Paulo Nobre levanta a taça de campeão brasileiro

Paulo Nobre levanta a taça de campeão brasileiro

Para alguns, o presidente que reergueu o Palmeiras. Para outros, o “agiota” milionário que colocou seu próprio dinheiro para se tornar “dono” do clube. Seja como for, algo é inegável: quando Paulo Nobre tornou-se mandatário em janeiro de 2013, ele encontrou um time prestes a disputar a Série B pela segunda vez em sua história e uma instituição atolada em dívidas; agora, em dezembro de 2016, após dois mandatos, ele deixa o Verdão como atual campeão brasileiro, dono da camisa mais valorizada do país e com um plantel que já desponta como um dos favoritos para a Libertadores de 2017.

Em seus últimos dias à frente do Palmeiras, Paulo Nobre recebeu o Portal da Band na sala da presidência do clube. Em uma entrevista de uma hora e quinze minutos, cheia de expressões em inglês e vocabulário típico do mercado financeiro, o dirigente explicou como funcionou o aporte financeiro ao clube, fez um balanço da sua gestão, criticou as torcidas organizadas e falou sobre jogadores como Dudu e Valdivia. Também tratou de sua proximidade com Marco Polo Del Nero, admitiu sofrimento com as críticas e revelou partes de seu lado palmeirense fanático, entre outros temas.

Abaixo, confira a primeira parte do bate-papo. A segunda será publicada nesta sexta-feira.

Como você avalia sua gestão?

Eu avalio como positiva, uma vez que a gente tinha a intenção de entregar um Palmeiras melhor do que recebemos. Em linhas gerais, acho que o objetivo foi atingido.

Algum arrependimento? Algo que, olhando para trás, você não teria feito?

Me arrependo muito, muito, muito de tudo que eu queria fazer e não tentei. Não só na presidência, mas na minha vida. Você ser proativo, tentar as coisas que se propõe, se elas não dão certo, não é para ter arrependimento, é para você aprender com os eventuais erros.

Há algum exemplo concreto de algo que gostaria de ter feito e não chegou a tentar?

Teria que fazer uma análise profunda, a gente encontraria várias coisas. Se saio sentindo que faltou algo? Sem dúvida. O Palmeiras é no limits, tem muita coisa que a gente se propõe a fazer, mas não consegue. Não é que não tentou ou deixou de tentar, é que não houve possibilidade. Eu sinto que o Palmeiras estava na UTI quando nós chegamos. Em 2013, era um clube praticamente falido. Hoje, a gente entrega o clube numa condição diferenciada. Porém, eu entendo que o Palmeiras ainda tem algumas doenças. Eu vejo o Palmeiras com um câncer que não pode ser tratado, precisa ser operado e expurgado da vida do clube. Isso eu não consegui fazer, infelizmente. Mas tenho certeza que num futuro próximo o Palmeiras consegue isso.

O que seria esse câncer?

Isso vocês avaliam.

No que você acha que acertou em cheio durante sua gestão?

Ter vingado um conceito simples, que a gente usa na nossa casa e muitas vezes os dirigentes de futebol esquecem: não gastar mais do que se arrecada. Acho que a maior vitória da nossa gestão foi ter reconquistado a autoestima do palmeirense e o respeito do mundo do futebol ao clube que foi o campeão do século 20. Já na segunda década do século 21, a gente pegou um Palmeiras totalmente arraigado no século 21. O sistema operacional do Palmeiras era o DOS (sigla para Disk Operating System, software rudimentar da Microsoft descontinuado em 2001). Isso não é modo de dizer, era o DOS! É louco falar isso, né? O palmeirense sempre teve orgulho de ser palmeirense, não importa a divisão, não importa ser ou não campeão. Mas uma coisa é você ter orgulho e estar com a autoestima alta, outra é ter orgulho e estar numa situação diferente. Quem tirou o Palmeiras do buraco em que estava, ou da UTI em que se encontrava, não foi o Paulo Nobre, foi a grandeza do Palmeiras. Eu não sou mágico. Não foi aporte financeiro, não foi nada disso. Eu não dei dinheiro para o Palmeiras, eu reequacionei as dívidas a médio e longo prazo, para você poder planejar o futuro. Mas quem não está aqui dentro não sabe que o Palmeiras já está devolvendo esse dinheiro e eu não coloquei mais um centavo. Por que isso foi possível? O Palmeiras é gigante, e sua massa crítica, quando está de bom humor, quando a gestão tem credibilidade, o palmeirense vem junto. E aí, Nossa Senhora, faz estrago, porque é muita gente junto investindo, com números cavalares. Hoje, a gente tem dois patrocínios master que vêm só do Avanti (programa de sócios). Isso ajuda muito. E eu afirmo: qualquer um que tivesse ganhado a eleição e trabalhasse com seriedade, responsabilidade financeira e que tivesse ganhado a credibilidade do palmeirense, não tenho dúvida nenhuma que essa pessoa tiraria o Palmeiras do buraco. O que talvez possa ter acontecido na minha gestão é que eu encurtei esse processo pelo fato dos aportes financeiros. Não tivessem os aportes financeiros, o Palmeiras sairia do buraco da mesma maneira, talvez demorasse um pouco mais de tempo.

Como se deu tecnicamente esse aporte financeiro?

Num primeiro momento, a gente fez um adiantamento de receita e eu vi que seria impagável, porque a taxa de desconto girava em 200% de CDI (taxa de juros cobrada por um banco para emprestar dinheiro). Na verdade, em 2013, o Palmeiras só teve 25% das receitas do ano todo. Em 2014, 70%. Se você somar o dinheiro que eu tinha em 2013 e 2014, não dava o dinheiro de um ano. Mas isso é picotado durante esses 24 meses. Se você trouxesse tudo para valor presente, não é que você conseguiria gerir o primeiro ano e não teria dinheiro para o segundo. Eu teria dinheiro para sete ou oito meses do primeiro mandato e mais nada até o final. Eu falei: isso não vale a pena, vou tomar dinheiro no meu nome e passar para o clube nas mesmas condições que o mercado fazia. E por que para mim é muito mais barato? Por dois motivos. Primeiro, porque minhas garantias são garantias reais. Não é um imóvel, são ações que o banco pode transformar em dinheiro em três dias. Segundo, não existe risco de imagem nenhum em cobrar as garantias do Paulo Nobre, pessoa física. Banco não gosta de emprestar dinheiro para três instituições: time de futebol popular, hospital e igreja, porque se ele tiver que executar, o risco de imagem é muito grande. Isso também entra no preço. Para mim não tinha esse risco. Então, obviamente, é muito mais barato. O que o Palmeiras pegava a pouco mais de 200% de CDI, eu pegava a 110%, 115%, 111%. Um dia, a Carolina Chiofetti, que é minha braço-direito no mercado financeiro, falou: Paulo, não tapa o sol com a peneira. Quem está emprestando dinheiro para o Palmeiras não é um banco, é você. Se o Palmeiras não pagar vão executar o seu patrimônio. Por que você não empresta direto para o Palmeiras? Fica até mais barato. O objetivo não é deixar a coisa mais barata para o clube? Tira o intermediário, que é o banco. Aí a coisa acabou ficando a 100% de CDI. Eu cheguei a ver time pegando dinheiro a 300% de CDI. Até vieram a perguntar se eu poderia fazer uma taxa mais em conta e eu falei: desculpa, mas todo o meu patrimônio eu estou colocando aqui no clube, eu não sou um banco. Infelizmente, eu não tenho o tamanho que as pessoas acham que eu tenho. Eu comecei a emprestar para o Palmeiras na mesma taxa que o banco captaria dinheiro no mercado. Por isso que falam que é um valor de pai para filho. O palmeirense vai perceber tudo isso quando eu não estiver mais na presidência e a roda vai continuar rodando. O clube vai continuar pagando o dinheiro aportado e vai continuar muito forte esportivamente.

Você não tem receio de que no futuro, por exemplo, alguém da oposição assuma o clube e deixe de te pagar?

Eu tive a prova disso. Numa hora deu um descasamento de fluxo financeiro e eu falei: faz o seguinte, esse mês não me paga. Me paga o mês que vem. Mas me falaram: presidente, não tem como. Nem o senhor como presidente, nem o senhor como credor pode ter essa ingerência do jeito que a gente fez. O que o senhor pode fazer é receber o dinheiro e reaportar no clube. Mas não pagar, não tem como. Isso não está mais nas mãos do Palmeiras e nem na sua como credor. Por quê? Porque o dinheiro entra todo numa escrow account (garantia prevista em um contrato ou acordo comercial que é mantida sob a responsabilidade de um terceiro) em nome do clube. Mas essa escrow na verdade é gerida por um banco que tem um mandato. Tudo que cair aqui, 90% vai para o operacional do clube e 10% vai para pagar o dinheiro aportado. E não tem como mexer nisso, não existe brecha. Eu afirmo a você: se entrar alguém que realmente me odeie, vai ter que continuar devolvendo o dinheiro que foi aportado da mesma maneira. A coisa foi feita com todas as aprovações justamente para eu poder sair da presidência tranquilo. Eu não tenho ingerência nenhuma no clube porque eu sou credor e eu estou protegido, vamos dizer, de maldades políticas que poderiam vir a acontecer. O que eu acredito que também não aconteceria, tá? Mas eu estou protegido disso também. Não tenho a menor preocupação”.

Há um número desse aporte de dinheiro? O Alexandre Mattos chegou a falar em entrevista que foram aportados R$ 200 milhões em 2013 e, em 2014, houve contribuição para as contratação dos jogadores argentinos e do Leandro...
É claro que há um número. Há um número público? É claro que não. A gente não abre isso, é uma questão interna do clube.

Como é para você, que sempre foi um palmeirense fanático, assistir aos jogos como presidente?

Durante os 90 minutos, im so sorry, sou torcedor, desculpa. Eu tento não tomar decisões no calor da emoção, eu tento não ir desabafar no vestiário depois de um jogo, de uma derrota, porque a gente sempre fala besteira. O torcedor está muito presente. Durante os 90 minutos, 100% torcedor. Claro, às vezes você contém um pouquinho tudo que você eventualmente tem vontade de fazer, agir e falar. Mas na hora do jogo era o meu momento, é o jeito que eu sei assistir jogo, não adianta.

Com relação ao seu interesse em comprar o estádio, há algo de verdade nisso?

Não tem nada de verdade. É mera especulação de todo mundo que toca nesse assunto por um motivo específico: quem detém os direitos nunca manifestou a vontade de vender. Como você pode falar de uma compra se quem tem os direitos não quer vender? Ou, pelo menos, não demonstra interesse em vender. Eu não tenho dinheiro para comprar.

Ser presidente do Palmeiras sempre foi um objetivo de vida?

Quando eu comecei a elaborar os sonhos da minha vida, do que eu ia ser, o que eu ia fazer, etc, eu sempre imaginei que eu ia fazer Direito. Acabei fazendo. Sempre sonhei ser um jogador de futebol do Palmeiras. Não era só jogador de futebol. Queria jogar no Palmeiras e, quando encerrasse a carreira, queria ser presidente do clube. Isso é um sonho que eu nutri desde muito pequeno. Eu entrei no Conselho do Palmeiras para seguir o sonho de tentar ser presidente. Eu não queria ser astronauta, eu queria ser presidente do Palmeiras. Eu não sou descendente de italianos, nunca tive ninguém da minha família que foi sócio do clube. Fui mascote do Palmeiras, fui de torcida uniformizada e fui subindo todos os degrauzinhos assim. Digamos que eu tive uma vida bem palmeirense a vida toda.

Como é sua relação com Marco Polo Del Nero? Você chegou ao Palmeiras através dele, não é?

“Eu cheguei a ser sócio do Palmeiras por causa dele. Eu jogava num clube da Granja Viana, ele era o técnico, e eu estudava com a Carla, filha dele. Ela falava muito de mim e um dia ele me disse: leva essa ficha para o seu pai, você precisa ser sócio do Palmeiras para um dia você virar conselheiro. A gente precisa de gente como você. Eu acabei me tornando sócio do clube em 1983. Em 1997, foi a primeira vez que o estatuto me permitiu concorrer (ao conselho). Eu pedi tanto para ele como para o presidente (Carlos Bernardo) Fachina. Eu precisava entrar numa chapa e não conhecia ninguém, aí eles deram um jeito de eu estar inscrito em uma chapa para concorrer.

E esse tipo de relação com o Marco Polo traz algum benefício institucional ao Palmeiras?

Nenhum. O doutor Marco Polo, quando foi presidente da Federação e agora na CBF, sempre me recebeu como amigo. Sempre que eu precisei desabafar ou pedir um conselho, foi tudo no lado pessoal. No lado de clube, talvez até por ele ser conselheiro do Palmeiras, ele sempre foi muito imparcial. Muito, muito, muito imparcial, talvez até para ninguém falar nada a respeito.

Desde a prisão do José Maria Marin, o Marco Polo não viaja para acompanhar a Seleção. Você acha que a CBF pode ser presidida por alguém com uma restrição dessas?

Eu acho que, pelo fato de ele não estar viajando, isso chama muita atenção. Se não fosse tudo isso e ele não viajasse, as pessoas não dariam tanto valor assim por ele não viajar. Eu não vejo que um presidente é melhor ou pior pelo fato de ele estar ou não viajando com a Seleção. Por exemplo, eu tive um mandato com certo sucesso esportivo e viajei sempre. O Mustafá (Contursi) teve muito sucesso esportivo em seu período como presidente e não viajava com a delegação. Eu vejo isso como um estilo de presidir, não como um fator determinante para uma boa presidência.

E a ligação com o Marin? Del Nero era o vice, eles eram aliados desde o início e houve todo esse problema que resultou na prisão. Isso seria prejudicial ou não tem nada a ver por ser outra gestão? Qual sua opinião geral sobre a gestão da CBF?

É difícil avaliar isso. Eu tenho tão poucos dados para poder fazer uma análise mais precisa sobre isso que você está perguntando... Eu não saberia o que dizer, não tenho elementos suficientes responder isso.

Você acha que colocou seu nome na história do Palmeiras?

Você virar presidente do clube, você está na história do clube. É triste falar isso, mas o (ex-presidente Luiz Gonzaga) Belluzzo não está marcado na história do clube? O (ex-presidente Arnaldo) Tirone não está marcado na história do clube? Qualquer pessoa que teve a honra de sentar nessa cadeira está marcada na história do clube. Eu gostaria, obviamente, de não ser lembrado como eles. Qualquer ex-presidente do clube está marcado na história do clube.

Quando o Paulo Nobre volta a ser presidente do Palmeiras?

Não sei se isso vai voltar a acontecer. Eu acho que há muitas pessoas capazes. Só espero que quem sentar nesta cadeira tenha responsabilidade e pare com esse papo imbecil de o Palmeiras é grande e paga. Está tudo errado. O Palmeiras não é grande, o Palmeiras é gigante. E pessoas que são arquibilionárias não jogam dinheiro fora, então por que o Palmeiras vai jogar? Que quem assuma o clube tenha responsabilidade financeira sem nunca esquecer que nós somos um clube de futebol e que temos que ter um futebol sempre competitivo, sempre protagonista, sempre candidato ao título. Não dá para ganhar sempre, mas tem que entrar com essa filosofia. Agora, se um dia vou voltar ou não, o futuro a Deus pertence. Hoje não me passa isso na cabeça.

E como vai ser o Paulo Nobre agora? Como você pretende atuar?

O Maurício (Gagliotte, eleito sucessor de Nobre) foi um vice-presidente muito leal, se dedicou muito nesses quatro anos. Ele vai contar comigo. Eu não preciso estar na diretoria, eu não preciso ser vice-presidente. Ele conta comigo para o que ele precisar, se ele precisar.

O que aquele Paulo Nobre adolescente, palmeirense fanático, acha do Paulo Nobre adulto, que levou o Palmeiras a dois títulos nacionais e acabou com a fila no Brasileirão?

Acho que eu, torcedor, teria ficado muito chateado – como a maioria da torcida ficou – ao final do primeiro mandato. E, naturalmente, como torcedor é muito passional... Eu acho que é passional demais, eu acho que me idolatram demais, é um exagero. Tem que saber que se não fosse um grande número de pessoas remando para o mesmo lado comigo nada disso teria acontecido. Mas eu acho que o torcedor Paulinho Nobre, dos anos 80, estaria satisfeito com o presidente que está deixando a presidência agora em 2016. Creio que sim.


Foto: portal Band

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