Seleto de Paranaguá. Mas em duas coisas sou parada dura para perder: na gratidão e no amor ao boleiro de ontem. E boleiro para mim é todo aquele que calçou chuteira ou que empunhou um microfone esportivo. Conheço um pouquinho de cada um deles depois de tanto ouvir, ler e ver. E sabem qual foi a melhor emissora que eu vi em toda minha vida" A TV Sarkis. É que essa TV me fez ver quase tudo que só ouvia em Minas e que tanto queria curtir nos estádios e não podia. Mas estou muito triste, mesmo tendo hoje tanta TV para ver o que e quando quiser. É que a principal delas se apagou. As válvulas de minha velha TV Sarkis não agüentaram mais. Sarkis morreu".

Milton Neves

Confira o e-mail que Milton Neves recebeu do conterrâneo de Sarkis.

"Bom dia Milton Neves, anexo encaminho fotos do querido Sarkis. Uma sendo sua carteira de associado da Federação Paulista de Futebol de Salão, uma outra seu auto retrato quando jovem e recém chegado da Alemanha e outras de seu apartamento aonde o senhor teve a oportunidade de estar com ele e fez comentário em sua brilhante crônica no domingo de 22/05/2005 na rádio Jovem Pan, que particularmente gostaria de ter uma cópia.

Procurarei num breve relato apresentar o perfil desse amigo. Sarkis era uma pessoa de temperamento difícil mas muito franco. Falava aquilo que pensava e não media as palavras. Talvez por ter sido vítima da crueldade humana, combatente que foi da 2a. guerra mundial aonde chefiou uma tropa do regimento das tropas russas que combatiam na frente contra a Alemanha de Hitler. Ela nasceu numa cidade chamada de Vanandzor, distante 40 km da Capital da Armênia, Erevan. Com o término da 2a. guerra mundial ele se estabeleceu em Berlim na Alemanha aonde exerceu o oficio de alfaiate, fabricante de calçados e por fim exercendo a função de Fotógrafo.

Chegou ao Brasil no inicio dos anos 50 aonde começou a exercer sua função de fotógrafo junto aos seus patrícios armênios que já estavam estabelecidos no Brasil. Teve uma inicio de vida muito difícil aqui entre nós. Mas pelo seu espírito de bravo lutador conseguiu vencer. Se tornou o fotógrafo oficial do São Paulo Futebol Clube clube que amava de paixão. Dessa função derivam todos seus trabalhos já conhecidos pelo senhor. Ele era um verdadeiro profissional da fotografia pois acompanhava pessoalmente todo o processo de produção das mesmas. Desde a técnica de fotografar até a revelação e ampliação com seus equipamentos sofisticados para a época que mantinha em seu laboratório no centro da cidade.

Foi acometido de diabetes no inicio dos anos 90 com 70 anos de idade. Em seu documento de Identidade já naturalizado brasileiro recebeu por um erro de tradução naturalidade da Turquia, e como é sabido pelos fatos a Turquia perpetrou contra o povo armênio no início do Século XX aquele que foi o primeiro genocídio em massa que até hoje é negado pelo governo da Turquia. Esse ano se relembra os 90 anos daquele horrendo momento da página da humanidade. Sarkis nunca aceitou aquele erro cometido que por fim foi corrigido em Dezembro de 2004 quando conseguiu tirar um novo RG dessa vez com sua real Naturalidade a Armênia. Gostava de se reunir com amigos e jogar o Gamão e de apreciar a culinária de sua longínqua Armênia. Já muito adoentado veio a falecer no dia 14/01/2005.

Quero nesta oportunidade reverenciar o companheiro Sarkis de saudosa memória com quem passei seus últimos anos de vida e também de parabenizar essa pessoa que é o Milton Neves, que tal qual o Sarkis saiu do interior esquecido de um País e através de muita luta, dedicação e noites passadas em claro se tornaram referência em suas artes. Arte sim pois é uma dádiva Divina.
Espero ter colaborado com Milton Neves e sua equipe e parabenizá-lo por tão brilhante trabalho em prol do desporto brasileiro, aliviando da dura realidade esse povo tão sofrido e fazendo ele sonhar através de suas palavras e colocações.
Atenciosamente,

Eng. Carlos Garabet Giovoglanian"
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