Ninguém esperava que Portugal chegasse à decisão do Mundial Sub-20. Este colunista, responsável pelo preview da seleção das Quinas para o Olheiros, por exemplo, analisava que já seria "aceitável" ver a equipe na segunda fase. A desconfiança também existia em território luso, visto que as emissoras de TV do país não transmitiram jogos da primeira fase - causando muitas reclamações. Até por isso, o vice-campeonato português na Colômbia foi recebido com festa e reconhecimento ao esforço dos meninos tugas por parte dos meios de comunicação e dos próprios torcedores.
A campanha no Mundial Sub-20, naturalmente, traz um otimismo ao futebol local, carente de uma geração que seja tão promissora quanto a campeã na categoria em 1991, de Figo, João Pinto e Rui Costa. Ao mesmo tempo, contudo, vem a preocupação sobre a forma como esses meninos serão aproveitados em suas equipes - algo que é reconhecidamente um problema enorme no atual futebol português, e que será um desafio ainda maior aos 21 jogadores do que o de levar Portugal à decisão na Colômbia. E apesar do expressivo resultado no Mundial, a perspectiva ainda não é de grandes mudanças.
Para se ter uma ideia do cenário, dos convocados para o Mundial Sub-20, apenas o zagueiro e capitão Nuno Reis fez mais de 30 partidas como profissional na última temporada. O defensor, no entanto, realizou todos esses jogos pelo Cercle Brugge, da Bélgica - ao qual foi novamente emprestado pelo Sporting para 2011/12. Os segundo mais "experiente" foi o atacante Rafael Lopes, que fez 27 partidas jogos pelo Varzim, na segunda divisão. Em seguida vêm o lateral esquerdo Mário Rui (25 partidas pelo Fátima, também na segunda divisão, emprestado pelo Benfica) e o volante Pelé (24 jogos pelo Belenenses, outro da Segundona).
Como se vê, o debute profissional dos quatro mais rodados do elenco sub-20 português se deu longe do país ou em escalões inferiores do futebol local, cujo nível técnico está longe do ideal. E apesar de 13 dos 21 convocados estarem vinculado a algum dos três grandes (Porto, Sporting e Benfica) na temporada passada, nenhum chegou a defender a equipe a qual pertence. E dois destes (Saná e Mário Rui) já deixaram o Benfica, atrás de oportunidades. Passo esse que o volante Danilo (ex-Benfica) e o atacante Caetano (ex-Porto) já haviam feito em 2010, quando rumaram, respectivamente, a Parma e Paços de Ferreira.
A salvaguarda, então, acaba sendo os clubes menores da primeira divisão, que geralmente recebem atletas emprestados pelos grandes vistos como mais promissores para que ganhem a rodagem "necessária" antes do passo rumo ao time principal - processo esse que por vezes dura muito mais do que uma temporada. Do elenco vice-campeão mundial sub-20, os exemplos são Sérgio Oliveira, cedido pelo Porto ao Beira-Mar, e Nelson Oliveira, que o Benfica emprestou ao Paços de Ferreira. E em contrapartida, são estas agremiações menores as que, paralelamente, mais atraem estrangeiros "baratos", em detrimento à atenção às suas próprias canteiras.
Até por isso, as aparições do promissor Mika no União de Leiria e do meia Júlio Alves no Rio Ave foram verdadeiros "achados" na seleção. Mas mesmo com seus potenciais, figuraram, juntos, menos de 15 vezes na última temporada. E, inclusive, já foram negociados. O arqueiro, eleito o melhor goleiro do Mundial Sub-20, foi vendido ao Benfica, enquanto o meia vilacondense rumou ao Atlético de Madrid. O próprio Pelé - que foi negociado com o Genoa - só ganhou espaço no Belenenses quando o time do Restelo caiu à segunda divisão, em 2009/10.
Em que pese o vice no Mundial da Colômbia, o cenário não deve mudar muito. Dos 21 convocados por Ilídio Vale, 13 estão vinculados à equipes da primeira divisão, sendo que dois (Nuno Reis e Amido Baldé) estão cedidos ao futebol belga. Contudo, dos 11 que poderão atuar na elite portuguesa, apenas seis realmente devem ter alguma chance em campo: os três emprestados pelos grandes a times menores (Sérgio Oliveira, Ricardo Dias e Cédric) e os três de clubes que fazem parte da "tríade" - Serginho (Beira-Mar), Caetano e Rafael Lopes (Vitória de Setúbal) não estão vinculados a alguém da "tríade".
Os outros cinco, dentre eles justamente os dois destaques da equipe no Mundial (Mika e Nelson Oliveira), dificilmente terão oportunidades. Mika será apenas o terceiro goleiro do Benfica, atrás de Eduardo e Artur Moraes. Nelson Oliveira, Bola de Prata na Colômbia, tem dura concorrência por vaga no ataque encarnado e deve ser mais uma vez emprestado até o final da janela. O zagueiro /93 Tiago Ferreira e o goleiro /92 Luís Martins devem seguir com os juniores de, respectivamente, Porto e Benfica. Apenas Roderick, até pelas Águias não terem tantas opções para a zaga, pode ser, eventualmente, relacionado para o banco.
Em outras palavras: só cerca de 28% dos jogadores vice-campeões mundiais sub-20 é que deverão ter reais oportunidades na primeira divisão nesta temporada. Número baixo, dentro de uma média recorrente e que evidencia o pouco prestígio que o futebol jovem tem em Portugal. Se o feito em gramados colombianos iniciará uma mudança nesse cenário - como se deu em 1989, ano do primeiro título mundial luso no sub-20, que abriu os olhos dos clubes às categorias de base - os próximos meses é que dirão. O retrospecto, contudo, alerta: o desafio é dos maiores. Com a resposta, os clubes.
Tempo extraEste escriba, na última semana, analisou em sua coluna na Trivela a seleção portuguesa vice-campeã mundial sub-20, comparando-a com a geração de 1989, que conquistou o título da categoria pela primeira vez. Confira AQUI.
Foto: iG/AFPClique aqui e acesse o site OLHEIROS.NET