MAURÍCIO SABARÁ: É motivo de orgulho para o esporte brasileiro saber que nossas primeiras medalhas olímpicas foram na prova de tiro desportivo realizadas em 1920, na capital da Bélgica (Antuérpia). Conte sobre esse fantástico feito.
RICARDO BRENCK: Naquela época, participar dos Jogos Olímpicos era uma aventura para todos os países. No tiro o Brasil foi representado por quatro atletas que foram de navio para a Bélgica. Na viagem conheceram atletas de outros países e fizeram amizade com eles. Numa conversa e outra, o chefe da delegação dos Estados Unidos viu que os brasileiros iam participar com armas de qualidade ruim, bem inferior às armas dos americanos. Então, presentearam aos brasileiros uma pistola e foi com essa que o brasileiro Guilherme Paraense participou da prova e ganhou a medalha de ouro. Foi um feito fantástico, pois os brasileiros não tinham noticia dos resultados de seus concorrentes, como hoje pela internet podemos ter essa informação. Então eles não sabiam que os seus resultados no Brasil estavam em condições de medalhas em Jogos Olímpicos.
MS: Cite resumidamente as regras do esporte.
RB: O tiro esportivo tem 15 provas olímpicas. 10 provas atirando em alvo (aquele com o “dez” no centro) feitas com carabina ou pistola e 5 provas atirando em prato (aquele que é lançado por uma máquina e acertado com um tiro de cartucho). A regra básica para todas as provas é fazer o maior numero de acertos possíveis na quantidade de tiros da prova.
No caso das provas de tiro com carabina e pistola geralmente a prova é feita com 60 tiros. Então o atleta fará 600 pontos se acertar tudo no “dez”. No caso de tiro ao prato a prova é feita com 125 pratos valendo um ponto cada prato acertado, então o atleta vai procurar fazer 125 pontos, se acertar todos os pratos da prova.
As regras para todas as provas têm como princípio não deixar nenhum atleta “levar vantagem” sobre o outro. Assim, muitos artifícios para facilitar o tiro são proibidos, como apoios, mira telescópica, roupas especiais, etc... A segurança é o fator mais importante de todas as competições. Apesar de praticarmos nosso esporte com uma arma, nunca houve qualquer acidente numa prova de tiro.
MS: O fato de os militares serem os que mais praticam é vantajoso para sua evolução?
RB: Sim e muito. O tiro é uma matéria curricular na carreira militar. Se nesse momento o instrutor enxergar que o aluno tem potencial, esse aluno será convidado a se dedicar mais ao tiro, participando de competições militares. Como as competições militares são bem semelhantes às competições olímpicas, teremos para a Confederação atletas já bem formados e treinados para compor nossa equipe olímpica.
MS: As mulheres estão presentes em bom número na sua prática? A forma de treinamento é igual?
RB: Sim, muito igual. Diferente de outros esportes, os princípios fundamentais do tiro esportivo são: Concentração, autocontrole e disciplina. O fator físico não é importante. Então, as mulheres têm iguais condições de fazerem os mesmos resultados dos homens. O Comitê Olímpico Internacional está solicitando que todos os esportes tenham suas provas em igual quantidade entre provas masculinas e femininas. No caso do tiro, transformar algumas provas em provas mistas será muito fácil por causa disso.
MS: Quais são os países que você destaca como grandes forças?
RB: Hoje a China supera todos os países. Os chineses têm um processo de seleção e treinamento espetacular. Como o país é muito populoso, tira a qualidade dentro da quantidade. Outros países não têm tanta quantidade assim para tirar uma qualidade suficiente. Depois da China temos a Coréia, Alemanha, Itália, Rússia, França e Estados Unidos em iguais condições de atletas campeões.
MS: Ricardo Brenck, conte sobre sua trajetória, todos os passos e sua função atual.
RB: Comecei no tiro esportivo com 17 anos de idade por influência do meu pai que praticava as provas de carabina. Porém me agradou mais a prova de pistola tiro rápido, que foi a que mais me dediquei. Durante 05 anos eu fui da equipe brasileira de juniores e logo que passei para a categoria sênior, representei o Brasil em sete competições internacionais. Como em Belo Horizonte eu não conseguia estande para treinar o tiro rápido, minha pontuação foi caindo, até que em 2005 eu parei de competir e fui convidado para ser diretor técnico da Confederação. A partir daí até hoje, venho exercendo essa função, fazendo todo o planejamento técnico das provas de carabina e pistola e sendo o chefe de equipe em todas as competições internacionais que o Brasil participou.
MS: Quem são os grandes atiradores atuais e de todos os tempos?
RB: No Brasil os atletas que participaram do Time Olímpico com o objetivo de conquistarem uma vaga para os Jogos Rio 2016 são os grandes atiradores atuais. São eles: Felipe Wu, Julio Almeida, Cassio Rippel e Emerson Duarte. São atletas que nesse último ciclo olímpico conseguiram resultados expressivos internacionais fechando com a medalha olímpica do Felipe Wu. Em termos internacionais, são muitos os atletas que já participaram de 04 ou 05 Olimpíadas. O tiro tem uma longevidade muito grande e isso faz com que um bom atleta fique competitivo por muito tempo.
MS: Onde você aconselha sua prática no Brasil? Existe algum lugar que é a referência?
RB: O estande de tiro referência no Brasil é o CNTE que foi construído para o PAN de 2007 e reformado para os Jogos Rio 2016. É um estande com alvos eletrônicos de primeira linha e com condições internacionais de treinamento e competições. Fora isso, vários clubes no Brasil tem boas instalações com alvos de papel e pedanas para o tiro ao prato, que atende bem o atleta que quer iniciar. O interessado em começar no tiro esportivo deve procurar a federação de seu estado e verificar qual clube filiado tem as condições para as provas que ele deseja fazer.
MS: Qual é a grande competição mundial, a Copa do Mundo do esporte?
RB: Todo ano o tiro esportivo tem quatro Copas do Mundo, que são os grandes eventos mundiais nesse período. A cada quatro anos é realizado o Campeonato Mundial, que passa a ser então o maior evento do tiro no ano em que é realizado. E fechando tudo isso fica os Jogos Olímpicos como o maior de todos e o mais cobiçado pelos atletas.
MS: O que você achou da participação brasileira nas Olimpíadas do Rio? Quase ganhamos a medalha de ouro!
RB: Acho que foi uma emoção que durante muito tempo ainda vamos sentir. Quem acompanhou a prova final do Felipe Wu presenciou o que o tiro esportivo traz de verdadeiro para quem o pratica. A partir dessa medalha com certeza o tiro esportivo será visto com outros olhos pelos órgãos do esporte no Brasil. No geral, tivemos outras boas participações do tiro nesses Jogos Rio 2016. Todos que participaram foram bem preparados para isso. Mas nada vai se comparar com a medalha do Felipe Wu. Quebramos um tabu e mostramos para nós mesmos que nosso esporte pode ter o destaque como qualquer outro.
Ricardo Brenck e Felipe Wu
1999 - Ricardo Brenck