Esta é a história de um garotão do interior que veio tentar a sorte na grande metrópole, transformou-se em ?garotinho? das comunicações e personalidade marcante do futebol na maior cidade da América do Sul, quase morreu, perdeu a voz e teve sua carreira de narrador violentamente interrompida, mas seguiu em frente com muita garra, transformou-se em artista plástico de sucesso e é um exemplo de determinação.
Quem não se lembra? "Ripa na Chulipa e Pimba na Gorduchinha!? Esse bordão ainda está fresco na memória dos fãs de um dos maiores narradores da história do futebol brasileiro: Osmar Santos.
Imensamente criativo, inovou e deu uma nova dimensão, muita vibração e colorido às transmissões de futebol pelo rádio. Criou bordões tão bem aceitos pelo público que ecoavam pelos estádios lotados.
"Parou por quê? Por que parou?? Ou "Um prá lá, dois prá cá?. Ou ainda: "Sai daí que o jacaré te abraça, garotinho!? E também: "No caroço do abacate? e "Vai garotinho porque o placar não é seu!?.
E o inconfundível "Chiro-liro-li... chiro-liro-lá!?. Palavras ou frases até sem graça quando passadas para um texto frio, mas fantásticas, autênticos hinos à alegria e à empolgação quando interpretadas pelo seu autor, sempre em narrações vibrantes, empolgantes, que conquistaram todas as torcidas.
Era sua, também, uma das narrações de jogadas mais marcantes, concluída com um longo e vibrante "... iiiiiiiii que goooooooool!!!!?. Osmar oferecia sempre uma transmissão alegre, emotiva, contagiante, transformando um simples jogo de futebol em um grande espetáculo, um show de bola.
Osmar Santos teve grande influência na minha carreira. Jornalista, eu, Sérgio Barbalho, jamais havia trabalhado em emissoras de rádio. Em 1978, Osmar trocou a Jovem Pan pela Globo. O diretor da JP, Fernando Vieira de Mello, me contratou para montar um esquema jornalístico para a equipe de esportes, que passou a investir em José Silvério, até então terceiro locutor. Acabei ficando 12 anos no rádio (depois da Pan fui para a Bandeirantes). Antes disso, convivi com Osmar em longa excursão pela África e Europa, acompanhando a seleção brasileira (ele pela Pan, eu pela Folha de S. Paulo) e no ano seguinte na Alemanha, durante a Copa do Mundo de 1974.
Como narrador, Osmar Santos surgiu na rádio Clube de Oswaldo Cruz, interior de São Paulo, destacou-se inicialmente na Jovem Pan e depois na Globo e Record. Na televisão, comandou o esporte na Record e na Manchete. Em 1986, foi o principal narrador da Rede Globo na Copa do Mundo. Galvão Bueno e Luiz Alfredo também integravam a equipe.
A VOZ DAS DIRETAS
Antes do Mundial do México, Osmar Santos emprestou sua popularidade e carisma ao movimento das "Diretas Já!", que tomou conta do País com o pedido de eleições presidenciais abertas à população.
Durante o movimento, na primeira metade dos anos 80, o locutor esportivo dividiu espaço nos palanques com políticos famosos como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Luis Ignácio Lula da Silva e muitos outros em comícios gigantescos, como o da Praça da Sé, em que se clamava por eleições diretas.
FUTEBOL & ARTE
Um grave acidente de carro, em 1994, comprometeu a capacidade de locomoção e de fala de Osmar, interrompendo sua brilhante e vitoriosa carreira. Ele tentou desviar seu carro de um caminhão que estava atravessado na pista e acabou se acidentando, durante uma viagem noturna de Marília para Lins, no interior de São Paulo.
Osmar escapou da morte, passou por cirurgias e enfrentou uma recuperação das mais delicadas. Saiu do acidente com sérias sequelas, que comprometeram sua locomoção e fala. Assim, a voz que descreveu as emoções do fim do jejum de títulos do Corinthians, em 1977, do tetracampeonato mundial do Brasil, em 1994 e tantos outros grandes acontecimentos esportivos, foi silenciada para sempre. Hoje ele só pronuncia algumas palavras.
Osmar descobriu o caminho da arte. Passou a se dedicar à pintura. Recentemente, o ex-narrador celebrou dez anos de história como artista plástico com uma exposição em São Paulo. A obra ficou exposta em galeria do artista Romero Britto, na Rua Oscar Freire. Ao todo, 12 quadros de autoria do ex-narrador cuja voz embalou as torcidas do país por mais de duas décadas.
"Quadros com muitas cores, alguns fazendo releitura de pintores famosos. Ele pinta muitos animais, flores?, destacou Rosana Beni, uma das organizadoras do vernissage, amiga de Osmar Santos. "É um verdadeiro renascimento. Ele é um grande exemplo de uma pessoa que se reinventou. Achou toda sua parte sensível para usar na cultura e na arte".
Atualmente, cinco de suas obras estão sendo expostas no restaurante armênio Carlinhos (Rua Rio Bonito, 1.641, bairro do Pari), em parede batizada de Espaço Osmar Santos. As pinturas estão à venda, com preços entre R$ 800 e R$ 1.200. Outros seis quadros já foram vendidos.
E Osmar não esconde sua felicidade a cada novo negócio fechado. "Faz questão de vir agradecer o comprador e tirar fotos com ele?, conta Fernando Yaroussalian, um dos proprietários do restaurante, comovido.
GORDUCHINHA 2014
Atualmente, mesmo privado de sua vocação, o ídolo do rádio e TV mantém sua ligação com o futebol, indo aos estádios e eventos esportivos. Paralelamente, Osmar prossegue em sua busca cultural. Costuma sair quase todas as noites, acompanhado de seu motorista, para prestigiar eventos de música e arte ou ir a cinemas.
"Ele nunca esmoreceu. Jamais perguntou por que isso aconteceu com ele. Ao contrário, sempre teve uma atitude otimista (em relação à situação pós-acidente). Foi mesmo um processo de elevação espiritual", considera sua amiga Rosana Beni.
Mais recentemente, em lançamento literário, sorrindo muito, porém com dificuldades para se expressar, Osmar conseguiu pronunciar a palavra "sonho? quando perguntado sobre o desejo de descrever um gol de Neymar, a mais nova sensação do futebol brasileiro.
Aos 62 anos, Osmar Santos dá nome ao troféu à equipe que termina na liderança ao fim do primeiro turno do Campeonato Brasileiro de Futebol.
E a Copa do Mundo de 2014 poderá prestar-lhe uma homenagem. Ganha força no país um movimento para que a bola do próximo Mundial seja batizada com o nome de "Gorduchinha", fazendo alusão à frase "Pimba na Gorduchinha", bordão usado pelo "O Pai da Matéria" ? como ele também era chamado durante suas transmissões.