Hora de pensar na estrutura do futebol brasileiro

Hora de pensar na estrutura do futebol brasileiro

Apesar da força do Barcelona de Messi, o Santos de Neymar vai vencer o jogo porque o talento nato do jogador brasileiro vai acabar prevalecendo. Era o que se ouvia dizer em rodas de bate-papo, aqui no Brasil, nos dias que antecederam a final.

Quando o Santos desembarcou no Japão para disputar o Mundial Interclubes era inevitável que houvesse comparação do seu atual time com aquele glorioso time de Pelé de 62 e 63.

Afinal, por sermos saudosistas continuamos a acreditar ainda possuir o melhor futebol do mundo.

Mas, aquela fatídica partida na manhã de domingo aqui no Brasil acabou por escancarar o abismo técnico que separa hoje o nosso futebol daquele praticado no Velho Continente.

De fato, sempre fomos admirados e copiados pelos europeus por termos o melhor toque de bola e a maior capacidade de improvisação já vistos.

Porém, o tempo passou e continuamos nos fiando apenas nisso, sem levar em consideração que esporte coletivo precisa de organização, planejamento, mudanças e investimento.

Essa, aliás, é a razão de estarmos agora perdendo de lavada para os tais europeus que antes nos copiavam.

O Barcelona, por exemplo, que há 30 anos era um time comprador de jogadores, passou a investir nas categorias de base, tornando-se um clube formador de jogadores, que hoje além de ter um plantel respeitável de pratas da casa, ainda vem acumulando vitórias e títulos.

E a maior prova disso é que dos 11 jogadores do Barcelona naquela partida, nove eram originários das categorias de base do clube, inclusive o técnico Guardiola, que também jogou pelo Barcelona.

Ora, enquanto os europeus ficaram buscando alternativas (repensando, planejando, organizando e investindo) nos continuamos na base da improvisação correndo atrás de resultados rápidos, alicerçados na falsa crença de que o talento nato do jogador brasileiro de um jeito ou de outro sempre acaba sendo suficiente para obtermos grandes resultados.

Por força do imediatismo que tomou conta do futebol brasileiro, o jogador é contratado para conseguir resultados rápidos, sob pena de ser substituído, ser mal visto pela torcida ou não ter o contrato renovado, muitas vezes nem para disputar o próximo campeonato dentro do mesmo ano.

E o que dizer dos treinadores então? Via de regra estes têm vida curta nos clubes por não conseguirem os tais resultados rápidos em curto espaço de tempo.

Neste cenário, como acusar um jogador pela má atuação individual ou o técnico pelos maus resultados obtidos em curto prazo, quando a própria estrutura do nosso futebol faz com que jogadores e técnicos vivam sob constante pressão psicológica para tentar conseguir os resultados esperados que lhes possa garantir a permanência no clube?

A propósito, é preciso que você, leitor, saiba que jogadores que ganham altos salários e têm vultosos contratos de publicidade são menos de 5% do total de jogadores profissionais hoje em atividade. A esmagadora maioria, portanto mais de 95%, ganham entre 3 e 10 salários mínimos.

Nestas circunstâncias acredito não ser tão fácil para esses profissionais desenvolverem plenamente o seu potencial de modo a poder produzir os resultados almejados por todos, dirigentes e torcedores.

A pressão é muito grande. Isso sem falar na necessidade que muitas vezes têm os técnicos de escalar jogadores que estão em boa fase para buscar os tais resultados rápidos, em detrimento da escalação de futuras promessas que precisam de desenvolvimento e que poderiam se tornar verdadeiros expoentes do futebol brasileiro.

Quem deseja montar um grande time precisa planejar, organizar, investir, correr riscos, reunir um bom plantel, dar tempo para o técnico trabalhar, inclusive não esperar resultados favoráveis de cara.

Ocorre que na atual conjuntura psicosocial brasileira isso é algo impensável, porque todos buscam resultados imediatos - de cartolas de clubes a torcedores - sem qualquer preocupação em criar as condições necessárias para que os resultados possam surgir naturalmente.

Afinal, como bem disse o técnico Muricy Ramalho após a derrota do Santos para o Barcelona: - eles jogam um 3-7-0, o que seria um caso de polícia no Brasil e o técnico sairia de campo algemado.

Aqui, quando se consegue montar um bom time e este vence qualquer competição, o plantel já começa a ser desmontado, ou seja, com a valorização dos jogadores que se destacaram, clubes e empresários inescrupulosos começam a querer fazer dinheiro rápido. Assim, jogadores importantes do esquema tático do time são vendidos, comprometendo todo o trabalho até então realizado, ceifando qualquer possibilidade de quiçá transformar o time em mais uma lenda do nosso futebol, a exemplo daqueles que entraram para a nossa história.

A propósito, parabéns ao Santos por procurar manter o Neymar no time até 2014. Isto já é uma centelha das mudanças a que me refiro.

A verdade é que precisamos repensar a estrutura do futebol brasileiro, para que os times possam deixar de viver basicamente da venda de jogadores e da transmissão de jogos, e com isso minimizar os efeitos do imediatismo que hoje assola o nosso futebol.

Precisamos nos reinventar, e uma boa forma de começar a fazer isso é conscientizando-se de que só talento de jogador não ganha mais jogo nem título.

E a partir daí, promover mudanças olhando o que já deu certo lá fora, para saber o que poderia ser aplicado para nós. Ora! não foi isso que o Barcelona e outros grandes clubes europeus fizeram?

Se, como dizia o nosso Mestre e grande Jurista Rui Barbosa, "a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam?, é certo afirmar que em igualdade de condições nosso futebol seria, sim, superior àquele apresentado pelo Barcelona, principalmente porque o jogador brasileiro é de fato talentosíssimo.

Enfim, há muito a ser discutido e eu não tenho aqui a pretensão de esgotar nada.

Estou apenas levantando algumas questões.

E ao repensar o nosso futebol precisamos não esquecer de dar a devida importância para o desenvolvimento de jogadores por intermédio do incremento das categorias de bases dos clubes brasileiros.

Os clubes precisam revelar e desenvolver jogadores, não tem conversa!

Afinal, é nas categorias de base aonde tudo começa a acontecer. Lá os jogadores têm a verdadeira chance de despontar, de se desenvolver, de começar a mostrar o seu potencial e pode ter esperança de crescimento na carreira, até para poder mudar aquele cenário salarial ao qual me referi.

Por outro lado, com isso os clubes têm a possibilidade impagável de terem os seus próprios jogadores, seus craques locais, o que, aliás, também é garantia de estádios ainda mais cheios.

Ora, se o futebol tem uma função social da maior importância no mundo todo por haver de certa forma substituído as guerras de conquistas, então, é correto afirmar que o torcedor se sentirá ainda muito mais motivado em comparecer ao estádio para torcer pelo seu time se este tiver chances reais de vitórias e títulos, contando com um plantel todo ou quase todo de jogadores locais, revelados e desenvolvidos nas categorias de base daquele clube.

Enfim, se todos aqueles que tiverem poder para promover as mudanças de que o nosso futebol tanto necessita hoje, nos poderemos voltar a sonhar em montar grandes times para fazer frente aos melhores do mundo e voltar a colecionar vitórias e títulos.

Caso contrário vamos continuar a assistir tristes espetáculos do nosso futebol, a exemplo da última Copa do Mundo e desta final do Mundial Interclubes.

Foto: UOL

SOBRE O COLUNISTA

Advogada pós-graduada em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo ? USP, Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Estudos de Extensão Universitária, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP no biênio 2006/2007, Consultora Jurídica da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação ? ABRAT entre 2004 e 2007, tem artigos publicados sobre diversos temas jurídicos e ... Saiba Mais

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