Martim Francisco, jogador frustrado, abandonou o direito e a psicologia para se dedicar ao futebol. Foto: reprodução

Martim Francisco, jogador frustrado, abandonou o direito e a psicologia para se dedicar ao futebol. Foto: reprodução

Em outros tempos, ou em priscas eras como diria Milton Neves, técnicos de fora como o paraguaio Fleitas Solich, o húngaro Bela Guttman e o argentino Filpo Nuñez fizeram sucesso por aqui. Campeões em seus clubes, introduziram mudanças importantes. Só que no campo tático, quem provocou a maior ruptura na história do futebol brasileiro foi um mineiro de Barbacena, que morreu pobre, doente e no ostracismo em 1982, no dia em que a seleção venceu a Nova Zelândia por 4x0 na Copa do Mundo da Espanha. Seu nome era Martim Francisco.

O aristocrático Martim Francisco Ribeiro de Andrada, da família do patriarca da independência, foi um jogador frustrado, que se contundiu ainda na adolescência, o que o impediu de seguir carreira dentro dos gramados. Formou-se em direito e psicologia, mas abandonou as duas carreiras e foi trabalhar com futebol. No início da década de 50 começou a dirigir o Vila Nova, de Nova Lima, clube que surpreendeu os grandes de Minas Gerais com a conquista do estadual de 1951.

Para chegar ao inesperado título, Martim Francisco, ávido leitor de livros sobre táticas de futebol publicados na Argentina e Espanha, implantou uma mudança mais tarde reproduzida pela maioria dos times do Brasil. Enquanto quase todas as equipes atuavam no hegemônico WM, criado décadas antes pelo britânico Mark Chapman, o mineiro decidiu promover uma inovação antes de um jogo contra o Atlético Mineiro, então dirigido por Dorival Yustrich e dono à época de um poderoso ataque. Francisco recuou um meio-campista para a zaga. Com isso, a linha defensiva do Vila Nova passou a ter dois laterais abertos e dois zagueiros pelo meio, algo jamais usado antes no Brasil. A justificativa do técnico era que o time teria maior segurança na defesa e ainda lhe permitiria avançar os laterais em algumas situações de jogo.

Na temporada seguinte, o técnico campeão estadual foi dirigir o pequeno Siderúrgica, de Sabará. O resultado foi um inesperado vice-campeonato. Com dois ótimos trabalhos em sequência, o caminho natural seria um dos grandes do estado. E em 1953-54, sempre com o 4-2-4, Martim Francisco voltou a ganhar o título mineiro, então no comando do Atlético.

Depois de reinar em Minas Gerais, o inovador técnico migrou para o Rio de Janeiro. Em 1955 foi vice com o América. Após vencer o estadual com o Vasco em 1956, ganhou fama internacional. Recebeu convites da Europa e trabalhou em Portugal e Espanha, onde dirigiu clubes como o Porto e o Atletic Bilbao.

Em 1961, na volta ao Rio de Janeiro após mais uma temporada na Europa, afirmou em entrevista publicada no jornal O Globo de 13 de julho que havia retornado ao Brasil para honrar compromisso com o Vasco, o que o levou a ter recusado proposta do Barcelona. Mas no reencontro com São Januário os resultados não foram os mesmos. O técnico passou a rodar por várias equipes em busca de repetir os êxitos da década anterior. Sem ganhar títulos, teve poucos trabalhos relevantes. A exceção do período foi o Cruzeiro de 1967, clube em que testou outra inovação ao lançar o tripé de meio-campo formado por Piazza, Zé Carlos e Dirceu Lopes.

Com o prestígio em queda, as bebedeiras passaram a chamar mais a atenção do que os trabalhos. Chegou até mesmo a se envolver em um rocambolesco sequestro em Maceió, onde teria sido levado bêbado de um bar por dirigentes do CSA que o obrigaram a assinar contrato. Na época, Francisco dirigia o arquirrival CRB. Acabou ficando fora dos dois! Doente e distante da família, ainda sagrou-se campeão do Distrito Federal pelo Gama, em 1979. Tinha então 51 anos. Morreu três anos depois.

No auge de Martim Francisco, o São Paulo contratou o húngaro Bella Guttman, na época um dos mais reconhecidos técnicos da Europa. É fato que Guttman já havia testado em equipes europeias esquema similar ao 4-2-4 implantado por Francisco no Brasil. Mas é um erro atribuir ao magiar a paternidade da nova organização tática em equipes brasileiras. Prova disso é que o São Paulo que dirigiu com sucesso em 1957, ano em que o Tricolor venceu o estadual, ainda atuava no 2-3-5. O goleiro era José Poy, outro argentino que se tornaria técnico importante por aqui. Na linha defensiva, Mauro e De Sordi. No meio, Dino, Victor e Riberto. E à frente a famosa linha Maurinho, Amaury, Gino, Zizinho e Canhoteiro. No último jogo, goleada de 6x2 sobre a Ponte Preta, o contundido Amaury foi substituído por Celso.

O húngaro voltou para a Europa sem ver de perto o Brasil conquistar cinco Copas com treinadores locais. Mas fora daqui, o profissional brasileiro perde espaço de forma acentuada. Prova da queda notória de prestígio é o que ocorre na seleções que sonham com a Copa da Rússia. Se fôssemos falar de grandes clubes da Europa, o vexame seria ainda maior.

Até o início da rodada de setembro, estavam na disputa por 29 vagas para a Copa do Mundo 102 países. Eram 54 na Europa, 20 na África, 11 na Ásia (o Irã era então o único garantido), 9 da América do Sul (Brasil classificado), 6 da Concacaf e outros 2 na Oceania. Entre os 102 técnicos que trabalhavam nas eliminatórias, nenhum era brasileiro. Tite não entrou na conta porque já tinha vaga assegurada.

A perda de mercado dos brasileiros amplia fenômeno que já se verificou no ciclo anterior, quando Luiz Felipe Scolari foi o único técnico do país que trabalhou na Copa do Mundo. Em 2010, por exemplo, Carlos Alberto Parreira dirigiu a África do Sul e Renê Simões quase chegou ao mundial com a Costa Rica.

Na Copa de 2006, Zico comandou o Japão , Marcos Paquetá a Arábia Saudita e Felipão foi semifinalista com a seleção de Portugal. No ciclo anterior, Alexandre Guimarães dirigiu a Costa Rica. Paulo César Carpegiani liderou o Paraguai na histórica campanha de 1998. E fora eles, muitos outros foram técnicos em eliminatórias.

Desta vez, a escassez de brasileiros é inédita desde que o Brasil tornou-se uma potência da bola. E a perda de prestígio ocorre em um momento de valorização de profissionais de países vizinhos. Eram argentinos 5 dos 10 técnicos que trabalham nas eliminatórias da América do Sul até setembro. A Colômbia é o país dos treinadores do México, Panamá e Honduras, que estão no hexagonal final da Concacaf.

Na Ásia, o uruguaio Jorge Fossati dirigiu até junho o Catar, por onde Paulo Autuori passou em 2012. O argentino Edgardo Bauza teve presença meteórica nos Emirados Árabes e agora comandará a Arábia Saudita na Copa, enquanto na África seu compatriota Hector Cuper está à frente do Egito, outro país com chances de estar no mundial. Ou seja, na questão de técnicos que comandaram seleções nas eliminatórias, a Argentina goleou o Brasil por 7x1.

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