O vento gelado bate no rosto, e o sol da primavera alemã não é suficiente para que os casacos sejam dispensados. Ao saltar do trem na estação Kopenick, na região leste de Berlim, e seguir por um caminho de quase dois quilômetros, boa parte dele passando no meio de uma floresta de altos pinheiros que fazem muita sombra aos milhares de torcedores que seguem em direção ao Stadion An Der Alten Forsterei, a sensação é de que algo muito especial está por vir.
Não estamos em um lugar qualquer. A atmosfera é diferente. O fanatismo daquelas pessoas vestindo vermelho e branco e carregando suas cervejas nas mãos indica que definitivamente não estamos em um ambiente daquelas que passarão despercebidos.
Cerca de 15 minutos caminhando depois de sair do trem, chegamos ao estádio do Union Berlin, um clube pequeno da capital alemã, profundamente afetado pelas duas guerras mundiais e também pela divisão alemã, que perdurou mais de três décadas.
De cara, não parece que chegamos a um estádio da elite do futebol alemão. Uma multidão de torcedores se amontoa nos portões aguardando para entrar, num ambiente que mais parece o do futebol brasileiro nos anos 80, com muita aglomeração e filas absolutamente desorganizadas. Mas tal qual o futebol brasileiro do passado, aquele aglomerado de fanáticos vai conseguir entrar no estádio e uma verdadeira festa terá início, formando-se um ambiente hostil para os adversários e de muito apoio ao time da casa, na prova de que nem sempre é nos grandes estádios e nas gloriosas arenas modernas que estão as grandes histórias.
UM TIME ESPECIAL ATROPELADO PELAS GUERRAS E PELO MURO
Se há um time alemão assustadoramente atingido pelos acontecimentos históricos que ocorreram no país, é o Union Berlin. Fundado em 1906, numa área industrial da capital, o clube viu boa parte de seus jogadores, dirigentes, funcionários e torcedores ser convocada para os combates da Primeira Guerra Mundial. Apenas 60% desses retornaram vivos.
Por sua localização na cidade, o Union tem uma origem profundamente ligada à classe proletária e viu boa parte de personagens partir novamente após a Segunda Guerra Mundial. Com a divisão da Alemanha, que colocou de um lado o bloco de países encabeçados pelos Estados Unidos, e do outro a União Soviética, Berlim foi dividida ao meio após o final da segunda grande guerra. O Union Berlin, sempre localizado na região leste da cidade, ficou na face oriental da capital, sob o domínio dos russos.
Coube ao Union, então, disputar o campeonato da Alemanha Oriental e, claro, uma liga com menos investimentos resultou em problemas financeiros para o clube, que se apequenou e chegou até a ser rebaixado para a segunda divisão do país, enquanto o Dínamo, time que contava com o apoio soviético, crescia e conquistava títulos.
Da parte de quem vivia no lado oriental, a vida não era maravilhosa, mas estava longe de ser o pior dos mundos, como relata um dos torcedores do Union, que ajudou a lotar o Forsterei naquela tarde de domingo de abril de 2022, o senhor Hogel, que cresceu na Berlim Oriental. Surpreendendo a todos que aprendemos que a face soviética da capital alemã vivia na miséria, enquanto o lado ocidental navegava em águas de desenvolvimento e prosperidade, Hogel assegurou que a vida estava longe de ser ruim.
"As coisas são melhores agora, mas no passado era bom também. Era diferente do que é agora. Hoje estão todos juntos, tudo misturado (...) Quando as pessoas da Berlim Oriental viajam de férias para o outro lado (do muro), as pessoas da Berlim Ocidental pareciam viver de uma maneira estranha", disse.
"(O grande problema) era que a Berlin Ocidental pegava tudo (do lado oriental) e levava todas as pessoas", explicou o veterano torcedor.
Os anos da Guerra Fria passaram-se e o Unión se tornou um símbolo anti-establishment e da união dos alemães, que encontraram no clube um lugar comum durante a divisão do país.
Durante esse período, mesmo com dificuldades, o Unión se colocou como um clube rebelde dentro de uma cidade rebelde. Trata-se de um clube vivo, inserido numa cidade viva, um casamento pulsante, intenso, empolgante, que manteve o Union vivo, apesar das muitas dificuldades nos tempos do Muro.
A TORCIDA QUE COLOCOU A MÃO NA MASSA E DEU O SANGUE (LITERALMENTE) PELO TIME
Ao visitar o Union, fica claro que a ligação do torcedor com o clube é diferente de tudo que conhecemos. A fidelidade, a vontade para cantar cada vez mais alto, a disposição para apoiar a equipe sem parar, ainda que não seja possível ver o jogo - é comum nas arquibancadas do Forsterei ver dezenas de torcedores impedidos de ver grande parte do gramado de jogo por conta dos muitos pontos cegos do estádio, mas eles não estão lá como consumidores, e sim como torcedores. E cantam como se não houvesse amanhã para empurrar a equipe, na comprovação de que ali há uma relação única.
Tão única e tão especial que chegou ao ponto de os torcedores colocarem a mão na massa para reformar o estádio. Em 2009, o Union Berlin ainda disputava o acesso (que só veio dez anos mais tarde) e precisou se adequar às regras da Bundesliga, mas, sem dinheiro, não tinha condições de investir em uma reforma. Mais de dois mil torcedores, então, se cadastraram como operários voluntários, somando 140 mil horas de serviço para colocar a reforma em prática.
Em 2011, o clube inovou e, ao invés de vender os name rights do estádio para uma grande empresa, decidiu colocar em prática um projeto diferente, vendendo o estádio àqueles que o colocaram de pé: O Union vendeu ações do Stadion An Der Alten Forsterei aos torcedores, que tinham a oportunidade de comprar até dez ações pelo valor de 500 euros cada. Foram mais de dez mil cotas vendidas.
Anos antes, em 2004, quando o clube estava na quarta divisão e atravessava grave crise financeira, com chances reais de fechar as portas, foi criada uma campanha em que os fãs se uniram para uma grande campanha de doação de sangue. Com o dinheiro levantado pelas doações de sangue, o clube conseguiu aliviar a crise.
QUANDO O JOGO POUCO IMPORTA E O ATO DE TORCER SE RESSIGNIFICA
O estádio An Der Alten Forsterei comporta pouco mais de 22 mil torcedores, mas naquela tarde de abril de 2022 parecia ter muito mais gente para empurrar a equipe da casa contra o Eintracht Frankfurt. Era um jogo difícil, o rival havia batido o Barcelona dias antes pela Liga Europa e terminaria o torneio continental campeão algumas semanas mais tarde. Mas as grandes torcidas gostam dos grandes desafios.
Alguns bons minutos antes da partida começar, quando boa parte da torcida ainda tentava entrar no estádio - eu inclusive -, a festa já estava a todo vapor nas arquibancadas. Uma música muito alta (um bom e velho rock´n roll num volume absurdo) e gritos dos torcedores que pareciam ir para a guerra, mostravam que o clima era quente.
Ao entrar no setor 2 das arquibancadas do Forsterei, área do ingresso mais barato e que também comporta o Ultras do time berlinense (os Ultras são como as torcidas organizadas do Brasil), a sensação é de que não cabe mais uma agulha no estádio. Arquibancadas absolutamente lotadas, uma dificuldade imensa de caminhar e buscar um lugar para assistir ao jogo, e um clima muito hostil para os rivais. De cara, este jornalista saca uma câmera para filmar a bonita e imponente festa da torcida da casa e, em questão de segundos, dois torcedores raivosos impedem a gravação: enquanto um bate na câmera, outro grita a todos pulmões em tom opressor. As palavras em alemão até assustam, e, embora não entenda uma vírgula sequer da língua local, o recado foi compreendido: "você veio aqui para torcer e não para filmar ou fazer fotos para o Intstagram".
O jogo se inicia da melhor maneira possível: com 20 minutos do primeiro tempo, já estava 2 a 0 para os mandantes, gols de Awoniyi e Promel. Mesmo com a vantagem no placar, a torcida não para um segundo, como destaca o jovem torcedor do Union, Renic, de 18 anos.
"É algo que vem do coração, entende? O sentimento é diferente!", declarou.
"Estar aqui o Forsterei é muito especial, porque você vê, está 2 a 0, o Frankfurt não é um time ruim, eles jogaram contra o Barcelona e venceram… é um sentimento que vem do coração (...) O time ama seus torcedores", completou o jovem fanático torcedor do Union.
A partida se encerrou com a vitória por 2 a 0 dos donos da casa. Mas após o apito final, a torcida que ressignifica o que é torcer não arreda o pé das arquibancadas, pelo contrário, parecem cantar até mais alto ao festejar com os jogadores.
O caminho floresta nos leva de volta às linhas de trem da cidade, muitos torcedores ficam num bar localizado a cerca de 800 metros do estádio, vão tomar mais algumas cervejas para celebrar. Fica claro, no entanto, que no Forsterei o resultado pouco importa. Ali há um clube apaixonado por sua torcida e dezenas de milhares de fãs dispostos a tudo pelo seu time. O Union Berlin e sua torcida formam uma história de amor. Mas não um amor clichê, dos romances e das novelas. Um amor real, que enfrenta as adversidades, disposto a abrir mão do que for necessário pelo bem do outro, que forma uma sintonia única, um amor verdadeiro, da vida real, que supera o que for e segue de mãos dadas, caminhando um ao lado do outro, aconteça o que acontecer.
Numa temporada histórica (a terceira consecutiva na primeira divisão desde que conseguiu o acesso em 2019), o Union Berlin terminou a Bundesliga na quinta posição, conquistando assim uma vaga para disputar a Liga Europa na próxima temporada. Empurrado e amparado por seus torcedores, o clube hoje vive tempos felizes, com muito a comemorar, cenário bastante distante daquele que vivia no período da divisão da capital alemã ou mesmo nas primeiras décadas pós queda do Muro. O time berlinense agora é um clube europeu, mas fica a certeza de que jamais deixará de ser uma equipe de Berlin!
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