Bruno Freitas
Do UOL, em São Paulo
Algumas derrotas em Copas demoram a calar na alma brasileira, mesmo se estão décadas atrás na história. Uma delas é a de 1990 para a rival Argentina, quando Maradona destruiu a melhor apresentação da seleção de Sebastião Lazaroni em um único lance, porém genial. Mas uma circunstância em especial mantém aquele revés de Turim por 1 a 0 como um artigo pendente na cabeça do torcedor: a trapaça da "água batizada" com o lateral Branco.
No episódio em questão, o brasileiro saiu de sintonia em campo após pedir para beber água de uma das garrafas que o massagista argentino carregava. Anos depois, Maradona admitiu sem constrangimento a trapaça, em aparição na TV de seu paÃs. De fato Branco foi baqueado por substâncias misteriosas preparadas premeditadamente para pegar os adversários desprevenidos [em detalhes no vÃdeo abaixo, em espanhol].
Em entrevista ao UOL Esporte por telefone, do Qatar, Lazaroni criticou o expediente argentino e colocou em dúvida as campanhas bem-sucedidas da "era Maradona". O treinador da seleção em 1990 deixa no ar a pergunta se Branco foi o único adversário a cair na pegadinha da "água batizada" argentina naqueles tempos.
"Não foi história de boitatá, foi verÃdica, foi real. Os argentinos depois deram com a lÃngua nos dentes, com Maradona e companhia. A intenção dos argentinos era de sacanear o brasileiro", afirma o treinador.
"A gente se pergunta se isso aconteceu só contra o Brasil. E em 86, quando foram campeões, em 94 quando o Maradona foi pego no doping, será só coincidência? Fica a pergunta se foi uma conquista lÃcita, essa de 86", emenda Lazaroni.
Na entrevista abaixo, o atual técnico do Qatar Sports Club ainda rotula de "mentira" e "desrespeito" a reclamação de Neto sobre seu descarte na convocação da Copa de 1990 [o então corintiano acabou o ano como melhor do Brasil, mas na época da Copa ainda não era unanimidade]. Lazaroni também fala como vê de perto a preparação para o Mundial de 2022 e admite o sonho de voltar a dirigir um grande no Brasil. Confira:
UOL Esporte: Como tem sido a experiência no futebol do Qatar?
Lazaroni: Foi uma passagem que acabou se estendendo. Tinha proposta para uma temporada, mas já estou na sexta [chegou a dirigir a seleção local por cinco meses]. Tem sido um desafio, tentar colaborar com o desenvolvimento do futebol local, mas não é fácil. Estou tentando dar a minha contribuição. Houve uma queda no número de brasileiros. No ano passado eu fui o único. Agora vieram o Zico e o Edu (Al Gharafa), grandes amigos e grandes profissionais. Estamos tentando levantar a bandeira de uma escola vitoriosa, que dominou no passado. Mas hoje está faltando uma retomada maior.
UOL Esporte: O senhor acredita que o futebol brasileiro saiu de moda aà no mundo árabe?
Lazaroni: Teve o João Havelange, que no passado abriu as portas para gente como Zagallo, Parreira, Telê, Dino Sani, Didi. Nos últimos anos ficou esquecido esse lado. Mas também pelo futebol apresentado pelo Barcelona, depois com a seleção espanhola ganhando tÃtulos. Mas graças a Deus essa vitória do Felipão na Copa das Confederações, com essa retomada, o futebol brasileiro conseguiu reencontrar seu bom futebol.
UOL Esporte: O senhor tem acompanhado, de perto, a preparação do Qatar para a Copa de 2022. Recentemente a imprensa inglesa fez denúncias contra as condições de trabalho dos operários nas obras do Mundial. Você chegou a tomar conhecimento de alguma coisa neste sentido? Como tem sido essa preparação?
Lazaroni: O paÃs é um canteiro de obras. Mas ainda não de estádios, são mais obras de mobilidade urbana, de metrô, na parte terrestre, marÃtima também. A cada mês você vê a transformação, o crescimento. Assisti a uma exposição de como apresentaram o projeto da Copa de 2022. Mostraram a paixão da famÃlia real, a promessa de dar ao torcedor o maior conforto, agilidade. Em um dia, o torcedor poderá ver até três jogos. Além de toda a coisa futurista. Esse é o maior objetivo. Olho por esse lado. Além disso, na seleção, precisa ter mais garotos na base, para surgir mais talento de qualidade. Agora, sobre essas matérias que saÃram, procuro não falar, porque não é a minha área.
UOL Esporte: O senhor ainda sonha em voltar a comandar um grande do futebol brasileiro [no passado dirigiu Flamengo, Vasco, Grêmio e Botafogo]?
Lazaroni: Como brasileiro, vou voltar, tenho certeza disso. O treinador não é a primeira palavra no futebol, é a última. Mas sempre estou na expectativa de que um clube tenha confiança no nosso trabalho. Daquilo que a gente apresenta como cartão de visita, do nosso trabalho, que se estabeleça um convite. Mas precisa ser um projeto de qualidade. O sonho é real enquanto a gente tem saúde [o contrato de Lazaroni no Qatar termina em maio de 2014].
UOL Esporte: Falando sobre a Copa de 90, o insucesso daquela seleção acabou marcando especificamente o Dunga. Aquele momento da seleção ficou marcado para a posteridade como a "era Dunga". Foi um rótulo merecido para ele?
Lazaroni: Era a era Dunga, era Taffarel, Aldair, Ricardo Rocha, Mozer, Careca, Valdo.... não se faz um Mundial só com um jogador. Mas a intenção de quem falava isso era de denegrir, não é assim. Mas graças a Deus aquele mesmo grupo conseguiu dar a volta por cima. O Dunga em 94 foi importante, como capitão no Mundial dos Estados Unidos.