A vaidade facilmente compreendida, epidérmica e caricata, transporta pulsão ao corpo, é a vitamina do tolo

A vaidade facilmente compreendida, epidérmica e caricata, transporta pulsão ao corpo, é a vitamina do tolo

A vaidade é a mais potente e útil das torpezas humanas. A vaidade é a mais famigerada demonstração de ausência absoluta de senso etéreo. Logo, ser vaidoso é consequência de incapacidade intelectual ou jactância? De modo algum, as vaidades mais pujantes que já testemunhei vieram sob vestimentas corriqueiras, corposbanais e mentes autodepreciativas, João Batistas sem o advento do Messias.

A vaidade facilmente compreendida, epidérmica e caricata, transporta pulsão ao corpo, é a vitamina do tolo, o doping moral, inofensivo e divertido como Cristiano e suas facetas no telão ou folclórica como a mulher que se acha mais gostosa do que suas colegas de serviço e, por isso, rebola no corredor da repartição com a autoestima de uma leoa que espera o vencedor da batalha para copular. A vaidade verdadeira, nuclear, é a convicção absoluta no Homem, no alcance da razão, e a perda hedionda de uma intuição que lateja na alma e sussurra: “ser bonito não basta, ser rico não é o suficiente, ser feliz é uma ilusão, e a inteligência não me causa nada além de mal-estar”.

Entretanto, poucas coisas são tão infantis como não admitir que certos mistérios tem respostas sem graça, dignas de uma palavra cruzada nível médio, e que não há glamour algum na maioria das coisas. Muitas perguntas que perduram no deserto da penumbra, são fuligens amorfas, esclerosadas, um rebento onde lixo e peixes coexistem.  Farei um verso sobre a valsa vienense, uma ode às mães e recitarei um poema sobre a minha Itabira, sobre a cadeira do meu velho pai encravada em minha memória, farei do banal o poema mais sublime, farei do meu cafofo o mar dos Lusíadas, do meu avô debilitado e adoravelmente rabugento o velho do restelo. Nada mais conheço, se é que um dia conheci, o modorrento cotidiano é adoravelmente compreensível.

Certo dia desses, um amigo divagou: “o que Raul estava pensando quando escreveu o início, o fim e o meio, invertendo a ordem lógica”? Pensei em várias hipóteses, naveguei por teogonias até psicodelismos, no fim admiti com a certeza da fome que a letra pode ser simples ironia lúdica e/ou jogo de palavras. O mito geralmente é muito mais saboroso do que o mistério desvendado. Masnão estou propondo uma forma estoica de se relacionar com tudo,a última vez que propus algo tão sério foi uma água de coco sábado passado, o coco estava quente.

Concluo que o vaidoso estético é um Hippie existencial, na impossibilidade de coexistência pacífica entre a sofisticação estéril do mundo das ideias, do inexorável, com a apreciação da mesmice palpável e automática do mundo sensitivo, esses jovens optam pela segunda, um gesto de humildade diante a gigante metafísica. Falo em termos de um tipo ideal, é desnecessário ressaltar que ninguém é qualquer coisa que seja como mera consequência daquilo que desiste de ser por não conseguir entender. Cristiano Ronaldo é Cristiano Ronaldo, não é a ausência de Afonsinho. Não há maior nobreza em um ou em outro, ambos almejam a glória absoluta, um a alcançando, o outro negando sua existência. “Tudo é vaidade e correr atrás do vento”.

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