"Levantar a mão", publicada primeiramente no jornal "O jornal "O Estado de São Paulo" e também em seu livro "Antes de Madonna", é um texto presente em murais de diversas Associações de Alcóolicos Anônimos.
ABAIXO, ÁUDIO DA CRÔNICA "LEVANTAR A MÃO", DE RAUL DREWNICK, COM LOCUÇÃO DE MILTON NEVES DURANTE O "DOMINGO ESPORTIVO" DA RÁDIO BANDEIRANTES, EM 13/04/2014
Houve tempo em que minha maior preocupação diária, depois de acordar, era desvencilhar-me imediatamente do pijama, tomar uma chuveirada, vestir-me e sair logo, para ir encostar a barriga no primeiro balcão. Nunca fui comerciante, mas nessa época poderia ter sido - e dos bons. Era uma figura mais presente nos bares que os próprios donos. Meu amor a esses estabelecimentos era comovente. Chegava muito cedo e, quando saía, geralmente de madrugada, quase sempre era sob protesto. Às vezes, precisavam pôr-me para fora.
Duas instituições impediam que eu me entregasse ao copo em período integral: o trabalho e a família. O primeiro me roubava, de segunda a sábado, pelo menos cinco irrecuperáveis horas por dia. A segunda - mulher e, na época, dois filhos - submetia-me à sua tirania especialmente nos fins de semana: eu ansiava por me enfiar em uma bodega qualquer, para emborcar uns bons conhaques, e acabava indo parar em uma matinê de Tom e Jerry, em um teatrinho infantil ou em um cirquinho de periferia, onde minhas mãos, atacadas de inexplicável tremor nessa época, emborcavam não os cálices almejados, mas os algodões-doces, as pipocas e os refrigerantes que meus filhos me mandavam segurar, enquanto aplaudiam as peripécias da tela, as aventuras do palco ou as eletrizantes atrações do picadeiro.
Esses contratempos me exasperavam, mas não me desviavam de minha vocação. Nem podiam. Eu era um grande copo, possivelmente o maior de todos, e nada ia me tirar esse orgulho. Nem a família, nem o trabalho, nem o tremor nas mãos, nem as vacilações de memória que eu começava a notar. Não era nada grave. Simplesmente me acontecia, algumas vezes, acordar e não lembrar nem como tinha chegado nem como havia subido a escada até o meu quarto. Nessas ocasiões, minha mulher me dizia que eu viera carregado por vizinhos ou por motoristas de táxi. Naturalmente, eu não acreditava nela, nem dava atenção às suas censuras. Vestia-me depressa e corria para o bar. Lá me respeitavam.
Não perdi a confiança no meu taco nem quando ratos, cobras e morcegos passaram a invadir minha casa e meu sono. Tinha um remédio infalível: aumentar a dose. Numa das noites em que eu reforçava minhas defesas para enfrentar os pesadelos, saí do meu rumo, fui arrastado pela ressaca para os lados da praça João Mendes e, quando vi, estava, não sei como, na porta de - nada mais, nada menos - uma liga antialcoólica. O que me empurrou para dentro é uma questão que passo ao leitor. No dia, atribuí o impulso à curiosidade: ia conhecer meus opostos.
A reunião já havia começado. Umas cinquenta pessoas acompanhavam o relato de um senhor que, pelo aspecto, eu apostaria jamais ter tomado nada mais forte que um Biotônico Fontoura ou uma groselha. No entanto, ele nos garantia que, com aquela cara de santo, tinha sido capaz, antes de entrar na associação, de espancar a mulher dia sim dia sim, durante anos, sem nunca admitir que o fazia, porque o álcool transformava certos momentos de sua vida num buraco negro, inacessível à memória. Depois dele, outros convertidos falaram. E eram histórias tristes, de gente que estourava o cofrinho dos filhos, torrava a herança da mãe e desviava o dinheiro da firma para manter a barriga encostada no balcão. Ouvi uma, ouvi outra, ouvi todas e descobri que não estava entre opostos, mas entre semelhantes. Como eu, eles haviam julgado ser campeões e não passaram de perdedores até o dia em que, finalmente, reconheceram isso.
Quando o coordenador da reunião perguntou se havia ali mais alguém escravizado pelo álcool e disposto a se libertar, cinco homens de rosto sofrido levantaram timidamente a mão. Eu era um deles e não me arrependo do gesto, passados vinte anos. Espero que os outros quatro também não.
(Crônica publicada em 22/8/89 no Estadão e incluída no livro Antes de Madonna, da Editora Olho d´Água.)
Em 20 de julho de 2014 recebemos o seguinte e-mail de Raul Drewnick:
Raul Drewnick DrewnickMarcos, várias pessoas, até amigos com quem há muito tempo não converso, têm me falado da generosidade do Milton ao repetir aquela crônica sobre o alcoolismo. Hoje foi assim. Lembrei-me então deste outro texto, feito para o Diário Popular, em que tratei do mesmo assunto. Se o Milton quiser, pode dispor dele sem problema, até sem me citar, se ele julgar que essas memórias alcoólicas podem fazer bem a alguém. Agradeça-lhe, por favor, essa gentileza que ele sempre tem comigo. Espero que o Lucas e você estejam bem. Abraços
Abaixo, o texto de Raul Drewnick mencionado no e-mail, publicado no Diário Popular em 9 de fevereiro de 2000:
Em 7 de dezembro de 2014 participou da coluna "Personalidade", na página de Milton Neves no jornal Agora S.Paulo, também veiculada no Portal Terceiro Tempo. Veja, abaixo:
Qual o seu time?
Corinthians.
Qual o jogo mais marcante que você assistiu?
Corinthians 1 x 0 Ponte Preta, final do Paulistão 1977.
Qual a sua seleção de todos os tempos?
Gylmar; Zé Maria, Domingos da Guia, Gamarra e Wladimir; Roberto Belangero e Sócrates; Cláudio, Luizinho, Guerrero e Rivellino.
Qual a camisa mais bonita?
A número dois do Corinthians, com listras verticais.
Qual o melhor e o pior esporte?
Melhor: futebol. Pior: MMA.
Em que rádio você ouve futebol?
Rádio Bandeirantes.
Qual revista que você lê?
"Veja".
Qual o melhor e o pior presidente da história do Brasil?
Melhor: Itamar Franco. Pior: Fernando Collor.
A personalidade marcante em sua vida.
Lourenço Diaféria.
Narrador esportivo de TV e de rádio.
TV: Milton Leite. Rádio: José Silvério.
Comentarista esportivo de TV e de rádio.
TV: Maurício Noriega. Rádio: Juarez Soares.
Repórter esportivo de TV e de rádio.
TV: Mauro Naves. Rádio: Wanderley Nogueira.
Apresentador esportivo de TV e de rádio.
TV: André Rizek. Rádio: Milton Neves.
Apresentador de auditório de TV.
Nenhum.
Melhor ator e melhor atriz no Brasil.
Tony Ramos e Lília Cabral.
Jornalista de TV.
Sem preferência.
Programa esportivo de TV.
"Loucos por Futebol".
Quem melhor escreve sobre esporte no Brasil?
Xico Sá.
O melhor e o pior cartola.
Melhor: Andrés Sanchez. Pior: José Maria Marin.
O melhor e o pior técnico.
Melhor: Tite. Pior: Lazaroni.
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