Jackson Nascimento é provavelmente o jogador mais velho ainda vivo do Atlético Paranaense e Corinthians.

Jackson Nascimento é provavelmente o jogador mais velho ainda vivo do Atlético Paranaense e Corinthians.

Jackson Nascimento é provavelmente o jogador mais velho ainda vivo do Atlético Paranaense e Corinthians. No caso do time paulista, dizem que o goleiro Zico, que jogou apenas dois jogos pelo time (inclusive a primeira partida do Pacaembu, sendo substituído por Barcheta) também está vivo. Tive a oportunidade de entrevistar o Jackson pela Radio do Corinthians, impressionando a todos por causa da sua lucidez. Fiz também uma entrevista por e-mail, fazendo um paralelo mais completo da sua carreira, tanto no futebol paranaense como no paulista.
 
MAURÍCIO SABARÁ: Sr. Jackson Nascimento, o Clube Atlético Paranaense foi fundado no dia 26 de março de 1924 e você nasceu no dia 24 de agosto na cidade de Paranaguá (PR). Considera essa coincidência como um elo entre você e o clube?
JACKSON NASCIMENTO: O fato do Clube Atlético Paranaense e eu nascermos no mesmo ano, revela uma empatia, que foi se desenvolvendo até chegarmos ao ponto de vivermos um para o outro, no maior amor, respeito e lealdade.
Nunca discutimos os valores dos contratos. O que o CAP me oferecia sempre era mais do que precisava.
Jogar no Clube da melhor sociedade curitibana, não era para qualquer um.

MAURÍCIO: Quando você começou a gostar de futebol? Era atleticano quando criança?
JACKSON: Eu já nasci adorando as cores vermelho e preto e desde quando comecei a andar, a bola foi o meu brinquedo preferido. Era como se Deus aprovasse esta simbiose que nos traria felicidade.
MAURÍCIO: Seu pai, José Thomaz do Nascimento, foi um dos fundadores do Clube Atlético Antoninense, em Antonina, no ano de 1927. Comente sobre os seus primeiros passos como jogador.
JACKSON: Meu pai, José Thomaz do Nascimento, meu maior fã e ídolo, fundou o Clube Atlético Antoninense, na cidade de Antonina/PR, cidadania que adotei. Foi lá que comecei a jogar em clube organizado. Fui campeão duas vezes, com 16 e 17 anos, jogando no meio de adultos.


MAURÍCIO: Em 1935 muda-se para Curitiba e passa a estudar no internato Liceu Rio Branco, cujo dono te indicou as categorias de Base do Atlético da capital paranaense. Explique como foi essa feliz oportunidade.
JACKSON: Em 1935 fui morar em Curitiba, para poder continuar estudando. Antonina só tinha escolas primárias.
Fui aluno interno do Colégio Liceu Rio Branco, cujo professor e proprietário, era amigo do meu pai e conselheiro do CAP, Dr. Anibal Borges Carneiro.
Veja outra vez a coincidência, foram desígnios de Deus, influindo em nossa aproximação, Jackson e CAP.
Este benemérito rubro negro, não perdeu a vaza. Ao me ver jogar no colégio, me convidou (intimou) de acordo com meu pai para fazer experiência no CAP, nas equipes de base (juvenil). Tudo baralho marcado.
Nunca mais deixei o CAP.

MAURÍCIO: O futebol paranaense dos anos 30 é pouco conhecido para as gerações atuais. Sei que havia um grande jogador do Coritiba conhecido como Pizzatinho, que quase foi para a Copa do Mundo de 1938. Inclusive o meia-esquerda tricolor Tim chegou a comentar que ele era o melhor dos três que competiam pela posição, sendo que os convocados acabaram sendo o craque do Fluminense e o Perácio. Alguma recordação deste grande jogador do Coxa?
JACKSON: Claro, vi o Pizzatinho jogar no ano de 1936, eu tinha 12 anos, na inauguração do campo Belfort Duarte, quando Coritiba Futebol Clube jogou contra o Vasco da Gama, do Rio de Janeiro.
Extraordinário artilheiro. Possuía um físico privilegiado e uma inteligência digna de um craque. Não diria que ele foi injustiçado na escolha para o grupo da seleção brasileira de 1938. Competir com os dois, também extraordinários, Elba de Pádua Lima (Tim) e Perácio, jogadores do Rio de Janeiro, seria uma luta inglória.
 
MAURÍCIO: Quando estudava engenharia no Liceu contraiu Tifo e teve que voltar à sua cidade. Chegou a pensar que a sua carreira acabaria tanto nos estudos como futebolisticamente?
JACKSON: Foi um período preocupante. O Tifo era uma doença sem remédio específico, e tive receio de não poder voltar a jogar. Mas Deus, outra vez, veio em meu socorro, para que eu não deixasse o CAP.
Eu estava seguindo o curso de engenharia civil e tive que interromper por um ano. Mais tarde tudo se resolveu com a ajuda de Deus.

MAURÍCIO: Em 1942 retorna à Curitiba, volta a jogar no Atlético, agora pelos juvenis e inicia a Faculdade de Direito. Havia uma ligação dos jovens da elite Curitibana com o clube. Foi uma parceria de sucesso?
JACKSON: Sem dúvida. Quando voltei em 1942, para jogar no CAP, tive rápida passagem pelo juvenil e em seguida comecei a jogar nos aspirantes, classe de reservas que disputavam um campeonato igual ao dos titulares. Éramos reservas que seriam usados no time titular, eventualmente. Fui campeão nesta classe, dois anos.
Esta nossa equipe de aspirantes, eram formadas por jovens da melhor sociedade Curitibana, e se compunha de doze estudantes universitários, de medicina, engenharia e direito. Todos se formaram.
São doutores, e quando fomos declarados campeões, recebemos o anel de grau.

MAURÍCIO: Nesse mesmo ano de 1942 a Seleção Brasileira disputa o Campeonato Sul-Americano do Uruguai. O goleiro do time brasileiro é Alfredo Gottardi, conhecido pelo apelido de Caju. Por sinal ele é o primeiro jogador paranaense a jogar pelo Brasil. Foi muito elogiado na competição, era conhecido no Paraná como a Majestade do Arco e depois recebeu várias propostas de clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas por amor ao seu Estado, não aceitou nenhuma. Você depois chegou a jogar com ele no time do Atlético. Caju foi um dos melhores arqueiros que viu jogar?
JACKSON: O goleiro Cajú, Alfredo Gottardi, a Majestado do Arco, foi considerado o melhor do Campeonato Sul-Americano de 1942. Outro jogador, atleticano, lateral esquerdo, Joanino Belilaqua, também participou deste evento. O Cajú era Diretor da Secretaria de Saúde Pública do Paraná e por isso não aceitou o convite.
MAURÍCIO: Dois anos depois se profissionaliza no Atlético, substituindo Lupércio, meia-direita campeão estadual de 1943. Pouco depois passa a jogar na outra meia, formando uma ala-esquerda espetacular com o ponteiro-esquerdo Cireno. Como era o entrosamento de vocês dois?
JACKSON: O Cireno e eu, jogávamos por música, sexto sentido, intuição, criatividade, talento. Bens que só a graça de Deus, concede. Cireno era craque, foi convocado para a Seleção Brasileira.
MAURÍCIO: É campeão paranaense em 1945. No ano de 1949 conquista o seu segundo título, justamente quando o time passou a ser conhecido como Furacão pelas implacáveis goleadas que impunha aos adversários, vencendo 24 jogos dos 28 disputados. Inclusive esse apelido é citado no hino do clube. Relembre esse grande esquadrão.
JACKSON: O FURACÃO foi um time extraordinário, excepcional, singular, raro, que o grande ex-jogador gaúcho, Rui Santos, transformou em máquina de conseguir resultados positivos. Não tinha ponto fraco. Era uma orquestra, onde não se ouviam os instrumentos separadamente, tal a harmonia. Só se escutava a melodia, o conjunto, o gol.
MAURÍCIO: O zagueiro Fedato, que atuava no Coritiba, foi o seu grande marcador?
JACKSON: Sim. Haroldo Fedato, "Estampija Rubia"(selo vermelho), como foi cognominado na América do Sul, quando excursionou com o Botafogo de Futebol de Regatas - RJ.
MAURÍCIO: Você chegou a atuar pela Seleção Paranaense? Caso tenha, comente sobre as partidas contra as outras seleções estaduais, principalmente paulista e carioca.
JACKSON: Enquanto joguei no futebol paranaense, só no CAP, fui titular absoluto. Nunca competimos com os paulistas e cariocas. Ganhávamos dos catarinenses e perdíamos para os gaúchos.

MAURÍCIO: No ano de 1950 é contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista. Como foi essa contratação?

JACKSON: Foi o maior sucesso na minha carreira como jogador de futebol. Jogar no time com a maior torcida do Brasil e ser campeão, foi uma excepcional conquista na vida de um profissional da bola. Além deste magnífico troféu, conquistei mais um clube para meu coração de amor.
Adoro o CORINGÃO.


MAURÍCIO: Em 1951, o Corinthians, depois de um jejum de dez anos, volta a ser campeão paulista. A linha de ataque corintiana era formada inicialmente por Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário, o primeiro time a marcar mais de 100 gols no futebol profissional. Como jogavam esses cinco jogadores?
JACKSON: Foi um deslumbramento ter participado de um ataque (linha) de futebol que conseguiu marcar 103 gols em um campeonato. Creio que será difícil, senão impossível a superação deste prodigioso feito.
Quem poderia compensar hoje, esta linha formada por Cláudio, Luizinho, Baltazar, Jackson, Carbone e Mário?
Nem com todo dinheiro do MENSALÃO.

MAURÍCIO: No decorrer do segundo turno da competição, após a derrota por 7 a 3 para a forte Portuguesa de Desportos, você entra na meia-esquerda no lugar do Carbone, que é transferido para a ponta-esquerda. Relembre sua atuação e da equipe nas rodadas finais do campeonato, sendo que você marcou gol em quase todos os jogos restantes, inclusive na decisão em que golearam o Guarani por 4 a 0 e no último vencendo o Palmeiras por 3 a 1.
JACKSON: Eu, Mário, Colombo, Nardo, Souzinha e Nelsinho, não nos considerávamos reservas. Nós fazíamos parte inseparável do grupo. E sem nós certamente nada seria conquistado. O Corinthians é indivisível.
Desde os insuperáveis Narciso, Cabeção e Gilmar, até o Souzinha, nós construímos uma equipe indissolúvel, amigos, irmãos, razão do nosso sucesso.

MAURÍCIO: Durante a temporada de 1952 o Corinthians excursiona pela primeira vez ao continente europeu. Ficou invicto durante 15 partidas, enfrentando equipes da Turquia, Dinamarca, Suécia e Finlândia (inaugurando o estádio olímpico de Helsinki). O time deixou uma excelente impressão no Velho Mundo. A equipe deu show na Europa?
JACKSON: Não exageraria, dizendo que demos um show em nossas exibições na Escandinávia e Turquia. Mostramos, sim, o futebol brasileiro, Pentacampeão Mundial.
O Corinthians sempre foi um time, que embora tivesse suas "estrelas", sempre porfiou com o amor a camisa alvinegra. Foi assim que nos exibimos. Como uma só bandeira. A força do conjunto.

MAURÍCIO: Defina o seu estilo de jogo.
JACKSON: Não é fácil falar de si próprio. Especialmente quando temos que abordar virtudes que achamos ter. Ao qualificar um jogador de futebol (artista), não podemos separar o jogador do homem. Eu considero a lealdade, o respeito, e o amor, qualidades indispensáveis ao sucesso em qualquer sociedade, seja ela esportiva ou social.
Eu me considero, sem falsa modéstia, ter sido um bom jogador. As minhas armas eram, a velocidade, drible e chute certeiro com os dois pés. Gostava de fazer gols, sem ser egoísta. Não tinha medo de nenhum tipo de jogador. Ninguém me intimidava com agressões físicas ou pressões com palavras. Não revidava. Dava conhecimento ao arbitro. Nunca humilhei nenhum adversário quando estava com vantagens no placar, para também não ser envergonhado.

MAURÍCIO: Nessa sua passagem pelo futebol paulista tinha algum marcador que te deu mais trabalho e qual time que era mais difícil de enfrentar?

JACKSON: Nunca tive um marcador que me marcasse com plena eficiência. Sempre fui respeitado pela minha lealdade. Nunca agredi um adversário. Tenho o prêmio Belfort Duarte. A nossa diferença, sempre foi o Palmeiras.
MAURÍCIO: Após a excursão ao Velho Mundo, você disputa as duas partidas finais da Taça Brasil, com o Fluminense sendo campeão. E para surpresa de todos, decide retornar à Curitiba, por ter passado em um concurso na área de advocacia, algo impensável no milionário futebol atual. Houve muito esforço da diretoria corintiana para que continuasse no clube?
JACKSON: Houve insistência do Corinthians para que eu permanecesse por mais um ano. Meu coração ficou partido entre o Clube, meus companheiros, e o meu futuro profissional, como advogado. Neste ano eu concluí o meu Curso de Direito e prestei concurso público para Procurador Federal, da Advocacia Geral da União. A minha posse seria em Curitiba, como minha sede de trabalho. Não havia escolha.
MAURÍCIO: Em 1953 retorna aos gramados jogando no clube que foi revelado profissionalmente, o Atlético Paranaense. Não é campeão estadual, mas torna-se o artilheiro da competição, com 21 gols. Mesmo estando há quase 5 anos sem jogar no Paraná, não teve dificuldades em se adaptar novamente?
JACKSON: Não foi só a adaptação ao sistema de jogar, mas sim a meu novo status. Procurador Federal e jogador de futebol não casavam. Minha cabeça e minha idade (29 anos) me aconselhavam a parar. O grande dilema do jogador de futebol, ídolo, é saber escolher a hora de parar. Ficar sem o aplauso da multidão e os elogios da imprensa. Foi difícil, mas impostergável.
MAURÍCIO: Três anos depois encerra em definitivo a carreira como futebolista. Em 1958 sagra-se campeão paranaense compondo a comissão técnica do Atlético ao lado de Pedro Sthengel Guimarães e do ex-goleiro Caju. Durante dez anos seguidos, além da profissão de advogado, dedica-se ao clube como diretor administrativo e de futebol. Foi uma experiência válida?
JACKSON: Foi uma breve experiência reunir o útil ao agradável. Na comissão desempenhei o papel de técnico. Senti como é difícil dirigir um grupo heterogêneo, como uma equipe de futebol. Cada cabeça, uma sentença. Homens de variadas culturas e origens. Ensinar a jogar futebol é muito difícil, quase impossível. Escolher homens certos para cada posição e ação. Incluí-los num sistema tático racional, é tema para leão.
MAURÍCIO: Barcímio Sicupira Júnior foi o jogador que mais gols marcou na história do Atlético Paranaense. Você é o segundo, com 140, mas a sua média é maior. Da mesma forma ele também atuou no Corinthians, retornando depois ao Atlético, sendo que antes jogou no Ferroviário do Paraná e no Botafogo (carioca e paulista). Qual é a sua impressão deste outro grande jogador da história rubro-negra?
JACKSON: Barcímio Sicupira Junior foi um jogador fora de série. Craque. Técnica irreparável. Elegante ao caminhar com a bola. Arremate certeiro. Drible desconcertante e cabeceio mortal. Lembrou-me muito o maravilhoso Heleno de Freitas. Precisa mais?
MAURÍCIO: Se o Atlético de 1949 enfrentasse o Corinthians de 1951, quem venceria? Ambos os times, por sinal, eram quase contemporâneos.
JACKSON: Posso te garantir que seria um jogo para 100 mil assistentes. Com certeza só haveria um vencedor, o Público. Quem me dera poder realizar este sonho. Matar as saudades, me abraçar com amigos. Seria um deslumbramento. O sol iria nos aquecer no Parque São Jorge e na Baixada. Vou pensar em todos como se estivéssemos unidos na alegria de uma vitória.
MAURÍCIO: Atualmente acompanha os dois clubes? O que tem a dizer da fase atual de ambos? Quando jogam torce pra quem?
JACKSON: Não perco jogos do S.C.Corinthians Paulista e Clube Atlético Paranaense.  Fico desolado quando não ganham. O CAP está usando um time de reservas para competir no campeonato. Sem comentários.
O Corinthians está bem dirigido. Tem força. Vai ter sucesso. Quando jogam os dois, para quem torço? É pergunta que se faça? Não sei.

MAURÍCIO: Muito obrigado por sua entrevista, Sr. Jackson. Parabéns por sua lucidez e desejo-lhe tudo de bom, nos seus tão vividos 88 anos.
JACKSON: Qualquer dúvida pode retornar para esclarecimentos.
Foi muito bom reviver esses anos todos de muitas alegrias e emoções que o futebol me proporcionou.
Imagem: @CowboySL

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