O sol brilhou no dia de sua despedida. Foto: Reprodução/Placar

O sol brilhou no dia de sua despedida. Foto: Reprodução/Placar

Eu estava no Parque São Jorge para fazer peneira no terrão, em 1983.

Depois do teste, que começou cedo à beça, fui assistir o treino dos profissionais no nosso estádio.

Nós sempre tivemos estádio.  Pequeno, acanhado, mas nosso, bem nosso.

Onde você, Sócrates, fez seu gol mais lindo.

Você, na época, era meu ídolo maior no futebol, desde que chegou timidamente em 1978, sem barba e com um currículo que incluía gols de calcanhar e a alcunha de Doutor.

Todos já estavam no vestiário, menos você, Sócrates.

Você chegou atrasado, estacionou seu Fiat 147 no lugar mais perto da porta do vestiário; porque você tinha um lugar reservado, o melhor lugar.

Puxa, nem sei como você cabia naquele carrinho...

Precavido, na minha mochila, eu havia levado meu caderninho de autógrafos, junto dos meiões, calção e minha chuteira preta com três listras brancas da Adidas.

Sorridente, sem pressa, você deixou seu nome marcado em uma das folhas, que guardo, claro, até hoje. "Lembrança do Sócrates", você escreveu.

No ano seguinte, caminhei ao lado de milhares de pessoas da Praça da Sé para o Vale do Anhangabaú, onde aconteceu o segundo grande comício da campanha pelas eleições diretas em nosso País.

As "Diretas Já".

Ao contrário do dia do treino, você já estava lá, junto de Osmar Santos, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Lula, Franco Montoro, Eduardo Suplicy, Rogê Ferreira, Mário Covas, Adilson Monteiro Alves e Fernando Henrique Cardoso, entre outros.

Pessoas que lutavam contra o mal, que queriam que este país saísse das trevas, do cinza dos quartéis, do verde-oliva das fardas e da escuridão dos coturnos, e mergulhasse em uma democracia, da qual a nefasta ditadura militar nos privou desde o maldito golpe de 64.

O golpe da censura, das torturas e das mortes.

Convite oficial da Fiorentina, você disse que não sairia do Brasil se a emenda Dante de Oliveira passasse no Congresso, para que pudéssemos voltar a eleger o nosso presidente. 

Você ajudou a pintar os estádios de democracia, não apenas a corintiana, pintou suas tornozeleiras de amarelo, cor que simbolizou aquela campanha. Você sempre teve bom senso.

Eu, que não usava tornozeleiras, passei a usar.

Comprei uma tinta amarela para tecidos e tingi a minha também. 

A emenda não passou, você foi embora, mas antes se despediu do Timão em território brasileiro, em um amistoso contra o Vasco em Juazeiro do Norte, no Ceará. Vitória corintiana por 3 a 0, em 3 de junho de 1984, um domingo. 

Nesse mesmo longínquo domingo, Ayrton Senna fez aquela corridaça em Mônaco, na chuva, terminando em segundo lugar.

Senna nasceu de fato para o mundo da Fórmula 1 no dia em que você se despediu do Corinthians.

Senna foi embora antes de você.

Você se foi também em um domingo, um domingo que amanheceu com um sol lindo na capital paulista.

Tão exuberante quanto o daquele no funesto 1º de maio de 1994 da Tamburello.

Você mereceu essa homenagem do Sol, amarelo, como a cor das suas tornozeleiras.

E hoje, passados nove anos da sua morte, você está fazendo uma falta danada neste País, que voltou a flertar com as trevas.

Minhas surradas tornozeleiras, que tingi de amarelo na época das "Diretas Já". Foto: Maros Júnior Micheletti/Portal TT





Autógrafo de Sócrates. Arquivo pessoal de Marcos Micheletti

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