O futebol brasileiro faliu. A afirmação pode parecer forte, mas é a realidade para muitos clubes do país, que se fossem empresas poderiam ter a falência decretada.
Da Série A à D do Campeonato Brasileiro não faltam times endividados, cada vez com maior dificuldade pagar sustentar contas do dia a dia, criando uma espécie de ciclo vicioso.
Não por acaso assistimos Botafogo, Cruzeiro e Vasco da Gama com dificuldades na segunda divisão. Um cenário que se deteriorou ainda mais desde que a Globo, detentora dos direitos de transmissão do Brasileirão, deixou de pagar uma cota com valores de primeira divisão para os rebaixados, que se viram imersos a uma nova realidade, agravada por uma situação financeira bastante complicada antes mesmo do rebaixamento.
Do trio, a maior dívida é a da Raposa, que, segundo o balanço da temporada 2020, é de R$1.053 bilhão. Para efeitos de comparação, em 2020, já na Série B, o clube faturou R$119 milhões. A dívida é quase nove vezes maior do que o arrecadado ano passado. Mas note que estamos falando de faturamento e não de lucro (até porque clubes sociais são entidades sem fins lucrativos). Ou seja, a diferença entre a monetização do clube e o passivo é ainda maior.
Botafogo, com uma dívida de R$1.005bi, e Vasco, devendo R$912mi, apresentam uma diferença de 6,4 e 5.33, respectivamente, na relação entre faturamento anual e dívida.
Entretanto, isso não se limita à segunda divisão. Os maiores devedores estão na Série A. Atlético Mineiro, com uma dívida de R$1.32bi, e Corinthians, devendo R$1.3bi, lideram a lista.
Terceiro maior devedor da elite, o Inter tem uma situação bem delicada. A dívida é de R$1.013bi, com receita bruta de R$259mi. Uma diferença de quase quatro vezes entre dívida e faturamento, a maior do Brasileirão.
Obviamente a pandemia acertou em cheio o cofre dos clubes. Desde março do ano passado ninguém faz receita com bilheteria, os planos de sócio torcedor sofreram debandada e parte considerável dos patrocinadores se afastou ou renegociou contratos.
Mas o histórico das dívidas não é recente. Podemos citar dois marcos como referência nesse processo. O primeiro deles é a Lei Pelé, sancionada em 1998. Não que o problema seja a lei. Ela foi moderna para a época e colocou o futebol brasileiro em sintonia com o que já acontecia na Europa.
A questão é que os dirigentes da época não se prepararam para a mudança. O desconhecimento da nova legislação levou a uma enxurrada de processos trabalhistas, que afetam as agremiações até hoje.
O segundo marco foi o fim do Clube dos Treze, que negociava de maneira coletiva os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, com uma distribuição de renda que, ainda que não fosse a ideal, evitava uma maior desigualdade.
Com os clubes negociando individualmente seus contratos, logicamente quem tinha mais torcida conseguiu negociar contratos melhores, o que levou a uma diferença cada vez maior entre os clubes da elite. A consequência desse novo mercado desigual e abastecido com o dinheiro dos novos contratos de TV foi a inflação.
Por exemplo, Botafogo e Vasco passaram a receber mais, mas a diferença para o Flamengo cresceu ainda mais. Ou seja, perderam poder de compra. Para acompanhar o rival, passaram a gastar mais do que podiam. Até que uma hora a conta chegou...
Estamos próximos de um novo marco. A "lei do mandante", aprovada recentemente na Câmara Federal (agora será votada no Senado e, caso aprovada também por lá, deverá ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro), dará exclusivamente ao mandante o direito pela transmissão do jogo em questão, lembrando que atualmente esse direito pertence às duas equipes.
Isso já acontece fora do Brasil. Adotam esse modelo na Premier League, por exemplo, mas como a venda dos direitos é coletiva, isso acaba afetando pouco a relação entre clubes e emissoras. A liga inglesa é referência na comercialização das suas transmissões, assim como na saudável distribuição das receitas.
Em Portugal o modelo é parecido, mas com os clubes negociando individualmente os seus jogos. O resultado foi uma maior concentração do dinheiro nos três grandes (Benfica, Porto e Sporting) e, consequentemente, o encolhimento dos menores.
Até aqui os clubes brasileiros parecem dispostos a lutar a luta errada. Mais importante do que definir a quem pertence o direito de transmitir o jogo, é saber como vendê-lo. Não faltam exemplos pelo mundo de como a venda coletiva valoriza o produto como um todo, trazendo mais dinheiro e, principalmente, o distribuindo de uma maneira que beneficie a todos os envolvidos.
A tendência, caso a venda individual prossiga, é uma novo processo de ampliação da desigualdade no futebol brasileiro, com chance real de nova inflação.
O futebol brasileiro está no buraco, mas ainda é possível salvá-lo. É preciso tirá-lo de lá, não cavar ainda mais fundo.