Torneio vencido pelo Palmeiras teve o vice-presidente da Fifa e o jornalista Mario Filho como protagonistas

Torneio vencido pelo Palmeiras teve o vice-presidente da Fifa e o jornalista Mario Filho como protagonistas

O Palmeiras foi ou não campeão mundial? A eterna discussão ignora o tempo e se mantém sempre atual, provocando debates ardorosos, piadas impiedosas, defesa apaixonada e, mais recentemente, até musiquinha provocadora dos torcedores rivais. Mas então, a Copa Rio de 1951, por sinal oficialmente batizada de Torneio Mundial dos Campeões, foi mesmo uma competição que apontaria um vencedor que sairia de campo com o status de campeão do mundo, reconhecido pela Fifa? Bem, para se entender o que realmente foi o torneio é importante conhecer o papel de três personagens centrais na construção do evento, o célebre jornalista Mario Filho, cujo nome batiza o Maracan&atil de;, o e ntão presidente em exercício da CBD Mario Pollo e o mítico dirigente Ottorino Barassi, à época presidente da Federação Italiana e, mais importante, vice-presidente da Fifa, entidade que era comandada pelo histórico Jules Rimet.

Com a Copa de 1950, o primeiro torneio mundial do pós-guerra, a Confederação Brasileira de Desportos havia ganhado inequívoco prestígio como organizadora de grandes eventos. E logo após o trágico 16 de Julho de 1950 a entidade passou a trabalhar pela realização de algum outro campeonato de alto nível, que sobretudo pudesse recuperar a autoestima de um futebol brasileiro abalado pelo Maracanazo.

Entra em cena então o jornalista Mario Filho, na época dono do importante diário Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. Das conversas entre ele e a CBD surgiram duas ideias. A primeira era a de instituir uma competição interclubes que reunisse os principais times de paulistas e cariocas. Nasce então o Rio-São Paulo, vencido pelo Palmeiras em março de 1951 e que foi amplamente divulgado pelo jornal. A outra, bem mais ambiciosa, era a de promover no Brasil um grande torneio de abrangência mundial, que contasse com equipes representantes dos países que se destacaram na Copa do Mundo de 1950.

A CBD fez então contato com a Fifa, que não se apôs. Assim, no final de janeiro de 1951 desembarcou no Rio de Janeiro o engenheiro Ottorino Barassi. Àquela altura, o segundo dirigente em importância na hierarquia da Fifa tinha seu nome envolto em uma história jamais confirmada, nem desmentida, de que teria sido o responsável por zelar pelo troféu da Copa do Mundo e mantê-lo em segurança, longe dos nazistas.

O vice-presidente permaneceu no Rio de Janeiro por cerca de 50 dias, alinhavando com os dirigentes brasileiros todos os detalhes do torneio. Foi ele quem propôs que o Torneio Mundial dos Campeões fosse disputado por oito times, divididos em dois grupos com quatro equipes, como jogos no Maracanã e no estádio do Pacaembu. São Paulo havia sido incorporada à ideia, com a anuência do presidente da federação local, Roberto Gomes Pedrosa. A ideia de Barassi foi a manchete do Jornal dos Sports do dia 2 de fevereiro. “Duas series de quatro teams no torneio mundial”, destacava o diário. Logo abaixo, foto do italiano ao lado de Mario Pollo. No subtítulo, o jornal informava que &ldquo ;O Sr. O ttorino Barassi estudou, ontem, o assunto com dirigentes da CBD”.

Definido o formato, foi nomeada a comissão organizadora do torneio. Barassi estava no grupo. De forma equivocada, o dirigente é mencionado em reportagens e textos sobre a competição como um mero “delegado da Fifa”. Obviamente, foi bem mais que isso.

Nas discussões ficou também estabelecido que a CBD arcaria com todos os custos, o que incluiria bolsas para os clubes, mas que ficaria com a maior parte das bilheterias. As federações de São Paulo e do Rio de Janeiro, argumentando que em seus estados a lei permitia que ficassem com 10% das arrecadações, queriam o mesmo na Copa Rio. A CBD protestou, alegando que arcaria com todos os riscos. No final, prevaleceu proposta intermediária, que destinaria 5% de cada bilheteria para as federações.

Em 20 de março, quando deixou o Rio de Janeiro, o dirigente levou como incumbência convidar clubes europeus para o torneio. Os brasileiros seriam Vasco da Gama, que reunia oito jogadores da seleção de 50, e Palmeiras, que contava com outros três. A ideia era a de atrair equipes da Itália, Espanha, Suécia, Iugoslávia, Portugal e Inglaterra. Barassi não obteve êxito com espanhóis e suecos, que já haviam assumido outros compromissos. Da Iugoslávia confirmou o Estrela Vermelha, que havia cedido oito jogadores para a seleção que enfrentou o Brasil na Copa. Principal força do futebol português a partir de meados da década de 40, quando sagrou-s e tri na cional de forma consecutiva com o esquadrão que reuniu os chamados 5 Violinos, o Sporting aceitou o convite. Campeão inglês, o Tottenham declinou. Barassi então convenceu o Nice, campeão francês, e o Áustria Viena, vencedor do título nacional da temporada 49/50 e que havia acabado de vencer o Tottenham em amistoso. A Juventus de Turim, do lendário craque Boniperti, seria o time da Itália. Para fechar o bloco, o Nacional foi o representante do país campeão do mundo em 1950. Logo após a definição dos participantes, a CBD recebeu inusitada consulta da federação da Índia, que gostaria de incluir na Copa Rio o seu campeão nacional. A solicitação não foi, obviamente, aceita.

Em abril, o Jornal dos Sports enviou para a Europa o repórter Ricardo Serran. Ele viajou com a delegação do Flamengo. Mas na verdade, a missão do jornalista era outra. Mario Filho queria mais informações sobre a repercussão do torneio na Europa. Na edição do dia 24 de abril, o diário publicava na capa o relato de uma conversa entre Jules Rimet e Barassi, que atualizava o francês sobre os preparativos. Na edição de dois dias depois, o diário informava sobre a conversa entre o seu repórter e Rimet, que cumprimentava os organizadores e desejava sucesso ao torneio.

As delegações estrangeiras foram recebidas com júbilo pelo público do Rio de Janeiro após 20 de junho. As mais festejadas, por motivos óbvios, foram as de Sporting e Juventus. O Nice trouxe ao país o brasileiro Ieso Amalfi, um dos destaques da equipe e célebre como bon vivant na França. Junto com jogadores e comissões técnicas desembarcaram enviados de vários dos principais jornais da Europa, como L´Equipe, Gazzetta dello Sport e La Stampa. Por aqui, a edição do dia 27 de junho do Jornal dos Sports exibia na capa a foto da taça da Copa Rio, apresentada por Mario Filho e por representante do prefeito do Distrito Federal.

 

 

 

Em campo, os brasileiros avançaram e se cruzaram na semifinal. Para decepção do público carioca, o Palmeiras eliminou o Vasco da Gama em dois jogos. Mario Filho, José Lins do Rego e demais articulistas do Jornal dos Sports não esconderam a frustração, lamentando que o melhor não tenha vencido. Mas acabaram se juntando à torcida pelo time paulista logo após o Palmeiras vencer o primeiro dos dois jogos decisivos contra a favorita Juventus. Na partida de volta, o empate de 2x2 garantiu o título ao alviverde.

Na edição de 24 de Julho, o catártico comentário de Mario Filho, publicado no alto da página, recebeu como título “O Adeus do Football Brasileiro ao 16 de Julho”. Para ele e para muitos torcedores, o futebol brasileiro estava finalmente de alma lavada após o Maracanazo. Foi a vitória da expiação, saudada pelos grandes jornais do Rio de Janeiro, principalmente. “O que foi preciso para conquistar o maior título já conquistado por um clube no mundo, o que foi preciso para dar um campeonato do mundo ao Brasil, o Palmeiras fez”, escreveu Mario Filho.

 

 

Na mesma página, José Lins do Rego, que assinava a coluna “Esporte e Vida”, também fez coro ao Palmeiras foi Brasil no torneio mundial. Mas concluiu com um apelo. “O Palmeiras contou com a torcida carioca. Venceu com palmas e as aclamações do povo mais livre que conheço: o povo das arquibancadas do Maracanã. Ganhamos a taça.  Mas passado o entusiasmo, vamos para o Flamengo. Toda a torcida rubro-negra está faminta de jogo. Volta o Flamengo ao coração do povo”.

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