Na cabeça dos milhões de técnicos e analistas de futebol brasileiros, o único ponto em comum é o reinado perpétuo de Pelé como o maior jogador de todos os tempos. A partir daÃ, tudo muda, é um caleidoscópio de opiniões que torna o esporte bretão o oxigênio de uma nação.
Tendo a opinião sobre Pelé como um cordão umbilical que une todos numa mesma famÃlia, esses milhões de especialistas divergem em qualquer outro assunto futebolÃstico, começando pela escolha de quem seria o segundo depois do Rei.
Há os que acham que foi o Garrincha, os que teimam ter sido Maradona, os que juram que foi o Zizinho (aquele que inspirou o próprio Pelé), alguns muitos que querem o Beckenbauer, outros apostam no Di Stefano e no Puskas, e a FIFA diz que foi o Cruijff.
No debate para definir um vice-rei do futebol, a turba não poupa uma briga e muita saliva. Metade do Brasil se divide entre dezenas de candidatos. Aà o leitor pergunta: e a outra metade, não discute, não opina, ignora o ópio de um povo, a religião maior de um paÃs?
E eu respondo: a outra metade, meus amigos, a outra metade é a torcida do Flamengo e mais um "outro tanto?, como diria minha mãe Dona Nenzinha. Nesse universo, a opinião é expressada em unÃssono e não tem pirrepes, como "poetariava? o paraibano Zé Limeira.
Porque depois do "negão?, minha gente, só o branquinho Zico, a mais gloriosa representação divinal do futebol brasileiro depois do deus de Três Corações. Não à toa ele foi batizado pela imprensa inglesa de White Pelé, logo após derrotar o "real team? dentro do estádio de Wembley.
Zico não foi somente um herói e Ãdolo dos rubronegros. Conseguiu a fascinante proeza de ser amado pelos adversários, mesmo estes vendo nele a imagem assustadora do carrasco. Em Zico, os vascaÃnos, tricolores e botafoguenses sentiram em silêncio a "SÃndrome de Estocolmo?.
Imaginem que ele quase despontou no Vasco, quando o Flamengo incorreu no desleixo de não servir lanche ao magrelo garoto de Quintino durante os treinos do infantil. Foi o médico Carlos Manta quem alertou a Gávea sobre uma "proposta alimentar? de São Januário, evitando assim a transferência.
Não há qualquer exagero na proximidade que se faz entre Zico e Pelé. Ambos se assemelham em jogadas e gols que não tem similares pelos quatro cantos do mundo em mais de um século de bola rolando. E aquilo que um não fez, está presente no outro, a locupletação dos gênios.
Pelé reinou, também, no Maracanã até os dias em que debaixo dos céus do Rio de Janeiro começou a brilhar a estrela de Zico. Eles dividiram a história do estádio no perÃodo pós Zizinho e Ademir Menezes. O rei negro nos anos 60/70, o prÃncipe branco nos 70/80.
E se Pelé conseguiu o feito imortal de cravar seu milésimo gol no gramado carioca, foi de Zico a supremacia nas tardes e noites do majestoso estádio, onde ali ele foi mais que um rei, foi um deus que provocou rezas e louvores em todas as torcidas.
Pelé jamais exibiu seu poder divino no mais importante templo de futebol da Europa, o estádio de Wembley. Mas ali, diante dos súditos de Elizabeth, Zico mostrou que o reino não escaparia de uma exposição da arte maior dos seguidores do próprio Pelé.
Louvemos aos deuses que permitiram o glorioso dia em que os dois reis do Brasil jogaram juntos no Maracanã, vestidos com a mesma camisa. Era 6 de abril de 1979 e os dois convocaram os súditos para uma noite solidária pelas vÃtimas de enchentes em Minas Gerais.
Elegante em todos os gestos, Zico cedeu a camisa 10 do Flamengo para Pelé, a camisa que ele cultuava por amor ao Ãdolo Dida, o craque alagoano que popularizou o número no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60. Uma multidão de 139.953 pessoas encheu o velho estádio Mário Filho.
Do outro lado do campo, o Atlético Mineiro do rei Dario e do craque Toninho Cerezo. Foi uma noite com chuva de gols, com o Flamengo aplicando 5 x 1, sendo três de Zico, chamado na tela do Canal 100 de "novo monstro sagrado do nosso futebol?. O tempo parou para que dois deuses juntassem suas épocas.
O mundo inteiro consagrou o talento inigualável de Zico; em cada continente há os vestÃgios da sua divindade, há torcedores cultuando as lembranças dos seus gols maravilhosos. E se algum transgressor da História lembrar que Zico nunca ganhou uma Copa, eu contradito com o desaforo definitivo do jornalista Fernando Calazans: "azar da Copa?. (AM)
Imagem: @CowboySL