Na coluna anterior a esta, "Involução do Boxe nos Jogos Olímpicos", escrevi que nos próximos Jogos Pan-americanos que serão realizados em Toronto (Canada) e os próximos Jogos Olímpicos que serão realizados no Rio de Janeiro (Brasil), os boxeadores não usarão mais os protetores de cabeça.
A afirmação acima está fundamentada por vivenciar na prática. Representei o Brasil nos Jogos Olímpicos de Moscou, 1980, que foi a última olimpíada sem protetores de cabeça.
Comecei a praticar boxe em 1974 na academia do São Paulo F.C., na rua Santa Ifigênia, centro de São Paulo, e minha estréia como boxeador amador foi na Forja dos Campeões de 1975 defendendo a academia Kid Jofre. Fui campeão na categoria de peso mosca-ligeiro (48 kg) em 10 de março e completei 16 anos de idade em 20 de março daquele ano.
Com a autorização e apoio dos meus pais fiz minha inscrição no campeonato Paulista daquele mesmo ano e para surpresa de todos, venci o campeão brasileiro da categoria mosca-ligeiro na luta final deste campeonato, fui campeão Paulista e garanti uma vaga na seleção brasileira de boxe para disputar eliminatória para os Jogos Pan-americanos do México, 1975.
A eliminatória foi entre Argentina, Brasil e Uruguai, até aquela data nossa referência no boxe amador e profissional era a Argentina. Todas as lutas deste Torneio foram disputadas sem protetores de cabeça e sem camisetas também. Eu perdi para o argentino Héctor Patri.
Assisti alguns trechos de lutas de boxe dos Jogos Pan-americanos do México em 1975 pelos jornais televisivos e vi pela primeira vez os boxeadores amadores lutarem com a camiseta dos seus países. Em 1978 aqui no Brasil, começamos a usar camisetas dos clubes, do Estado e também a do Brasil.
Nos Jogos Pan-americanos de 1979 e o Jogos Olímpicos de 1980 todos nós, boxeadores, disputamos com o calção e camiseta do nosso país e para identificação de quem era do córner azul ou vermelho, usávamos uma fita azul ou vermelha amarrada na cintura.
Nestas competições usávamos luvas pretas e brancas, com a parte da frente branca para facilitar a pontuação aos juízes da AIBA (Associação Internacional de Boxe Amador), só é marcado o golpe limpo, que é aquele que atinge o adversário com a parte branca das luvas.
Há algumas olimpíadas os boxeadores usam calção, camiseta e luvas azuis ou vermelhas (luvas azuis e vermelhas mas, com a parte branca na frente, para distinguir e só podem acertar o adversário com a parte branca das luvas) e eles ficam no córner azul ou vermelho com identificação nas camisetas, frente e trás com o nome do país.
Nos Jogos Olímpicos de Moscou ocorreram vários ferimentos, cortes nos supercílios de muitos boxeadores e esses perderam as lutas por não poderem prosseguir no combate, outros prejudicados com decisões erradas dos árbitros.
Vou citar para o leitor alguns acontecimentos relevantes: Na categoria de peso pena, após o brasileiro Sidnei Dal Rovere (eu) vencer duas lutas, as quartas de final (conseguindo a vitória já garantia a medalha de bronze) foi contra o representante da Polônia, Krzysztof Kosedowski, o polonês já estava com um supercílio aberto (abriu na luta anterior), no terceiro e último round o árbitro paralisou o combate, o técnico brasileiro Antônio Ângelo Carollo já começou a comemorar no córner (a paralisação era para suspender a luta, o polonês não tinha mais condições físicas para prosseguir no combate), não, o árbitro tirou ponto do brasileiro, alegou que o brasileiro estava segurando o adversário. Como? O polonês era bem mais alto, a luta corpo a corpo favorecia o brasileiro e este estava segurando o adversário nessa distância?
Terminou a luta e a vitória foi do polonês, o vencedor do combate estava escalado para lutar a semi-final no dia seguinte contra o cubano Adolfo Horta.
Na minha opinião, hoje, (porque quando nós estamos numa olimpíada, montamos estratégias em nossas cabeças para vencermos os adversários e em nenhum momento pensávamos em perder), nenhum dos dois, o polonês e eu, tínhamos a menor chance de vencer Adolfo Horta. O melhor boxeador cubano naquela olimpíada.
No dia seguinte, na semi-final contra o cubano, o polonês não apareceu nem para a pesagem, não tinha condições físicas para prosseguir nos Jogos Olímpicos e ficou com a medalha de bronze.
Na categoria de peso leve (60 kg) em Moscou, 1980, a medalha de ouro foi disputada entre Viktor Demianenko da URSS e o cubano Angel Herrera. O soviético subiu ao ringue com um corte no supercílio e na primeira ação de aproximação o cubano canhoto, muito forte para a categoria, chocou a cabeça contra o supercílio cortado do Demianenco, o árbitro paralisou o combate e decretou que o soviético não tinha mais condições de prosseguir no combate. Foi uma vaia imensa do ginásio lotado por soviéticos, mas o cubano Herrera, muito tático, cumprimentou a todos e ficou com sua segunda medalha de ouro (já havia conquistado a primeira em 1976 na categoria de peso pena).
Aconteceram muitos outros casos de cortes nos supercílios dos boxeadores neste Jogos Olímpicos de Moscou e a AIBA tomou a decisão de nos Jogos Pan-americanos realizados em Caracas, 1983, os boxeadores usarem protetores de cabeça para evitar os cortes.
Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, 1984 também fizeram o uso dos protetores de cabeça e desde então, todas as lutas no boxe amador foram realizadas com o protetor de cabeça.
O leitor pode perguntar, no boxe profissional os lutadores não usam protetores de cabeça, por que usar no amador?
O boxeador profissional luta uma vez por mês quando a luta é fácil, isto aconteceu com Mike Tyson no início da carreira no boxe profissional. Pode lutar a cada três meses se a luta for fácil e o empresário conseguir programação para seu lutador. A cada seis meses se a luta for difícil, muita troca de golpes, a equipe técnica e o empresário procuram preservar a integridade física do seu lutador e a recuperação para a próxima luta é maior.
Em um mês ou mais é possível cicatrizar um corte e o boxeador estará pronto para lutar. Isto não acontece em Jogos Pan-americanos e Jogos Olímpicos que em menos de duas semanas o boxeador pode fazer até 5 lutas.
Para não ser um texto muito longo e cansativo, aqui está o motivo que eu vejo um retrocesso nas regras da AIBA para o boxe amador: a retirada do protetor de cabeça.
Por que?
Acontecerão os cortes nos supercílios, mesmo os técnicos fazendo as mudanças táticas para seus boxeadores, evitando a luta no corpo a corpo. Voltarão a ocorrer os cortes e não haverá tempo para a cicatrização. Esqueceram de Moscou?
Na próxima coluna o leitor do Terceiro Tempo vai saber o que são as divisões (AOB, WSB e APB) e como funcionam essas divisões dentro da AIBA, as mudanças da categoria de peso, quando iniciei no boxe, anos 70, eram 11 categorias de peso, depois foi para 12 categorias de peso e hoje são 10 categorias (quais são e seus pesos).
Como é feita a pontuação dos juízes no boxe amador e profissional, as diferenças, etc.
Todas as explicações para você, leitor, acompanhar com mais conhecimento o boxe nos próximos Jogos Olímpicos que serão realizados aqui no Brasil. E também as lutas de boxe profissional que assistimos nos canais pagos nos finais de semana.
Sidnei Dal Rovere, primeiro a esquerda, na equipe brasileira de boxe em 1975, na categoria de peso mosca-ligeiro (48 kg) ao lado do peso do peso mosca Antonio Toledo
Sidnei Dal Rovere, peso pena derrubando o adversário no Ginásio Baby Barioni em 1979, ambos sem protetores de cabeça
Sidnei Dal Rovere em Brasilia no ano de 1979 representando o Brasil, acertando um direto de direita no representante da Argentina
Sidnei Dal Rovere representando o estado de São Paulo em 1979 no Ginásio do Pacaembu nocauteia seu adversário, o árbitro Antonio Ziravello indica o córner neutro para representante paulista e só depois inicia a contagem para o adversário na lona.(sem protetores de cabeça)
1978, Ginásio Baby Barioni, Brasil X Uruguai, o brasileiro Sidnei Dal Rovere da categoria de peso pena (57 kg) acerta um upper-cut no uruguaio, ambos sem protetores de cabeça;
Sidnei Dal Rovere nos Jogos Olímpicos de Moscou vencendo o boxeador no Nepal no 1º
Jogos Pan-americanos de Porto Rico, Sidnei Dal Rovere de frente, ambos boxeadores sem protetores de cabeça, usando camisetas de seus países e com as luvas em duas cores, na parte frontal branca (parte que deve acertar o adversário)
Sidnei Dal Rovere em 1975 no Ginásio do CMTC Clube com 48 kg, mosca-ligeiro, amador
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