Chico SanTTo escreve a coluna Futebol SanTTo do Terceiro Tempo todas as quartas-feiras

Chico SanTTo escreve a coluna Futebol SanTTo do Terceiro Tempo todas as quartas-feiras

Li, recentemente, o livro Camaradas, de William Waack.
Obra que tenho autografada e que quebrou os conceitos do que até então as escolas ensinavam sobre Luis Carlos Prestes no Brasil.
William Waack está acima do conceito básico do jornalismo.
Vai além da ética e caráter que herdou do padrasto Oliveiros da Silva Ferreira, um dos pilares de O Estado de SP.
Ou das duas estatuetas que conquistou no Prêmio Esso.
Sua genialidade remete à infância quando aos 10 anos pensava em escrever peças de teatro...
Uma década antes de se tornar correspondente internacional na Alemanha com apenas 22 anos.
Para o bem do jornalismo, graduou-se na Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo e depois em Sociologia e Comunicação pela Universidade de Mainz na Alemanha, onde também concluiu o mestrado em Relações Internacionais.
Falar com Waack nos bastidores do Jornal da Globo é o mesmo que voltar ao tempo e ouvir da boca do interlocutor aquilo que o passado deixou nas páginas dos livros.
Ainda que a história precise ser reescrita.
Mesmo que para isso seja preciso abrir os arquivos secretos da KGB...

A HISTÓRIA
"Você quer um breve currículo meu?
Eu comecei como repórter de esportes amadores na sucursal de O Globo, em São Paulo, em 1970.
Em 1975 eu fui correspondente freelancer do Estadão na Alemanha até 1978.
Em 1979 eu fui contratado como correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha.
Em 1984 eu fui ser correspondente do Jornal do Brasil na Inglaterra.
Em 1985 eu passei a ser um dos integrantes da chefia de redação do Jornal do Brasil no Rio.
Em 1988 eu fui secretário de redação do Jornal da Tarde.
Em 1989 eu fui para a TV Cultura, depois para o Estadão, onde eu fui editor executivo.
Em 1991 eu fui para a Alemanha como correspondente do Estadão.
Em 1994 eu fui correspondente da Veja e desde 1996 eu estou nas Organizações Globo, na rede aberta, uma parte do tempo na Revista Época e também na Globo News."
O CURRÍCULO ACADÊMICO:
"Eu sou formado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo e sou formado em Ciências Políticas, Sociologia e Comunicação pela Universidade de Mainz na Alemanha, onde fiz mestrado em Relações Internacionais."
O SONHO:
"Eu comecei a trabalhar eu ainda estava no último ano do colégio. Meu sonho sempre foi ser repórter. Então, a parte de esportes acho que foi fundamental na minha carreira porque eu acho que as duas grandes escolas do jornalismo são esportes e polícia. É aí que você aprende a ser repórter".
ESPORTE:
"Eu era repórter de imprensa escrita, eu era repórter de jornal - Jornal O Globo, na sucursal de São Paulo - em 1970 e meio que me jogaram para o esporte porque eu era atleta na época. Eu era da Seleção Brasileira de Handball. Então, pelo fato de treinar num clube poliesportivo em São Paulo, o Esporte Clube Pinheiros, no qual tenho ótimas recordações. Eu treinava com o pessoal do atletismo, treinava com o pessoal do vôlei, do basquete, então, eu tinha um conhecimento dos esportes não-futebol muito forte, então, era óbvio que eles me jogavam ali. Pra mim era divertido porque eu era jogador na época, estava fazendo a faculdade ainda."
A VOCAÇÃO:
"Quando eu era criança eu queria ser escritor, escrever peças de teatro. Isso eu fazia aos 10 anos de idade. Minha mãe era viúva, casou-se em um segundo casamento com um jornalista de enorme peso e importância na minha carreira, o Oliveiros da Silva Ferreira, que durante meio século foi uma das cabeças pensantes do Estadão, um jornalista de uma integridade acima de qualquer medida normal, é um intelectual e uma pessoa que teve uma forte influência na minha carreira no sentido do apego a honestidade e a ética e ao domínio das ferramentas de um jornalista. Eu acho que aos 12, 13 anos eu comecei a ficar cada vez mais fascinado com a ideia de vir a ser repórter. Me lembro que sábado à tarde eu ia buscá-lo na redação, eu usava calça curta, era moleque, tinha doze anos, corria entre as rotativas, entre a máquina, tinha fascínio pela máquina de escrever, pelo telex. Os companheiros do meu padastro, todos, me tratavam como o filho do chefe. Depois eu acabei virando repórter do Estadão, acabei vindo a trabalhar com essas pessoas e eu cresci nesse meio."
REVOLUÇÃO DO IRÃ
"Foi uma das primeiras coberturas grandes que eu tive de revolução e conflito fora da Europa. Isso foi em 1980 e eu era repórter do Jornal do Brasil na Alemanha. Foi quando os xiitas liderados pelo Aiatolá Ruhollah Khomeini conseguiram derrubar o Xá Mohammad Reza Pahlevi em 1979 e, durante a revolução, eles também invadiram e ocuparam a embaixada americana e eu cheguei - como acontece muito na carreira da gente quando a gente é mais jovem - eu acabei me entusiasmando não só pelo trabalho em si, mas também pela situação. Fiquei fascinado pelo país e pela revolução. Ao invés de ficar lá alguns dias acabei ficando quatro meses e foi uma experiência muito marcante para mim, profissional e pessoalmente porque é uma das autênticas revoluções do Século XX, uma das grandes mudanças políticas com consequências que a gente está vivendo até hoje e a oportunidade de ter vivido isso foi muito boa."
O CORRESPONDENTE NO REINO UNIDO:
"Sabe o que foi que mais me marcou? Foi a Dolly. Foi aquela história do clone. Aquilo me marcou muito mais que a Daiana, a eleição do Blair ou quando eu estive na primeira vez na Inglaterra - quando eu fui correspondente na Inglaterra eu cheguei ao país exatamente um dia antes que o Ira detonasse aquela bomba no hotel onde estava a Margaret Thatcher. Eles detonaram o centro do hotel. Se ela não tivesse ido no banheiro ela tinha morrido naquela explosão. Aquilo tinha me impressionado muito. Mas nesta segunda vez me impressionou muito mais esse avanço da ciência que coloca todas a nossa percepção de vida e do universo em questão."
A CLONAGEM E O AVANÇO DA CIÊNCIA:
"Sou a favor não por achar que isso ofenda padrões éticos. Eu acho que é impossível impedir, eu acho que não há como deter esse tipo de pesquisa e progresso."
NA URSS, CAMARADAS...
"Na Rússia foi um tipo de trabalho diferente. Pela minha formação acadêmica eu sempre tive um gosto particular pela história e estando em Moscou - Moscou sempre foi pra todo mundo da minha geração uma preocupação muito grande de entender como que idéias como as que foram desenvolvidas por filósofos e escritores do século XIX de caráter humanista acabaram se transformando num regime totalitário como o da União Soviética. Então, todos nós que vivemos esse embate político sempre tivemos por Moscou esse fascínio e lá eu encontrei o filho mais novo do Luís Carlos Prestes, o Yuri Ribeiro, que trabalhava, então, como assistente na embaixada brasileira e que tinha mais por motivos pessoais do que políticos uma curiosidade muito grande da biografia do próprio pai, então, falecido. E aí o Yuri, que fala russo como português por um brasileiro, pediu que eu ajudasse porque eu já havia tido experiência em arquivos europeus importantes, que eu ajudasse nessa pesquisa de arquivo. E com os contatos dele, por ele ser o filho de um ex-secretário do Partido Comunista, que na época, em 1992, ainda significava alguma coisa na Rússia, por intermédio dele e com a ajuda dele como tradutor e da minha experiência como jornalista, nós trabalhamos juntos e a partir daí eu desenvolvi uma reportagem-pesquisa, digamos, sobre os eventos do Rio de Janeiro em 1935 que todo mundo lembra mais pelo nome da Olga Benário, que era então a mulher do Prestes, a tentativa de se fazer uma revolução comunista a partir do envio de militantes da Rússia orientados por Moscou. E aquele foi um trabalho que me permitiu fazer essa ponte do lado obscuro do nosso passado e do nosso desenvolvimento político em uma realidade diante dos meus olhos que era a integração do comunismo e a passagem da União Soviética para a Rússia e o que ela é hoje."

O KREMLIN

"Como país está perdendo depressa as características que o tornaram tão conhecidos particularmente na década de 40 e 50 sob Stalin. Ela não encontrou seu papel ainda, se bem que o peso da história e da cultura é muito maior do que a gente imagina. Ela continua sendo dentro do jogo internacional uma potência, que não é mais a super-potência que foi capaz de enfrentar os Estados Unidos, mas é uma potência de primeira classe ainda com uma vocação de ligação muito forte entre a massa da Ásia e a Europa e sem a qual não se faz nenhum tipo de política internacional."
A ESSÊNCIA DO JORNALISMO:
"Eu cresci numa escola de jornalismo que dizia e eu respeito isso quase que como um dogma que "repórter não é notícia e quando ele se torna notícia é porque ele fez alguma coisa errada." Eu levo isso a sério e eu acho que correr risco de vida é desnecessário, em geral é burro e significa que você cometeu um erro. Quando você está sofrendo um risco de vida é porque você não se comportou como você deveria se comportar. Eu acho que a função de um repórter mesmo diante de conflitos é a de transmitir a um público em casa uma visão de a mais aproximada possível, a mais detalhada possível, a mais humana possível dos acontecimentos e não ele mesmo se transformar em menções em um noticiário."
OS RISCOS NA ESTRADA:
"Depende muito da experiência do profissional e das circunstâncias do conflito que você esteja cobrindo. As guerras civis são muito mais perigosas para os profissionais de imprensa do que as guerras convencionais porque a divisão de territórios e as linhas de combate onde pode ser atingido são mais claras em uma situação convencional do que numa situação de confusão. Mas não há uma estratégia definida, não há um manual para essas coisas, não há um livro com instruções. Há uma série de princípios que eu já mencionei.

O RESPEITO ÀS NORMAS DE SEGURANÇA:

"O primeiro deles é que "todo o risco é desnecessário." A principal decisão é não assumir riscos ou mesmo os riscos calculáveis são muito perigosos. A segunda é estar próximo, mas não se envolver como se você fosse um combatente. E a terceira é sempre ter na sua cabeça que a sua função principal é estar lá para contar o que você viu. Não para virar herói."

TRABALHOS ESPECIAIS:

"Quase cinquenta anos de profissão. É muita coisa, então, em determinadas fases da minha carreira houve trabalhos que me marcaram, dos quais eu me lembro com gosto. Eu me lembro muito de uma reportagem que eu fiz partindo da Alemanha para a Polônia, então sobre o regime militar do General Jaruzelski, no qual eu assumi a identidade de um motorista de caminhão pra poder obter o visto e passar a fronteira e chegar lá no momento em que o país estava fechado e não se sabia o que estava acontecendo. Tinha, assim, um sabor divertido de malandragem que na época eu gostei muito de ter feito e me lembro com carinho. Me lembro muito de uma viagem que eu fiz pela Revista Veja, de trem, de Varsóvia até Pequim. Eram duzentas feministas e dez homens a bordo de um trem que cruzou a Ásia Central inteira pregando o doutrinário feminista antes da realização da Conferência Internacional da Mulher em Pequim em 1995. Foi uma viagem divertidíssima. Até hoje quando eu leio o texto eu dou risada porque me vem detalhes daquela época. E é engraçado. Pra televisão as coisas foram menos marcantes nesse sentido."
DO IMPRESSO PARA A TELEVISÃO:
"Não foi tão difícil do ponto de vista da informação. Na imprensa escrita existia na época em que eu me formei profissionalmente uma outra tradição do que é a televisão de busca da informação e da notícia. E isso ajuda quando você vem para televisão porque o profissional da imprensa escrita ele está mais acostumado a procurar ele mesmo - principalmente o repórter - as informações e as fontes que ele precisa para trabalhar enquanto que na televisão existe uma estrutura de apoio muito maior que às vezes coloca o repórter de - na situação - de às vezes ele mesmo não ter de se preocupar porque há uma estrutura montada para colocá-lo na frente do gol. Essa passagem não foi complicada."
O COMEÇO NA TELEVISÃO:
"A passagem que eu acho mais complicada, para mim, porque eu vim para a televisão muito tarde, já - a televisão é como aprender um idioma ou jogar tennis, quanto mais cedo você aprende mais cedo você domina - no meu caso eu tenho uma grande dificuldade de trabalho com a câmera e de ter isso que no inglês se chama Video Delivery, que é a empatia com a câmera enquanto que os meus colegas mais jovens que já cresceram no meio eletrônico tem uma desenvoltura e uma performance que eu acho muito melhores que as minhas. Então, essa passagem, essa necessidade que se tem na televisão de representar um pouquinho também pra mim é um pouco difícil por ter passado 26 anos na imprensa escrita. Esse contraste, pra mim, foi difícil."

JORNAL NACIONAL:

"O trabalho de televisão que eu gostei muito de fazer, que eu acho que foi o melhor trabalho de televisão foi uma série para o Jornal Nacional em 2002 sobre o que é ser policial em São Paulo. Eu captei o material e depois pude editá-lo de uma maneira um pouco fora dos padrões normais do Jornal Nacional. Esse aí eu acho que foi um dos melhores trabalhos em televisão que eu fiz e eu estava muito influenciado pelo filme Traffic, pelo tipo de edição e ali tinha um tipo de linguagem que eu gosto na qual eu sou muito mais um observador do que um participante da matéria. Era uma reportagem difícil de ser premiada porque ela não é preto e branco. Ela não está nem elogiando, nem criticando a polícia. Eu acho que ela está de pé ainda. Se a gente mostrar essa reportagem hoje a gente vai perceber que ela era até profética, que o resultado de uma boa reportagem eu acho que ela é capaz de deixar você imaginar também o que vai acontecer no sentido da gente entender como tem gente boa e tem gente ruim na polícia."
TV GLOBO E GLOBO NEWS:
"A televisão à cabo tem um outro tipo de espaço editorial e um outro tipo de tempo que evidentemente a televisão aberta não tem. Isso vale tanto para a Globo como para qualquer outra. Não é uma crítica. São características. São características diferentes por causa do tempo que está à disposição. Na TV à cabo existe essa possibilidade de discutir assuntos a fundo. Bate muito com a minha biografia pessoal de imprensa escrita onde alguns tipos de assuntos podem ser aprofundados de uma maneira diferente daquilo que se pode fazer em televisão. Então, a TV à cabo, para mim, tem sido um laboratório muito importante do ponto de vista da apresentação e da técnica de entrevista. Eu tenho usado mesmo conscientemente, onde eu aboli o TP e sou obrigado a falar para a câmera com naturalidade, sem estar lendo. Eu deixei de lado os roteiros fixos de entrevista para me dedicar ao que a pessoa está dizendo e a partir dali eu me obrigo a dar procedimento. É um laboratório importante do ponto de vista do timing, eu tenho uma ideia de quanto tempo uma pessoa responde, quanto tempo ela pode parar, com quanto tempo ela tem de parar de falar e do timing um pouco maior do bloco do programa. Então, tudo isso são coisas que você só aprende mesmo fazendo. Você não tem que ler uma apostila. Somente a prática te dá essa noção essencial."
A TRANSFORMAÇÃO DA IMPRENSA:
"Eu acho o computador uma invenção maravilhosa. Não tenho a menor dificuldade de trabalhar com ele. Ao contrário. Gostei dele desde o primeiro momento. Ele facilita o trabalho da gente. Eu fui correspondente numa época em que a gente tinha que bater telex e não saía o que estava escrito. Eu era capaz de ler uma fita de telex. Ser correspondente, hoje, com a internet desse jeito... Nossa Senhora...".
SAUDADE...:
"Eu nunca tive esse problema. Eu nunca fui assim. É um pouco de controle pessoal e um pouco de interesse pelo lugar que você está. Eu fui muito jovem para a Alemanha, aos 22 anos de idade e com uma vontade enorme de entender o país, de entender a história, de aprender o idioma que eu não falava e de fazer o meu trabalho acadêmico porque eu me formei na Alemanha e defendi o meu mestrado lá também em Relações Internacionais. Então, não tinha muito lugar para saudade. Além do mais eu estava escrevendo sempre para o brasileiro."

FORA DA REDAÇÃO:

"Eu sempre fui completamente dedicado ao jornalismo. Antigamente essa pergunta era feita de outra forma: "quais são os seus hobbies?". Não se usa mais, é retrógrado. Atualmente, minha grande ocupação fora da Globo é um sítio que eu herdei da minha mãe. Ela passou os últimos 20 anos da vida dela transformando meu "calipau" próximo de São Paulo, em Jundiaí, numa espécie de Paraíso Ecológico. Eu acho que me faz muito bem prosseguir o que ela fez. Esse contato com a natureza e a transformação da natureza pelas minhas mãos é alguma coisa que tem me feito muito bem."
Imagem: @CowboySL

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