Muricy em 2011, quando treinou o Santos. Foto: Ivan Storti/Santos FC

Muricy em 2011, quando treinou o Santos. Foto: Ivan Storti/Santos FC

Os técnicos de futebol, em sua esmagadora maioria, detestam ser contrariados, contestados. Já fui testemunha de várias invertidas, duras, demonstrações de chiliques, protagonizadas pelos “professores” em entrevistas, quando algum jornalista, por descuido, ou por convicção mesmo, comete o “abuso” de discutir determinada decisão de nossos treinadores.

Eles não gostam de ser colocados à prova. Por insegurança, ou por soberba, o certo é que não gostam. Ficam “pistolas”, para usar um termo muito utilizado atualmente, mesmo que se lembre que a palavra nada tem de nova. Muito pelo contrário, pois o meu vô, de vocabulário vasto, a utilizava no dia a dia.

Bem, mas como o Muricy Ramalho não é mais técnico de futebol e sim “comentarista” - embora, ressalte-se, não é jornalista, profissional, e essa é a razão das aspas -, com certeza vai permitir algumas considerações sobre o que disse ao blog do também “comentarista” Caio Ribeiro nesta terça-feira, 23/06.

Considerações deste jornalista profissional, sim, com muito orgulho.

Na conversa com o ex-jogador, Muricy relembrou a humilhante derrota que o Santos, dirigido por ele, sofreu na decisão do Mundial de clubes, para o Barcelona, por 4 a 0, em 2011.

“Que azar eu dei, justo naquele dia! A gente tem que ver a realidade. Nós sabíamos que era muito difícil. Não estávamos enfrentando um time. Estava enfrentando uma seleção mundial. O Barcelona era brincadeira, tinha um baita treinador. Nosso time era jovem, o Neymar tinha 19 anos. Até para entrar em campo só faltou os nossos jogadores tirarem foto do Barcelona, só ficavam olhando os caras”, disse Muricy Ramalho, que durante a carreira de técnico se notabilizou pelo gesto de bater no braço e bradar: “Aqui é trabalho, meu filho”.

Pois trabalho de treinador foi o que faltou para aquele Santos de 2011.

Basta uma rápida pesquisa no material de arquivo para constatar que Muricy Ramalho passou o segundo semestre todo dizendo que o Santos estava treinando para desenvolver um futebol de toque de bola, “parecido” com o que o Barcelona mostrava em campo.

Este era o seu discurso de todos os dias no CT Rei Pelé. O Santos, mesmo com Neymar, Ganso e cia, terminou o Campeonato Brasileiro daquele ano, vencido pelo Corinthians, na décima colocação. Ou seja, o time de Muricy Ramalho abandonou a competição para pensar e se preparar unicamente para a decisão do mundial de clubes.

E o que se viu naquele 18 de novembro de 2011 no Estádio Yokohama foi um verdadeiro massacre. Muricy Ramalho, nos minutos que antecederam à partida, resolveu escalar uma equipe com três zagueiros: Bruno Rodrigo, Edu Dracena e Durval. Note-se que tal esquema não havia sido utilizado durante a temporada.

Com três zagueiros, e nenhum deles com características de líbero, que pudesse começar a armação do time a partir da defesa, o Santos chamou o Barcelona, de Xavi, Iniesta, Fábregas e Messi, para o seu campo. Estava pronto o cenário para a vergonhosa goleada.

O placar parou no 4 a 0 porque Elano, como ele próprio, Elano, revelou depois, pediu clemência aos adversários. Um apelo de trégua generosamente atendido por Lionel Messi e seus companheiros.

Está certo que, como ficou constatado depois, Neymar entrou em campo já negociado com o adversário. Mas este aspecto, grave, admito, não influenciou no rendimento do astro santista.

O que não se discute, até porque, convenhamos, é incontestável, o Barcelona tinha mesmo uma seleção e era muito superior ao Santos. Mas o Santos de Muricy Ramalho poderia ter jogado melhor, teria de ter mostrado em campo as “inovações” propagadas pelo seu treinador durante o segundo semestre de 2011.

O que viu em campo foi um time completamente dominado, sem ânimo até para disputar as jogadas com mais vigor.

“Não resolve só dar porrada. Percebi que estava tudo muito quieto e fui atrás dos jogadores. Quando abriram a porta do quarto, tentaram esconder as cervejas e os copos e eu brinquei: ‘Vocês achavam que daria paga ganhar dos caras’?, logo o clima ficou descontraído e a gente tomou uma cerveja todos juntos, contou Muricy, aos risos.

Ganhar, talvez não desse, Muricy, mas dava para o Santos ter mostrado muito mais do que ousou mostrar.

E, como Muricy Ramalho agora não é mais treinador e sim “comentarista”, escrevo, como jornalista profissional, que a responsabilidade pelo vexame em território japonês não pode e não deve ser atribuído apenas ao “jovem” time do Santos.

Muricy também errou. E muito. E seria sensato que na condição de “comentarista”, Muricy Ramalho refletisse e falasse que o outrora técnico de futebol Muricy Ramalho fez escolhas equivocadas e não preparou adequadamente o Santos para a decisão no Estádio Yokohama.


Últimas do seu time