O técnico japonês de wrestling residente nos EUA Tadaaki Hatta, 74, é uma lenda das lutas. Comandou os medalhistas de ouro olímpico John Smith e David Schultz dos EUA e trabalhou com os japoneses Hideaki Tomiyama e Jiichiro Date. Seu pai, Ichiro Hatta, foi secretário do fundador do judô Jigoro Kano e introduziu o wrestling para o povo japonês.
Como lutador Tadaaki Hatta foi um dos principais nomes entre os atletas estudantis do Ensino Médio e Universitário dos EUA e Japão tendo sido campeão em 1965 da disputadíssima liga NCAA (Associação Atlética Universitária Nacional, em inglês) representando a Universidade Estadual de Oklahoma. Hatta segue sendo um dos voluntários para comandar a seleção estadunidense.
Pintor com Mestrado em Artes pela Northwestern University (EUA) e atualmente técnico de crianças e adolescentes Hatta recorda de sua juventude em ambas nações, o período com seu pai e quando dividiu a sala de treino com nomes como Bobby Douglas, renomado técnico americano. Em entrevista exclusiva ao Terceiro Tempo expõe seu ponto de vista sobre o cenário contemporâneo da modalidade e porquê técnicas como o single leg e double leg (focadas em agarrar as pernas e derrubar o rival) são tão relevantes.
Seu pai foi secretário de Jigoro Kano. O que você recorda ou lhe foi contado sobre a relação deles?
Meu pai carregava a mala de Jigoro.
Como ele conheceu o wrestling?
Meu pai veio para os EUA com o time de judô da Universidade de Waseda para promover a arte marcial no país em 1929. O grupo participou de combates de judô, wrestling e grappling (modalidade parecida com jíu-jitsu, porém sem quimono). O resultado foi que os lutadores de judô perderam os combates de wrestling e grappling além de que um deles foi hospitalizado após a luta. Então meu pai decidiu praticar o wrestling.
Houve alguma animosidade quando seu pai migrou para o wrestling? Como seus colegas de judô lidaram com sua posição?
Teve resistência dos judocas por meu pai promover um esporte estrangeiro. Seu nome foi retirado da equipe de judô da Universidade de Waseda e posteriormente da Kodokan (primeira escola de judô fundada por Jigoro Kano em 1882).
Como foi seu início nas artes marciais e nos esportes de combate?
Ingressei no judô no fim do Ensino Fundamental II (pré-adolescência). Então comecei o wrestling no Ensino Médio e também pratiquei aikido. Mais tarde entrei para o kendo (luta de espadas japonesas) quando tinha 50 anos.
Você se sentiu pressionado por ser filho de Ichiro Hatta ou até mesmo sob sua sombra?
Realmente Não. Ele não prestava muita atenção para meu progresso no wrestling. Estava mais dedicado com o desenvolvimento da modalidade em todo Japão.
Você foi um dos principais wrestlers do Ensino Médio e nível Universitário dos anos 1960 tanto no Japão quanto nos EUA. Qual era seu método de treinamento como atleta?
Quando estive no Ensino Médio ia para diferentes faculdades para treinar além do meu treino na escola. Também estudava técnicas por conta própria.
Durante a faculdade praticava as técnicas em qualquer lugar: na grama e no quarto do dormitório com meus colegas Bobby Douglas, Yojiro Uetake e Bill Harlow.
O que o impediu de competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio 1964?
Foi algo muito pessoal do qual me arrependo, e não fui para a seletiva. Tive um desentendimento com meu pai naquela época.
O que o motivou a estudar nos EUA?
Eu apenas queria ficar nos EUA. Além do meu pai ter me falado para não voltar para casa em algumas de nossas conversas.
Sendo um jovem asiático nos anos 1960´s, período da luta pelos Direitos Civis, teve de lidar com situações racistas?
Sim, e muitas vezes de pessoas comuns e atletas universitários. Eu dava um jeito nos esportistas os chutando nas canelas. Então paravam de me importunar.
Como aquela época moldou sua maneira de ver o mundo?
Tenho uma visão liberal quanto a assuntos raciais por observar o que se passa nos EUA. Eu apenas tento ter o mínimo de decência humana e senso comum.
O ex-jogador de futebol Paulo Roberto Falcão fala que o atleta tem “duas mortes”, a primeira quando se aposenta e a segunda a morte de fato. Como você lidou com a realidade de abandonar a carreira de lutador?
Eu vi coisas mais importantes que o wrestling. Eu tenho maior satisfação ensinando jovens lutadores a serem pessoas melhores.
Você tem uma ilustre carreira como técnico. Foi difícil iniciá-la?
Nem tanto. Comecei no meu último ano no Ensino Médio, era capitão da equipe e técnico. Então treinar veio de uma forma natural quando minha carreira como atleta acabou.
Você comandou as equipes de estilo-livre masculino japonesas em 1968 e 1984. O que lhe chamou atenção naquela época? Quais são as principais diferenças entre essas gerações?
Em 1968, eu apenas acompanhei o time. Em 1984, fui contratado pelos japoneses para ficar distante da equipe americana.
O time feminino do Japão é uma verdadeira potência. O que pode dizer sobre seu sucesso?
Estive no Japão há poucos meses, descobri que o motivo para serem tão boas é que passa por uma lavagem cerebral. Isto mesmo, “lavagem cerebral”. Lutam com seus técnicos (homens) até não poderem mais.
Por que os homens não alcançam o mesmo nível de sucesso de suas colegas?
O time masculino deveria também passar por essa lavagem cerebral.
Em 1972, você trabalhou com a equipe de estilo livre do México. Quais foram os desafios de atuar num país em desenvolvimento e seu time?
Os mexicanos eram preguiçosos. Ficavam contentes em ir para o centro de treinamento para ter refeições. Alguns apenas comiam e iam embora.
O que observa dos wrestlers brasileiros?
Não conheço muitos wrestlers brasileiros. Creio que precisam de bons treinadores.
No total você conduziu cinco times americanos, três de estilo livre e dois femininos. Como é trabalhar neste nível? Como lidou com a pressão de atuar como técnico de uma das maiores nações neste esporte?
Estou com a equipe americana desde 1978. Foi meu prazer treina-los ao lado de Bobby Douglas. Não havia muita pressão já que sabíamos que estávamos bem preparados.
Quem foi seu wrestler mais talentoso?
John Smith (bicampeão olímpico e tetramundial). Estive no seu corner contra Tom Brands no campeonato americano de 1991. (Combate vencido por Smith).
Outro atleta que lhe foi muito próximo foi David Schultz. Pode nos falar de como o conheceu e como sua morte o afetou?
Ele foi um amigo muito próximo de minha família. O conheci quando estava terminando seu primeiro ano de faculdade na concentração de treino nacional de 1978.
Ficou comigo e minha família durante a concentração e visitou diversos lugares conosco. Até cuidou dos meus filhos.
Trabalhei com ele após aquele ano e fui seu técnico durante o Campeonato Mundial de 1993 em Toronto, Canadá. Também fiquei estive bem perto dele nos Jogos Olímpicos de 1984 como seu conselheiro e massagista apesar de estar com a equipe japonesa.
Meu filho foi para a Universidade da Pensilvânia por conta de Dave. Ele era assistente técnico lá.
Minha esposa e eu estávamos no carro a caminho de sua luta quando Dave foi baleado, nós iríamos jantar com ele após o combate. Foi muito triste. Não tenho palavras para expressar. (Schultz foi alvejado pelo bilionário John du Pont em 1996).
Ajudei Mark Ruffalo a se tornar em Dave para o filme Foxcatcher (2014).
Treinadores e wrestlers possuem um relacionamento de pai-e-filho. Você pode contar algo sobre isto?
Eu treinei meus filhos. Deveria ter feito mais por eles. É difícil treinar seu próprio filho.
Você também é treinador/mestre de judô, futebol, rugby e kendo. O conhecimento adquirido no tatame ajuda nas outras modalidades?
Uso de diferentes esportes para exemplificar posições corporais. É ótimo conhecer diferentes esportes. Algumas técnicas podem ser passadas para outras modalidades.
Você como artista enxerga alguma relação entre a arte e o wrestling?
Arte é como aprender a lutar especialmente quanto a desenho.
Se você pode mover seu corpo no wrestling pode também pincelar um quadro. Ou ao menos pode aprender a desenhar assim como aprende técnicas de luta.
Como foi o processo para escrever o livro The Wrestling Techniques Handbook (Livro de Técnicas de Wrestling)?
Quanto a escrever meu livro eu usei anotações dos meus treinos universitários. Eu mesmo desenhei para expressar melhor a movimentação e poupar gastos. Sou grato à minha esposa pela edição.
Nele há muita atenção para as técnicas de single leg. Por que é tão importante para wrestlers e outros praticantes de lutas agarradas dominar tal movimento?
Um lutador acima da média deve saber como executar um single leg e um double leg. Isto é básico.
Então ele deve conhecer mais uma queda além do single e double leg. Eu quero ver 100% de acurácia em cada tentativa de quedar o adversário. Levei três anos para dominar o meu single leg.
A principal razão de um não poder derrubar seu adversário e se tornar seu suporte. Portanto, deve-se sair da posição para não seguir servindo de apoio ao rival.
Interview with Tadaaki Hatta, coach of Olympic heroes
The Japanese wrestling coach living in the USA Tadaaki Hatta, 74, is a legend in the mat game. He coached Olympic Gold Medalists like USA´s John Smith and David Schultz as also worked Japan´s Hideaki Tomiyama and Jiichiro Date. His father, Ichiro Hatta, was a secretary of Judo´s founder Jigoro Kano and introduced wrestling to the Japanese people. As a wrestler Tadaaki Hatta was one of the top dogs in high-school and collegiate levels in the USA and Japan being the NCAA champion of 1965 representing Oklahoma State University. Hatta still part of the USA volunteer wrestling coaches pool.
A painter with a Masters in Fine Arts from Northwestern University and currently coaching young kids Hatta remembers his upbringing in both nations under the tutelage of his father and sharing the wrestling room with names like Bobby Douglas. In this exclusive interview for Terceiro Tempo (Third Period) he also exposes his point of view in the actual wrestling scenario and why the single and double leg techniques are so relevant.
Your father was the secretary of Jigoro Kano sensei. What can you remember or being told about their relationship?
My father carried Jigoro´s bag.
How did he get in contact with wrestling?
My father came to USA with Waseda University Judo team to promote Judo in USA in 1929. They had judo match, wrestling match and grappling match. The outcome was that Judo guys lost the wrestling and grappling matches and one guy was hospitalized after the match. That´s when my father decided to study wrestling.
Was there any animosity when your father, Ichiro Hatta, transitioned to wrestling? How did his Judo peers accepted it?
There was resistance from judo people as my father was promoting a foreign sport. His name was taken down from Waseda University Judo team and later from Kodokan (The 1st Judo school founded by Jigoro Kano in 1882).
How was your introduction to martial arts and combat sports?
I took Judo in middle school. Then I started wrestling in high school. I also did aikido. Later in life I started kendo (Japanese sword fighting) when I was over 50 years old.
Did you ever felt pressured by being the son of Ichiro Hatta Sensei or even under his shadow?
Not really. He didn´t pay much attention to my wrestling. He was more concerned about the wrestling in whole Japan.
You were one of the top high school and collegiate wrestlers in the 1960´s in Japan and the USA. How was your training method as an athlete?
When I was in high school, I went to different college practices besides my high school practice.
I also studied techniques on my own.
During college, I used practice techniques with other wrestlers anywhere: on the grass and in the dormitory room with my teammates like Bobby Douglas, Yojiro Uetake, and Bill Harlow.
What kept you from competing in Tokyo 1964 Olympic Games?
It´s a very personal reason and I regretted that I didn´t go to the trial. I had a disagreement with my father at that time.
What motivated you to study in the USA?
I just wanted to stay in USA. Besides my father told me not to come home several times.
Being an Asian young man in the 1960´s during the Civil Rights movements made you face racist situations?
Yes, many times from people in general to college athletes. I took care of athletes by kicking them in the shin. They stopped teasing me afterward.
Did those times shaped your way of seeing the world?
I have very liberal approach to racial matters from observing what´s going on in USA. I just try to have the basic human decency and common sense.
Former Brazilian soccer player Paulo Roberto Falcão says that the athlete has “two deaths”, once when he retire and the second his factual demise. How did you dealt on leaving the mat as a wrestler?
I saw more important things than wrestling. I get more satisfaction from teaching young wrestlers to be better persons.
You have an illustrious career as a coach. Was it difficult to take the first step?
Not really. As I was a senior in high school, I acted as a captain/coach. So coaching came naturally after my wrestling career was over.
You´ve coached the Japanese freestyle teams of 1968 and 1984. What are your notes from those times? What were the major differences between those two generations?
In 1968, I was just hanging around the team. In 1984, I was on the Japanese staff mainly to be kept away from the USA team.
The Japanese female wrestling team is a powerhouse in the sport. What can you say about such success?
When I was in Japan this summer, I learned that the reason why they are so good is that they are brain washed. Yes, "brain washed". They wrestle men coaches until they can´t stand up.
Why Japanese men don´t have the same height of success of their female counterparts?
The men´s team should be also brain washed.
In 1972 you´ve worked with the Mexican freestyle squad. What are the challenges of working in a developing country and its team?
The Mexicans were lazy. They were happy to be at the training center to have meals.
Some of them just ate and went home.
What do you observe in Brazilian wrestlers?
I don´t know too many Brazilian wrestlers. I think they need good coaches.
In total you´ve coached five teams of the USA. Three of freestyle and two of women. How is working in such level? How you deal with the pressure of coaching one of the biggest nations in the wrestling sport?
I have been coaching USA team since 1978. It was my pleasure coaching US team with Bobby Douglas. There wasn´t much pressure there since we knew that we were well prepared.
Who was your most talented wrestler?
John Smith (2x Olympic Champion and 4x World Champion). I sat in his corner against Tom Brands at US Nationals in 1991. (A battle Smith won).
Another wrestler close to you was David Schultz. Can you tell about when you met him? How did his death affected you?
He was a very close friend of my family. I met him when he was finishing his first year of college. It was at a national training camp in 1978.
He followed me and my family during the training camp. He came to different places with us. He also used to baby sit my kids.
I worked with him after that year and was his coach during 1993 World Championships in Toronto, Canada. I also stay close to him during 1984 Olympics as his advisor and masseuse even though I was with the Japanese team.
My son went to University of Pennsylvania because of Dave. He was an assistant coach there.
My wife and I were driving to see his match the day Dave was shot. We were going to have dinner with him afterward. It was sad. No word can express it. (Schultz was shot dead by billionaire John du Pont in 1996).
I helped Mark Ruffalo to become Dave for the movie Foxcatcher (2014).
Coaches and wrestlers have a father-and-son relationship. Did you have anything that you can say about that?
I coached my sons. I should have done more for them.
It´s difficult to coach your own son.
You also coach judo, soccer, football, rugby and kendo. Does the knowledge obtained in the mat helps coaching those other disciplines?
I use different sports as examples of body positions and movements. It is good to know different sports. Some techniques can be transferred to another sports.
For you as an artist is there any relation between art and wrestling?
Art is like learning how to wrestle especially in drawing.
If you can move your body as in wrestling, you can move the pencil to draw the picture well. Or at least you can learn to draw just like learning the wrestling techniques.
How was the process to write The Wrestling Techniques Handbook?
As for writing my book, I used my notes from college practices. I used drawings to save money and express the movement better. Thanks to my wife for editing.
In it there is a lot of attention to the single leg technique. Why it is so important to wrestlers and grapplers as a whole to dominate such movement?
A better than average wrestler must know how to do single leg takedown and double leg takedown. This is the requirement.
Then he must know one more takedown beside the single and double leg takedowns.
I just want to see 100% success rate for every takedown attempt. It took me 3 years to perfect my single leg attack.
The main reason why one can not take his opponent is that he becomes his opponent´s support.
So what, he should get out of his way so that he is not supporting his opponent any longer.
Fotos: Arquivo pessoal Tadaaki Hatta
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