Campeão mundial em 2002 com a seleção brasileira e da Liga dos Campeões da Europa de 2006 com o Barcelona. Três campeonatos franceses pelo Lyon, e dois Paulistas pelo São Paulo. Esses são apenas alguns dos títulos da galeria do ex-volante Edmilson. Porém, nem isso evita algumas decepções na invejável carreira de um jogador.
Hoje dirigente do Grêmio Barueri, o ex-zagueiro conta casos de sua carreira, como a mágoa pelo boicote sofrido por "um brasileiro meio francês" no Lyon e pela derrocada do Palmeiras no Brasileiro de 2009, quando liderou a competição por um bom tempo e acabou fora até da zona de classificação da Libertadores.
No clube francês, apesar das várias conquistas, o ex-jogador disse: "Tinha uns caras que queriam me boicotar, achando que eu me sentia 'o cara' e nunca fui assim. Tinha lá um brasileiro 'meio francês' que me boicotou também. Não era o Juninho nem o Caçapa...é só ver direito quem estava lá (risos)". Edmilson não definiu exatamente quem seria o jogador que o boicotou, mas o candidato talvez seja o ex-atacante Sonny Anderson, o outro brasileiro do time e que era uma espécie de líder da equipe na época.
Anderson foi questionado sobre o assunto pelo UOL Esporte e afirmou que jamais houve boicote, mas achava que Edmilson não gozava de prestígio pelos franceses por exagerar demais no estilo de sair jogando e dar lançamentos.
"Ele não foi boicotado. Na França era difícil de entender a maneira de jogar do Edmilson, um zagueiro que gostava de driblar e dar lançamento. Queriam que ele fosse um jogador mais típico. E ele estava com costume de jogador brasileiro, que não queria se adaptar ao estilo europeu. As pessoas queriam que ele mudasse, e não sei se ele percebeu isso. Mas não houve boicote, foi um mal entendido. Os brasileiros não pegavam no pé dele, mas sim os franceses."
Edmilson fala também sobre as diferenças entre o futebol brasileiro e europeu e faz críticas em relação à despreocupação dos clubes na formação do caráter dos atletas.
UOL Esporte: Você acha que o clube deve se preocupar em fazer do jogador na base uma pessoa mais completa?
Edmilson: Sim. Não adianta ter só uma estrutura maravilhosa. Com todo respeito ao São Paulo, não adianta ter um CT como o de Cotia se você realmente não formar o caráter do homem em primeiro lugar. Eu acho que é fundamental você, dentro de uma carreira, ter uma perspectiva de futuro. Não adianta ter uma estrutura, campo bom, cama boa, tudo bom, se o menino se acomoda. O cara ter que ralar para formar o caráter porque se tudo for muito fácil ele não dá valor.
UOL Esporte: Seguindo esse raciocínio, você acha que o CT de Cotia atrapalha o garoto?
Edmilson: O CT de Cotia que o São Paulo fez é maravilhoso. Acho que não existe no mundo um CT igual. O São Paulo tem acompanhamento psicológico, pedagógico, assistente social, mas o menino precisa aprender a valorizar aquilo. Muitos deles já tem um contrato profissional, já ganham seu dinheirinho, estão num lugar maravilhoso. Será que é bom isso? E tem outra coisa: será que todas as categorias estão lá para ganhar títulos, para ser campeão da Copa São Paulo, ou para formar um jogador profissional? Eu não estou aqui criticando o São Paulo, eu citei o clube porque é um exemplo de estrutura, mas o São Paulo faz algum tempo que não forma um lateral direito e um lateral esquerdo. Será que os laterais das esquipes de base jogam com o mesmo esquema do sub-15, sub-17, 20? Não! O sub-15 joga no 4-3-3, o sub-17 no 4-4-1! No Barcelona existe essa interação do treinador sub-20, com o 17. Reunir pelo menos uma vez por mês, o cara passa relatórios e diz, por exemplo: ´olha eu tenho esse garoto que está se desenvolvendo e ele pode trabalhar nessa função que você quer, Muricy, pode confiar'. O Muricy vai colocar o menino lá e ele vai se desenvolver! Acho que nós estamos vivendo uma crise de talentos.
UOL Esporte: É possível apontar um culpado por tudo isso? Dirigentes? Treinadores? A mídia? Os próprios jogadores? Todos? Ou estaríamos sendo maniqueístas demais ao tentar encontrar um só culpado?
Edmilson: Precisamos sempre melhorar, mas o dirigente não é o único culpado. O atleta também precisa ser mais responsável, os treinadores mais preparados. Acho que hoje não tem educador. O Telê Santana ensinava o cara a bater na bola, insistia para chutar de direita, de esquerda. Hoje, acaba o treino e o jogador não vê a hora de ir embora porque tem gravação. (O atleta) deixa o futebol às vezes como uma coisa secundária, mas é a vida dele. Infelizmente, antes você olhava para os grandes clubes europeus e tinha sempre dois, três atacantes brasileiros em cada um. Hoje, a gente não vê mais isso. Nossa referência, infelizmente, são os laterais e zagueiros. Por que isso aí? Talvez falte um pouco (do trabalho) dos dirigentes, um pouco do treinador, bastante do jogador e do entorno que move o futebol. Não me lembro de um treinador igual ao Telê Santana. O Parreira me ensinou bastante, em 1996, no São Paulo.... Mas o Rogério Ceni hoje é o que é por causa do Telê, que obrigava todo mundo a chegar meia hora antes e ir para o paredão treinar passe. Hoje, você não vê mais um meio-campista fazer uma mudança de jogo, um zagueiro dando um passe de 40 metros.
UOL Esporte: Você defendeu dois grandes clubes da Europa (Barcelona e Lyon). Qual o balanço que você faz de sua experiência por lá?
Edmilson: Em quatro anos no Lyon (entre 2000 e 2004), fui tricampeão francês. Mas tive uma temporada bastante difícil depois da Copa. Até tinha uns caras que queriam me boicotar, achando que eu me sentia 'o cara' e nunca fui assim. Fui muito bem e discreto, mas francês é um pouco ciumento. Tinha lá um brasileiro 'meio francês' que me boicotou também. Não era o Juninho nem o Caçapa...é só ver direito quem estava lá (risos). Mas meu objetivo mesmo era ir para um clube grande. A chegada no Barcelona (em 2004) foi um sonho. Tinha 28 anos, quatro anos de contrato. Cheguei bem fisicamente, estava jogando na seleção. Só que rompi o ligamento cruzado com apenas cinco jogos. Graças a Deus consegui me recuperar e fazer uma temporada excepcional com o Barça. Fui convocado para a Copa da Alemanha de 2006 e fui cortado também. Tive uma recaída no próprio joelho que eu havia operado. Fui convocado e a gente fez um exame durante a preparação, e foi constatado que tinha uma lesão de menisco.
UOL Esporte: No Barcelona você jogou com o Ronaldinho Gaúcho e Messi. Agora de fora observa o Neymar. Ele está seguindo o caminho para ser o melhor jogador do Mundo?
Edmilson: Nunca joguei com alguém igual ao Ronaldinho Gaúcho. A temporada que ele fez em 2005/06 foi excepcional. Ele levava o time nas costas. Era aquele tipo de jogador que você fala 'para esse aí eu vou correr, vou correr até demais'. O Messi veio como referência da base. O Barcelona tem toda essa metodologia que protege quem é a referrência. É um ciclo. O cara não vai ficar para sempre. Após dois anos, o Messi vai ter que buscar novos ares, novos desafios. Está vindo o Neymar. Com certeza o Barça o está preparando. Ele também foi muito bem assessorado para realmente saber que hoje a referência é o Lionel Messi. Acho que ele melhorou nesse período no Barcelona. Taticamente, ele está muito melhor do que no Santos. Não é aquele cara fantástico que pega e dribla, até porque não é o sistema do Barça. Você não pode passar por três, quatro. Tem que pegar e tocar rápido. Você não é o melhor do mundo de um dia para outro. O atleta tem que estar focado e acho que ele está se destacando, talvez de uma maneira diferente. Na metade da temporada de 2014 ele vai ser tão brilhante como o Messi ou até melhor. O Neymar tem carisma, é popular, sabe lidar com o público. Isso é bom para ele. Acho que foi o primeiro atleta estrangeiro a chegar no Barcelona e não ficar um dia no hotel. Já havia uma casa preparada só para ele.
UOL Esporte: Você é a favor de não ter mais a concentração antes de jogos?
Edmilson: Se tenho um grupo com profissionais realmente comprometidos, quem é o mais prejudicado? O próprio atleta. Vai do profissional se à noite ele vai dormir bem. Só se o cara for burro ele vai pra farra. Porque a hora que ele entrar em campo, não vai render. É pior para ele. Acho que essa consciência depende muito mais do atleta do que propriamente do treinador. Tem gente que dorme e come tarde, na casa dele ou em qualquer lugar. Eu não conseguia acordar meio-dia. Lá na França, a gente acordava de manhã, tomava um café, voltava para descansar um pouco e depois ia caminhar para 'tirar o hotel das costas'. Como que eu vou jogar quatro horas 'numa lua' sem antes tomar um cafezinho, dar uma alongada, espreguiçar o corpo e fazer uma caminhada?.
UOL Esporte: E sua atuação durante a Copa de 2002? Apesar das boas exibições no final do Mundial e do título, nem tudo foi muito fácil para você, certo?
Edmilson: Em 2002, fui como reserva e conquistei a posição durante a preparação. No primeiro jogo (Turquia 2 a 1 Brasil), fui titular. Na estreia, a Globo colocou a minha camisa de cabeça pra baixo, um bode expiatório. Sai o Edmilson, entra o Anderson Polga e o Brasil ganhou da China por 4 a 0. Fiquei chateado até porque analiso bem o jogo. Não fui mal para sair do time. Fiquei um pouco carrancudo, mas também conversei com o Scolari. Ele disse que queria testar o Anderson. Falei 'não tem nenhum problema'. Eu esperava uma nova chance e ela veio foi no terceiro jogo. Logo depois da partida contra a China, Roque Júnior, Roberto Carlos e Ronaldinho Gaúcho estavam com cartão amarelo. Ele não queria que eles tomassem o terceiro para ficarem suspensos e fez três alterações: Júnior, Edílson e eu. Fiz um dos gols. Eu não guardo nenhum tipo de rancor, pelo contrário, eu tinha que mostrar pra mim mesmo que tinha capacidade. Eu acho que a oportunidade apareceu e eu estava preparado. Mostrei para o Felipão que poderia seguir jogando.
UOL Esporte: Você acha que a TV e a imprensa em certos momentos pode prejudicar o desempenho de um atleta?
Edmilson: O papel de uma grande emissora é de informar dentro de um limite. Em 2002, só tinha imprensa na Universidade de Ulsan, onde a gente fez a preparação, e o contato foi muito grande. O grande erro de 2006, por exemplo, foi essa exposição total. Em 2010, o Dunga já blindou e foi criticado, mas na minha avaliação foi maravilhoso. Em 2006, parecia o Big Brother, com 10 mil pessoas assistindo a um treino. Acho que o Felipão vai isolar neste ano. A Copa é no nosso país, temos que usar a melhor estratégia para que o time realmente entre em campo blindado. Na Copa das Confederações, todas as declarações do Felipão pediam o apoio do torcedor. Cantar o hino nacional foi fantástico. Em 2002, a relação com a imprensa também era diferente. Não tinha tanta rede social, nós tínhamos poucas informações e o contato era só por telefone. Lembro que eu ligava pra minha mãe e ela dizia: 'É bom mesmo que você não jogue contra a China, pelo menos se perder você não estará no time e não será criticado!'. Eu respondi: 'Não mãe, pelo amor de Deus, não é assim (risos)!'
UOL Esporte: Por que o Palmeiras não conseguiu ser campeão brasileiro em 2009? A sua lesão atrapalhou muito para o seu rendimento?
Edmilson: O segundo semestre de 2009 foi muito duro. Quebrei o cotovelo, tenho até a marca. Não consigo esticar direito o braço até hoje. Mas o Vanderlei (Luxemburgo) tinha saído pela eliminação da Libertadores e veio o interino Jorginho. Ele fez uma excelente campanha, mas depois chegou o Muricy e também ganhou alguns jogos. Ganhamos por 3 a 1 de virada do Santos na Vila, com dois gols do Vagner Love. Abrimos 11 pontos e faltavam 11 rodadas. Acho que a gente chegou ao limite naquele jogo. Perdemos duas peças importantes, o Cleiton Xavier e o Pierre. Voltei muito mal e não conseguia o mesmo ritmo do começo de ano. Foi uma frustração muito grande, não só pra mim, mas para todos os palmeirenses. Até fiquei no banco em alguns jogos. Quando perdia, havia aquelas reuniões para lavar a roupa suja no vestiário e eu não falava muito. Como é que eu ia cobrar sendo que eu não estava rendendo nada? Não fui omisso porque, quando você está assim, não adianta chegar e apontar o dedo. Sentia que o time não ia. Foi uma decepção muito grande.
UOL Esporte: Porque você encerrou a carreira no Ceará e não no São Paulo? O São Paulo o procurou?
Edmilson: O São Paulo não me procurou. Tinha prioridade de voltar, mas o projeto do Palmeiras era legal. Infelizmente, fomos eliminados na Libertadores e houve a frustração do Brasileiro. O projeto de 2009 foi muito bem feito, mas demos aquela vacilada no final. Depois, fiquei um ano e meio no Zaragoza e pensava que seriam meus últimos anos de contrato. Quando voltei, tinha propostas de alguns clubes grandes de São Paulo e Rio. Só que eu já voltei pensando em jogar seis meses. Queria ser mais importante fora de campo do que dentro. Foi quando o Vagner Mancini ligou. Ele estava no Ceará com um time legal. Conversei com minha esposa e meu empresário. Queria desacelerar. Se fosse para o Vasco ou Santos (times que recebeu propostas) eu seria apenas mais um. Queria ser mais importante na reconstrução de um clube do que propriamente jogar bola. O Ceará se encaixava neste projeto.
FOTO: UOL
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