Como escrevo essa crônica em véspera de uma Copa no Brasil, engrosso o cordão dos jogos de perguntas que a mídia repete testando a memória dos torcedores

Como escrevo essa crônica em véspera de uma Copa no Brasil, engrosso o cordão dos jogos de perguntas que a mídia repete testando a memória dos torcedores

Como escrevo essa crônica em véspera de uma Copa no Brasil, engrosso o cordão dos jogos de perguntas que a mídia repete testando a memória dos torcedores: qual foi o jogador que conseguiu fazer feliz as torcidas rivais do Barcelona e do Real Madrid?

Sei que muita gente lembrará de Di Stefano, o mito argentino que chegou na Catalunha e foi para Madrid numa disputa que envolveu até o ditador Franco. De Ronaldo Fenômeno, de Figo, de Eto’o, do dinamarquês Laudrup, do romeno Hagi e do alemão Schuster.

Trocar um time pelo outro no clássico da Espanha é fato existente desde 1902, quando Alfonso Albéniz deixou o Barça pelo Real, retornou e novamente em 1911 trocou o azul-grená pelo blanco. Desde então, dezenas repetiram o ato e tomaram vaias mútuas.

Os dois primeiros casos que abalaram realmente as duas torcidas ocorreram nos anos 1930, quando o goleiro Ricardo Zamora e o artilheiro Samitier saíram do Barcelona para o Real Madrid, respectivamente em 1930 e 1932. Eram duas grandes referências.

Zamora optou por não causar tanto espanto na torcida catalã, fez um pit stop no rival doméstico Espanyol e logo tomou o rumo do time da capital. Samitier fez o percurso sem escala e acabou se tornando um dos maiores goleadores da história merengue.

Mas, somente nos anos 1960 aconteceu uma transferência que proporcionou um fato até hoje jamais repetido. Um craque tornar-se ídolo das duas torcidas, provocar emoções tanto em Camp Nou quanto no Santiago Bernabéu. E o feito coube a um brasileiro.

Oriundo das peladas em terrenos baldios cariocas, depois iniciando carreira no modesto Madureira, o atacante Evaristo de Macedo logo faria história no Flamengo, ajudando a levar para o time da Gávea as três taças do tricampeonato de 1953, 1954 e 1955.

Tinha 20 anos no primeiro título, jogando com craques imortais como Dida, Zagallo, Rubens e o potiguar Dequinha. Foi o artilheiro de 54 e 55 e ao deixar o Flamengo, era dono da incrível marca de 102 gols em 101 vitórias vestindo o manto rubronegro.

No ano em que foi contratado pelo Barcelona, uma indicação do artilheiro Samitier, Evaristo estabeleceu uma outra marca, desta feita na seleção brasileira, que permanece inigualável há quase 60 anos: fez cinco gols numa partida contra a Colômbia, no Peru.

Aquele ano de 1957 tinha tudo para que Evaristo carimbasse o passaporte para a Copa da Suécia, muito provavelmente vestindo a camisa 10 do Brasil e provocando o encontro de gênios de duas gerações na seleção. Mas o destino evitou a tabela com Pelé.

Na verdade, nem foi bem o destino, mas o próprio time do Barcelona, que não liberou o craque recém-comprado. Com a Espanha fora da Copa de 1958, por que os dirigentes catalães iriam se preocupar com a seleção brasileira? E Evaristo ficou em Camp Nou.

Ficou e fez história. Primeiro porque jogou na inauguração do estádio que o Barça construíra para suprir a quantidade de torcedores que aumentava a cada dia por causa do futebol mágico do húngaro Kubala, até hoje o maior nome do clube, junto com Messi.

A chegada de Evaristo só ajudou Kubala a jogar mais, construindo as jogadas que o brasileiro convertia em gols. Muitos gols. Entre 1957 e 1962, foram 178 gols com a camisa do Barça e 5 conquistas de taças, fazendo dele uma lenda viva do clube.

Diferente de Figo, de Luis Henrique, de Saviola e até de Ronaldo Fenômeno, Evaristo de Macedo conseguiu a proeza de se tornar ídolo também no Real Madrid, mesmo vindo do arquiinimigo. E se o coração se dividiu, ele jamais abriu numa dividida.

Os gols que fez para o Real Madrid acabaram levando a torcida local a contemporizar a decepção provocada por ele apenas um ano antes de chegar. Foi de Evaristo o gol do Barcelona, em 1961, que interrompeu a sequência de cinco taças da Champions League.

Seu nome e sua estampa estão perpetuados na história das duas equipes espanholas, imunes à rivalidade esportiva, política e social. Há elogios ao seu estilo de jogo, ao futebol estupendo que jogava, registrados nos sites oficiais do Barcelona e do Real.

Como um Flash Gordon do gol, um Giuseppe Garibaldi dos estádios – herói de dois mundos – Evaristo é um dos mais espetaculares atacantes da história do futebol internacional. Não foi o acaso que o tornou ídolo dos dois maiores times do planeta.

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Foto: UOL

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