Hoje é daqueles dias em que as redes sociais derramarão em seus olhos um tsunami de adjetivos. Maravilhoso, lendário, mítico, majestoso, histórico etc. Estes e muitos outros irão encobrir atos; verbos e substantivos que ficarão à sombra do que realmente importa: tudo aquilo que é culpado, responsável, causador, referido ou atribuído a Pelé, dito “Atleta do Século”, “Rei do Futebol”, que hoje completa 80 anos. Pois bem, vou hoje na contramão da maré e vou mostrar a vocês o que esse senhor fez com as nossas vidas em oito décadas de existência neste planeta de provas e expiações.

1 – Transformou-se em símbolo do “Brasil-sucesso”, nosso passaporte. Em qualquer lugar do mundo, de Laos a Nova York, da Vila Boa Vista à Oxford Street, do Sri Lanka ao bar do Arlindo, a palavra “Pelé”, abre portas e – melhor – coopta sorrisos.

2 – Sem mostrar a cara na televisão e na internet, “sequestrou” o símbolo das nossas referências em qualquer área. Milton Neves, por exemplo, virou o “Pelé do Rádio”, dona Floriza, minha sogra, a “Pelé da gemada”, entre outros.

3 – Tomou o lugar dos maiores pacifistas do mundo e parou uma guerra! Como pode um jogador de futebol paralisar a mente hermética de militares inimigos para ver 22 soldados vestidos de jogadores de bola? Pergunte em Benin, na Nigéria, o que acharam disso?

4 – Antes de Bill Gates e Steve Jobs, subverteu a ordem da inovação, criando um drible pecuário, o da “Vaca” e, pasmem, uma cobrança de pênalti em que, ao invés de correr, o batedor para. Dizem as boas línguas que recursos do Iphone X como a captura de tela e as bordas arredondadas foram tiradas destas criações, mas eu não acredito.

5 – Transformou um clube do litoral de São Paulo em marca mundial sem usar roupas de praia, guarda-sol ou uma prancha de surf? Foi o único a fazer isso na história da humanidade.

6 – Teve um filho GOLEIRO! Esta para mim é a mais impressionante, pois conseguiu alterar seu próprio código genético para produzir em casa o seu maior antagonista.

7 – Imortalizou o gol perdido na Copa de 1970, com aquele drible pecuário no goleiro uruguaio e o chute de antes do meio-campo. Desde então todos tentam imitá-lo, mas ultimamente ficam apenas a parte da chance desperdiçada, muitas vezes em cima da linha fatal mesmo.

8 – Por causa dele, a busca pelos mil gols criou personagens míticos da cultura pop brasileira. Romário jogou até fisgar o nervo ciático. Enquanto não alcançou o milhar, não pendurou as chuteiras. E o Túlio? Esse até hoje faz gols no modo carreira do game “Fifa” para tentar alcançar a marca.

9 – Seu gol mais famoso ficou tão escondido que ninguém viu, mas milhões dizem ter presenciado. Mistério digno dos contos de Edgar Allan Poe, Pelé fez um golaço na Rua Javari, no campo do Juventus, em que cabem menos de 3 mil pessoas, mas 7 milhões já afirmaram ter visto ao vivo. Um ilusionista.

10 – Mantém sua áurea de rei em um país que não é capaz de respeitar seus ídolos e nem suas faltas. Já foi chamado de aspirante a poeta (quando calado) e teve comentários ridicularizados em rede nacional pelos maus palpites. O Brasil é um país de contrastes, pichamos nossa maior figura, mas dizemos: É tudo culpa dele”.

E é mesmo. Como li na conta do amigo Paulo Júnior no Twitter: “Tudo culpa dele”. Pensando bem, até o futebol é culpa dele. O que seria do esporte mais rentável e adorado no planeta não fosse a aparição meteórica do garoto de 16 anos na Suécia? Qual outra narrativa, de sua lesão em 1962 e a saída para a violência quatro anos depois ou da apoteose do “Atleta do Século” no tricampeonato ou seus feitos incríveis no Santos FC seria tão perfeita? Há quem tente diminuir a lenda com os feitos mortais de Edson, mas é impossível.

Nosso super-herói é negro, sorri, batuca, dança, veste pano simples, olhar puro. É BRASIL puro. O que seria de nós, não fosse Pelé? O futebol seria tão grande?

Vida longa e mais respeito à Sua Majestade, nosso orgulho. #Pele80