Carlos Alberto Torres foi um típico caso de amor de fim de festa com o povo brasileiro

Carlos Alberto Torres foi um típico caso de amor de fim de festa com o povo brasileiro

Nós, os meninos natalenses de 1970, jogávamos bafo com chapinhas metálicas do Álbum Olé. Eram figurinhas diferentes das demais que todos colecionavam naqueles anos, feitas de alumínio ou aço, e que dificultavam o jogo de levantá-las numa tapa.

A vitória da seleção brasileira de futebol no México lançou o país numa euforia cívica que durou mais de um mês. O que deixou a gurizada em estado de graça e catapultou as vendas de tudo aquilo que se referisse a futebol, principalmente os craques do tri.

Nos corredores do Grupo Escolar Felizardo Moura, os intervalos eram preenchidos com a sopa estatal e com a empolgação privada dos meninos em louvação a Pelé, Tostão, Rivelino, Gérson, Clodoaldo, Jairzinho, Piazza, Everaldo, Brito, Félix e Carlos Alberto.

Eram os primeiros dias de julho, no retorno das férias escolares, e eu vibrei quando a saliva na palma da mão desvirou a chapinha do capitão. A trapaça valia a pena, já que nem a alma e nem vontade eram pequenas. Só me faltava Carlos Alberto.

O capitão do tri foi um típico caso de amor de fim de festa com o povo brasileiro. A Copa se iniciara com os shows de Pelé, Jair e Tostão, mas encerrara com o gol que se perpetuaria no imaginário coletivo de uma nação. No país dos generais, nós amávamos um capitão.

Nas primeiras aulas de literatura da singela escola, a imaginação de um moleque de 11 anos inseriu Carlos Alberto na poesia de Manuel Bandeira. Já adulto, percebi que misturara dois gênios naquela ingênua demonstração de fã e torcedor.

Na folha de um "borrão" da marca Pirajá, ousei atentar contra a obra do mestre pernambucano: "Bão que Bolão / senhor capitão / é gol, é gol / no meu coração / não é de tristeza / não é de aflição / o tri é do povo / senhor capitão".

Ora, se cada um de nós tem hoje uma visão para definir a bela conquista num lance - como "a marcha de Tostão", "os canhões de Rivelino", "o furacão em Jairzinho", "os pulos do gato Félix" ou "o passeio a caráter de Clodoaldo", eu tenho duas com o capitão.

Carlos Alberto pode ter nos garantido aquela copa com dois gestos e duas ações de grande líder. Primeiro, no duelo do século XX com a Inglaterra, deu uma porrada no ponta Francis Lee, que cutucava nossas canelas e até agrediu nosso goleiro. O inglês se aquietou e sumiu do jogo.

Segundo, a apoteótica corrida em diagonal, avançando sobre a área italiana, na partida final, para mandar aquele petardo que estabeleceu a goleada de 4 x 1 e a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Estas imagens se eternizaram com uma terceira pós-Copa: o capitão beijando o troféu.

Mas Carlos Alberto não foi apenas o capitão do tri, por mais que sua liderança e categoria tivessem sido suficientes para a FIFA ter lhe concedido o título de melhor lateral direito do século XX. Há muito mais insígnias e galões naqueles ombros de craque.

Já nos juvenis do Fluminense, ele apresentou suas armas comandando alguns títulos, e repetindo o feito na seleção brasileira juvenil. Aos 17, assumiu a posição de lateral no lugar de Jair Marinho, o titular que saiu por contusão, para se consolidar.

Destemido, vigoroso e extremamente hábil para um zagueiro, Carlos Alberto fez História no Santos de Pelé, uma máquina de gols e conquistas na década de 1960. Quando Zito deixou a equipe, adivinhem com quem ficou a braçadeira de capitão?

Por onde passou - no Botafogo, no Flamengo, no Cosmos de Nova York ou no Newport Beach da Califórnia - foi sempre um líder e o melhor lateral ou zagueiro direito das temporadas. Seu futebol vistoso e agressivo fez escola nas laterais do mundo todo.

O saudoso treinador Zezé Moreira se dizia impressionado com a capacidade de Carlos Alberto se adaptar em qualquer posição. Não por coincidência, ao encerrar a carreira, o craque se adaptou como técnico, dando títulos ao Flamengo e ao Fluminense.

Agora, meis século depois daquela alegria que tomou conta do Brasil no beijo do capitão na Taça do Mundo, e diante da notícia da sua morte, me vejo outra vez menino em Natal, jogando com os versos de Manuel Bandeira: "Bão que bolão / senhor capitão / peso mais pesado / não existe não". (AM)

Siga o colunista no Twitter e Instagram @alexmedeiros59

Foto: Reprodução

Últimas do seu time