Uma história de ficção, ambientada na cidade maravilhosa retratando a derrota na Copa de 1950

Uma história de ficção, ambientada na cidade maravilhosa retratando a derrota na Copa de 1950

Após 63 anos, se você perguntar em qualquer parte do país, qual foi a maior tristeza do futebol brasileiro, aposto que 7 entre 10, responderão: a derrota na Copa de 1950.

O ainda dolorido "Maracanazo", faz parte das culpas que não deveríamos carregar, afinal era para ser apenas um jogo.
Mas para nós brasileiros, o futebol  não o  é.
A intensidade das emoções nos faz misturar  vitórias e tristezas com o futebol.
O porque deste regimento de sorrisos e lágrimas insanas fora da ordem, eu não sei.
A pouco tempo me peguei em uma lista das boas coisas que tinham acontecido na minha vida e adivinha?
Os títulos do meu time e as vitórias da seleção brasileira estavam nas linhas "mal traçadas" do numerário.
Este humilde escriba inseriu personagens fictícios em uma história real para retratar a epopéia da dor de 50, as vezes curada, outras vezes nossa fuga para o masoquismo.
Mas peço a leitura do texto e agradeço as críticas.


As Finais de 50 - Parte 1:
Sete Gols e 140 Mil Corações
Eu esperei 13 meses. O Maracanã ficou monstruoso, recebeu o nome de Mendes de Morais, o cidadão que se intitula o grande responsável pela obra, já que é o prefeito do Rio de Janeiro.
 A cidade está linda, o sol não cansa de iluminar a Baía de Guanabara desde do amanhecer até o cair da noite. O Alfredo é meu melhor amigo e nós somos fanáticos por futebol. Temos pequenas discussões, ele é Flamengo e eu sou paulista e corintiano. Cheguei no Rio de Janeiro apenas para a Copa do Mundo.
O mundo vive um momento conturbado, nem acabamos de sair da segunda batalha mundial, agora surge essa tal de "Guerra Fria" entre americanos guiados por Harry Truman e a União Soviética, do bigodudo do Stalin.
É a tal da bipolaridade. Aqui não podia ser diferente, o presidente era Ministro da Guerra do Getúlio, o quase anão Eurico Gaspar Dutra. Dizem que o Vargas volta ano que vem para o comando e ainda há boatos de que o gaúcho terá o apoio do Ademar de Barros, que manda em São Paulo. Num sei não!!!
O meu ídolo é o Baltazar, joga no meu time de coração, exímio marcador de gols com a cabeça. O Alfredo é fanático pelo Zizinho, que deixou o Flamengo há pouco tempo.
Na estreia do Brasil nos divertimos muito, pois além da goleada do escrete de Flávio Costa sobre o México, nós passamos a noite inteira numa festa no Copacabana Palace, dançando com uma prima do goleiro mexicano Carbajal.
Já no segundo jogo eu fiquei decepcionado. Eu escutei pelo rádio, narrado pelo Ary Barroso, mas o escrete brasileiro não saiu do empate por 1 a 1, com a Suíça, o jogo foi no Pacaembu, na terra da garoa.
Comprei o Jornal dos Sports no dia seguinte, para ler o Mario Filho. Eu estava com o coração na boca e me perguntava: - Será que o título não vem? Mas o jornalista é muito otimista e entende do assunto.
Categoricamente afirmou que o Brasil venceria a Iugoslávia. E não é que o homem estava certo!? Com gols de Ademir e Zizinho, os europeus levaram um baile.
Aquele foi o último jogo da primeira fase da Copa, agora, as "pelejas" serão todas disputados no Maracanã e no Pacaembu.
Nós vamos jogar apenas no Rio, contra a Suécia, Espanha e por último o Uruguai, que eram os outros finalistas.
O Alfredo estava agoniado com a chegada do quadrangular. Ele não acreditava muito no time de Flávio Costa e companhia. Alguns dias antes de começar os jogos decisivos, disse para mim: - Nélson, não será desta vez que vamos ser campeões, alguma coisa me diz.
Respondi loucamente, como um hipopótomo nervoso no cio: - Não quero saber essas opiniões negativas, vamos ser campeões e chega de advinhar o azar!!!
Já basta em 38, quando os italianos nos roubaram.
Deixamos a previsão do futuro de lado, e lá estávamos, no maior estádio do mundo. Hoje é domingo, 9 de julho. "Gosto do 9, quem ostenta essa camisa é o Queixada, no mínimo ele marca dois nesta tarde", pensei silenciosamente.
O confronto é contra a Suécia. Pode ser perigoso, afinal eles mandaram para casa os italianos, que são os atuais bicampeões mundiais. O Alfredo está pálido, parece um fantasma, não fala uma palavra, acha porque acha que não iremos conquistar o certame.
O jogo começa, e o Brasil não toma conhecimento dos nórdicos. O Ademir, como eu previa, marca dois gols num curto espaço de tempo, aos 17 e 36. Ainda na primeira etapa, o Chico amplia para 3 a 0.
Parecia um sonho, o Alfredo parecia que tinha saído do dentista, não parava de sorrir. O estádio com 139 mil torcedores comprimia um barulho ensurdecedor, era apenas um ritmo. Confesso que espero mais gols neste segundo tempo. E foi que aconteceu.
O Ademir estava endiabrado, ou melhor, era o próprio diabo. Logo aos 7 e repetindo o feito aos 13, ampliava para 5 a 0, o Maracanã gritava, essa era a nítida impressão. Não era só as pessoas e o concreto frio que se separavam, numa simbiose juntaram-se e num misto de emoções e chacoalho daquele cimento frio, apoiavam aquele espetáculo do escrete de Flávio Costa.
Os suecos diminuíram aos 24 minutos, um gol de pênalti, de um cidadão que tinha o nome do meu primo: Anderson.
Mas antes ficassem quietos, nos seus lugares com aqueles cinco gols tomados, porque no tento que assinalaram por aquele loiro, despertaram os monstros de branco, que impiedosamente noucautearam os vikings com dois golaços de Maneca e Chico.
Eu, o Alfredo e também o Ary Barroso, que narrava as partidas pelo rádio, nem o confiante Mário Filho, acreditávamos naquele placar: 7 a 1.
Naquele exato momento, todos brasileiros pensaram conjuntamente: esta taça ninguém nos tira.
A nossa confiança se ampliara ainda mais com a notícia que chegara de São Paulo.
O Uruguai não saiu de um empate por dois gols com a Espanha. O Alfredo já destinara suas energias para comprar nossos ingressos para o jogo contra os espanhóis.

 
As Finais de 50 - Parte 2:
Touradas no Maracanã

Hoje eu acordei com uma marchinha do Braguinha cantada por Carmem Miranda na cabeça: "Eu fui às touradas em Madri / Para tim bum, bum, bum / Para tim bum, bum, bum / E quase não volto mais aqui".
Talvez seja porque estou ansioso para o jogo do Brasil . Daqui a pouquinho vou para o estádio e vamos encarar a Espanha, e esse tom carnavalesco entoa nos meus ouvidos.
Eu disse ao Alfredo que não espero a vitória por goleada como foi contra os suecos. Mas venceremos. A menor dúvida não paíra sobre este, que apoiará incondicionalmente o nosso escrete de branco. Apelidei o Alfredo de "obturado".
Depois da primeira vitória contra os nórdicos, ele não para de mostrar seus dentes. Agora é fácil, mais antes de começar a fase final, o rapaz era um poço de pessimismo.
Uma coisa me preocupa arduamente. Vários vereadores, deputados e senadores, sem falar nos prefeitos e governadores, andam infernizando a concentração do time de Flávio Costa em São Conrado. Ficam jogando conversa fora, promovendo-se ao lados dos nossos craques. Temos que tirar estes calhordas, se não...
Chamei o Alfredo e pegamos o bonde para ir ao Maracanã. Ao chegar no "maior do mundo" deparamos com um mar de pessoas procurando seus lugares, uma bagunça à brasileira. Nada mais que 153 mil pessoas lotaram aquele que se transformara para sempre numa obra divina da arquitetura mundial. Estava pasmo com a quantidade de pessoas, que nos atarraxavam no sólido e frio degrau que nos confortava.
Mas para assistir aos "bailarinos", como definia o Ary Barroso no rádio, valia tudo.
Os comandados de Flávio Costa jogam de branco, parecem anjos que pulam de nuvem em nuvem e que sem escrúpulos, como se tivessem o "poder" de São Pedro, trovoam os adversários, e os espanhóis souberam bem o que é isso. Logos aos 15 minutos, Ademir "Queixada" abria o placar, o milimétrico Jair  Rosa Pinto aumentava o score para 2 a 0, e o Chico também tatuou o seu nome naquela partida, executando o pobre Ramallets.
Terminara o primeiro tempo, 3 a 0 para o Brasil. Jogávamos por música, éramos invencíveis, nada nos deterá rumo ao título de campeão mundial. O Alfredo não acreditava!! Outra goleada nascia naquele horizonte de craques que desfilavam os gramados do Rio de Janeiro.
A etapa final foi deslumbrante e emocionante. Chico, novamente, fuzilara o arqueiro espanhol, alterando o placar para 4 a 0. Não deu tempo para se recuperar, e o
Queixada marcara o seu nono na Copa.
Naquele momento fiz uma promessa a outro torcedor, que postava ao meu lado: - Depois do Mundial vou confiscar aquela grama e deixar no meio da Praça 15, para aqueles que gostam do bom futebol possam reverenciar a grama que 11 monstros sagrados pisaram.
Após as promessas da criação do santuário futebolístico ainda vi o mestre Zizinho assinalando o sexto tento diante da Fúria. Nem o gol de honra dos espanhóis e muito menos a notícia que chegara de São Paulo, que os uruguaios, nossos próximos adversários, derrotaram a Suécia tiraram nossa alegria.
Faltavam alguns minutos para o final do jogo quando aquela maldita marchinha do Braguinha voltou a minha cabeça e comecei a cantarolar aqueles versos:
"Eu fui às touradas em Madri
Para tim bum, bum, bum
Para tim bum, bum, bum
E quase não volto mais aqui"
O Alfredo também começou a cantar "Touradas em Madri", e aquela marchincha se alastrou pelo estádio quase que simultaneamente entre as arquibancadas, gerais e até nas numeradas. Parecia uma só voz pelas galerias:
"Eu conheci uma espanhola natural da Catalunha
Queria que eu tocasse castanhola
E pegasse o touro à unha
Caramba, caracoles, sou do samba
Não me amoles
Pro Brasil eu vou fugir
Que é isso é conversa mole para boi dormir
Para tim bum, bum, bum
Para tim bum, bum, bum"
Eu não acreditava no que estava acontecendo.
O Maracanã deixou de ser um palco para o esporte e passou a ser mais importante que a própria Copa do Mundo, ali, naquela marcha tão inocente que consolidou um orgulho daquele povo.
 



As Finais de 50 - Parte 3:

A tragédia Brasileira

Eu, em carne e osso, vou presenciar uma final de Copa do Mundo. Ainda por cima no meu país! E quer mais? Os nossos bravos jogadores marcaram 13 gols e sofremos apenas dois nas finais. O adversário da última partida? Enfrentamos em três oportunidades em 49, vencemos duas e perdemos uma.
Esta taça ninguém tasca!!!
Para assistir a este jogo, que com certeza mudará a história deste país, chamei o meu tio Vicente, para acompanhar o confronto histórico contra os uruguaios. Este homem de 65 anos dedicou sua vida ao futebol, não conseguiu se firmar como jogador em nenhuma equipe e depois tentou trabalhar como técnico e também fracassou. Não casou, não teve filhos. Sobraram apenas os gols para a sua alegria.
Tio Vicente chegou radiante.
Agradeceu-me, tentando beijar o meu rosto, refutei, mas não o magoei. O Alfredo chegou com os ingressos que ele comprou de um amigo que era o bilheteiro. Foi uma festa, compramos cerveja e comemos umas cebolas com sardinhas cruas.
Comprei o Jornal dos Sports no dia seguinte para ler o Mário Filho, que havia criticado a troca de concentração da seleção brasileira. O escrete tupiniquim deixou São Conrado para alojar-se em São Januário, sede do time da Cruz de Malta, onde nenhum jogador tinha sossego. O Alfredo, flamenguista doentio, brincou ao afirmar que era um mau sinal. O tio Vicente ressaltou que nunca uma equipe do mundo jogara o que os homens de branco mostraram dentro das quatro linhas.
Enfim, chegou a sexta-feira mais esperada da minha vida. Hoje, o Brasil finca o seu nome nos livros de história como a equipe campeã mundial de 1950.
Na porta do Maracanã, o tio Vicente chorou. Disse que era o dia mais feliz da vida dele e que depois desta partida poderia descansar no seu leito de morte. Eu fiquei irado:
- Pô, tio, estamos numa final de Copa do Mundo, no nosso país, precisamos de bons pensamentos, e o senhor vVem falar da sua morte. Pelo amor de Deus. Isto vai trazer um azar danado.
Nem Moisés, que abriu o Mar Vermelho, conseguiria atravessar aquele oceano de pessoas. Tudo estava lotado: banheiros, os carrinhos dos pipoqueiros, até os guardas estavam nervosos, pois eram obrigados a dar muitas informações.
Sentados na arquibancada, aflitos e ansiosos, 200 mil torcedores naquela cidade de concreto, todos gritando e aplaudindo os pupilos de Flávio Costa.
O início da partida foi tenso, o Brasil não conseguia dar seguimento nas suas jogadas de ataque, e os uruguaios endureciam o jogo, liderados por pelo capitão Obdulio Varela.
 No segundo minuto da etapa inicial, Friaça não teve dúvidas e rifou as esperanças platinas, deixando o Máspoli na saudade.
Era o que faltava!!! Abracei o tio Vicente, o Alfredo, uma moça que estava ao meu lado e depois obrigatoriamente seu acompanhante, o velho da arquibancada acima e de baixo também. O Alfredo queria cantar o hino nacional e o meu tio queria ajoelhar e agradecer a Deus, Nossa Senhora de Aparecida, de Fátima, e outros que não entendi.
Aquele título que começava aparecer na nossa cabeça.
Afinal, 1 a 0, agora são favas contadas, vamos ser campeões.
Não sei o que aconteceu, mas aquele gol bloqueou os jogadores brasileiros.
Varela gritava, e os atacantes Ghiggia e Schiaffinno incomodavam o nosso Barbosa.
No estádio estava um barulho infernal. Muitos torcedores gritando, outros rindo, todos no frigir dos ovos brotavam felicidade.
Aos 21 minutos , Schiaffino conseguiu empatar a partida.
E horripilantemente os craques de branco pararam, e aquela camisa celeste se multiplicava em campo.
Os torcedores continuam a gritar muito forte, tanto que eu não escutei o que o Alfredo e o meu tio Vicente balbuciavam - e eles estavam sentados ao meu lado.
O jogo era estranho. O Brasil, que simplesmente trucidara os seus adversários, parecia que sofrera uma paralisia.
E o pior, o inimaginável, aconteceu. Ghiggia escapou pela esquerda, Bigode não o alcançou, e o atacante uruguaio chutou no canto esquerdo, entre o arqueiro Barbosa e a trave.
O imponderável marcou sua estadia, a Celeste virou a partida e vencia por 2 a 1.
Os torcedores, que estavam alucinados, calaram-se. O Maracanã emudeceu.
Escutávamos os jogadores chutando a bola no gramado.
Um silêncio mórbido que corroeu nossas entranhas. Eu queria dizer algo ou fazer algum movimento, mas não tinha forças. Sentia meu coração cavalgar.
Quase 40 minutos do segundo tempo, e o escrete inerte. Tristemente sem reação.
Tio Vicente estava pálido, não acreditava naquela tragédia que se consolidava.
Faltando três minutos, um corner para o Brasil. Uma minúscula gota de esperança formava-se novamente, mas foi rapidamente sepultada pelo arqueiro Máspoli.
Estranhamente, tio Vicente vira naquele escanteio o empate brasileiro.
- Nélson, empatamos com o Queixada.
Pálido e suado, repetiu por inúmeras vezes que éramos campeões mundiais.
Falava cada vez mais baixo.
O árbitro inglês George Reader decretou o fim do martírio.
Uruguai campeão. Inacreditável.
 Uma tragédia imensurável e descomunal.
Um rio de lágrimas inundou no Maracanã, os dirigentes brasileiros se recusaram entregar a taça a Obdulio Varela.
Tio Vicente delirava e repetia por várias vezes:
- Fomos campeões, campeões!
Os torcedores chocados deixavam o colosso de concreto, Ary Barroso não tocou sua gaita, uma enxurrada de desilusões, as bandeiras deixavam o campo, a esperança de um título ficava no passado, e o velho Vicente fechou os olhos eternamente acreditando no título.
Transcrição do texto de Mário Filho no Jornal dos Sports do dia 17 de julho:
"A derrota foi um golpe. Ninguem deixou de senti-lo. Quando o Uruguai marcou o segundo goal o silencio que se fez no Estádio - o silêncio de 200 mil pessoas - chegava a assustar. Era a desolação da derrota. A multidão ficou parada sem querer acreditar no que via. O Estádio não se enchera para aquilo. Não fôra para aquilo que se travara a batalha das cadeiras, das arquibancadas e das gerais. Não fôra para aquilo que milhares de brasileiros tinham vindo ver o último match do campeonato do mundo. Todas aquelas 200 mil pessoas haviam marcado encontro no Estádio para saudar os brasileiros como campeões do mundo. Por isso o Estádio se tornou pequeno: era o maior do mundo, mas nele não podia caber todo o Brasil. As outras 50 milhões de pessoas que ficaram de fora, perto e longe, no centro, no norte e no sul do Brasil".

Últimas do seu time