Quando vi o jornalista Joelmir Beting na TV pela segunda ou terceira vez, curei um sentimento de altÃssima rejeição ao programa "A Voz do Brasil", que desde os anos 1960 me afastavam de perto do meu pai, por causa do excesso de conteúdos econômicos e que eu não entendia patavinas.
Os termos da economia usados no jornalismo chapa branca, invenção de um amigo do ditador Getúlio Vargas, ainda hoje no ar (o programa e não Getulio, claro), eram mais que suficientes para erguer um muro entre eu e papai no comecinho da noite, logo após o jantar, sempre servido próximo da "Hora do Angelus", seguindo a tradição da região do Seridó, de onde vinham meus pais.
Foi graças a Joelmir, ali pelo princÃpio dos anos 1980, se não me engano na TV Bandeirantes, que eu e boa parte dos brasileiros passamos a entender o noticiário econômico e financeiro. No didatismo bem humorado do jornalista, era fácil compreender até os cálculos de um tal gatilho incorporado aos salários. Com Joelmir, o economês ganhou tradução nas esquinas, nas padarias, nas filas de bancos.
No auge do Plano Cruzado, quando as donas de casa de todo o Brasil colaram o bottom de "fiscais do Sarney" na lapela e saÃram por aà esfregando a tabela de preços congelados na cara de donos de supermercados, a popularidade de Joelmir disparou no mesmo nÃvel do "seguro-inflação", o reajuste automático de salários instituÃdo pela turma do ministro Dilson Funaro.
Eu estava morando em São Paulo, curtindo a primeira filha e consumindo o caldo de cultura local para não me sentir mais um nordestino deslocado no tempo-espaço da metrópole. Assinava a Folha, comprava o Estadão, ouvia os radiojornais da Band, Jovem Pan e Eldorado, e, principalmente, acompanhava tudo sobre o futebol paulista, inclusive indo aos estádios.
Nesse contexto de migrante residente, fiquei sabendo do lado esportivo de Joelmir Beting, do seu ofÃcio pregresso no futebol como comentarista. Lembrei imediatamente algumas figuras da imprensa de Natal, notórias nas editorias de polÃtica, economia e cultura e que tinham passagem pela crônica esportiva: Rubens Lemos, Paulo Tarcisio, Cassiano Arruda, Albimar Furtado, Rogério Cadengue...
Há alguns anos, quando Joelmir retomou os temas ludopédicos na TV, ao lado do filho Mauro Beting e noutras resenhas, imaginei-o fazendo uma viagem no tempo, revisitando os primeiros caminhos profissionais. Por motivos diametralmente distintos, óbvio, desejaria que o Faustão um dia fizesse o mesmo, voltando a ser repórter de pista e nos devolvendo o sossego dominical.
Joelmir Beting deixou-nos inúmeros bordões inteligentes e criativos, dignos de ficar nos anais acadêmicos para servir de referência aos futuros redatores e comentaristas, quiçá como fonte de estÃmulo a aprendizes de redação publicitária. São trocadilhos de sagacidade, como "quem deve não tem" ou "se você deve 10 mil, o banco lhe tem; se você deve 1 milhão, você tem o banco".
Mas, nenhum dos seus improvisos - nem mesmo aqueles que cunhou no auge da sabedoria de um decano - foi mais definitivo e perpétuo do que a expressão utilizada num arroubo de encanto diante de um gol maravilhoso do rei Pelé, numa tarde de domingo, no histórico estádio do Maracanã, em 5 de março de 1961.
Jogavam Fluminense e Santos em mais um embate do saudoso Torneio Rio-São Paulo. Já nos primeiros 4 minutos, Pelé abriu a contagem para os paulistas e o jogo se arrastou até aos 40 minutos com os goleiros Láercio (Santos) e Castilho (Flu) fazendo algumas boas defesas, mas nenhuma no campo do extraordinário.
Foi aà que os deuses do futebol concederam instantes de magia ao rei, privilégio aos quase 40 mil torcedores e inspiração ao jovem repórter Joelmir, que dali sairia para escrever o que viu nas páginas dos jornais "O Esporte" e "Diário Popular". Dizem que quem roubou a fita com as imagens daquele gol seria um homem rico hoje, se quisesse.
Pelé apanhou a bola na sua intermediária, tocada por Dalmo que havia ficado com a sobra de uma baita defesa de Laércio após um perigoso ataque tricolor. Um colunista da época compararia a marcha do craque de um campo a outro com a travessia da "Coluna Prestes" pelos cafundós do Brasil. Pelé antecipou em 25 anos os dribles de Maradona no "real team" da Inglaterra na Copa 1986.
Os adversários iam ficando pelo caminho, como guerreiros tombados num fracassado combate. O rei avançava altivo, a bola como extensão dos pés, um tropel de um homem só deixando para trás o rastro da sua glória. Os olhos de Joelmir Beting eram o testemunho técnico da cena e da narrativa do seu locutor, o cara certo no momento eterno.
Naqueles anos, se já não era fácil driblar o zagueiro Pinheiro, a muralha das Laranjeiras, mais difÃcil era reduzi-lo a um beque qualquer, como fez Pelé já dentro da área do Fluminense. Num ato desesperado de pura sobrevivência, o lateral direito Jair Marinho tentou bloqueá-lo e tomou um drible seco, deixando ao grandioso goleiro Castilho a salvação da honra.
O rei de 21 anos já tinha a conclusão da jogada planejada alguns segundos antes, só o tempo de arquear as sombrancelhas e dar aos olhos a visão da brecha aberta pelo arqueiro. Tocou leve no único espaço que Castilho não iria jamais impedir a trajetória da bola. Santos 2 x 0. O Fluminense baixou a crista, tomou outro gol, de Pepe, e só no último minuto do jogo descontou.
A visão daquele gol majestoso marcou para sempre o jornalista Joelmir Beting, que por sua vez também estampou nas sagradas escrituras do ludopédio uma definição que virou a mais apropriada adjetivação para um gol substantivo com o estilo dos gênios da bola. No texto do jornal, escreveu que a jogada de Pelé merecia uma placa alusiva no Maracanã.
E se vale o escrito, assim ficou a placa de bronze que, dizem, foi o próprio repórter quem tratou de encomendá-la, e que foi afixada no estádio carioca: "Neste campo, no dia 05/03/1961, Pelé marcou o tento mais bonito na história do Maracanã". Há três anos, achei as fotos do gol, em sequência, numa edição da Gazeta Ilustrada, que guardo como um tesouro.
Muito tempo após a epifania de 5 de março de 1961, Joelmir Beting brincou numa entrevista: "Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a placa do gol". Nessa madrugada de 29 de novembro, minutos antes de eu iniciar esse texto, Mauro Beting anunciou no Twitter a morte do seu pai.
Que ele, os amigos e todos os admiradores de Joelmir tomem minhas palavras como uma tentativa de narrar com afeto e respeito os comentários ilustrativos de um imenso jornalista que soube fazer nos atos de profissão coisas tão espetaculares, dignas dos craques na hora do gol. Do gol de placa. Eu quero palmas e placas para Joelmir Botengi.
Imagem: @CowboySL
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